Editorial
Na
entrevista ao Estado em que falou de seus problemas gástricos – confessou não
ter “estômago” para ler os editoriais deste jornal críticos à sua atuação à
frente da Procuradoria-Geral da República e ao açodamento de parte do
Ministério Público nas ações contra a corrupção –, o sr. Rodrigo Janot reiterou
o mau comportamento pelo qual se notabilizou ao longo de sua trajetória
recente. Fez contra este jornal acusações graves sem nenhuma prova, baseadas
apenas em suas presunções, exatamente como havia feito nas denúncias sem
fundamento assacadas contra vários líderes políticos, a começar pelo presidente
da República, a quem qualificou de “chefe de quadrilha”.
Disse o
sr. Rodrigo Janot que o Estado precisa ter “um pouco mais de isenção” ao
analisar os “trabalhos técnicos” do Ministério Público, “e não julgamentos
políticos”. Em seguida, mesmo admitindo não ser de seu “conhecimento”,
especulou que há por trás das decisões editoriais do jornal “alguma vinculação
com o financiamento público da empresa ou amizades antigas entre pessoas do
meio de comunicação e políticos que os vinculam muito proximamente”. Foi
exatamente esse tipo de ilação que fez do sr. Rodrigo Janot, quando
procurador-geral, protagonista de um lamentável show de denúncias
irresponsáveis, que prejudicaram a recuperação da economia e a aprovação das
reformas, além de ampliarem artificialmente o desgosto popular com os políticos
e a política em geral. Um desserviço completo.
O sr.
Rodrigo Janot disse que este jornal, em seus editoriais, faz “defesa explícita
de quem cometeu ilícitos e finge que essa pessoa não cometeu ilícito nenhum”,
além de dizer que “o ilícito é cometido por quem investiga”. Talvez a
indisposição estomacal do ex-procurador-geral tenha prejudicado sua capacidade
de compreensão de texto, pois o Estado jamais defendeu “quem cometeu ilícitos”.
O que o Estado preza, e o sr. Rodrigo Janot, assim como muitos de seus
ex-colegas, deveria também prezar, é o respeito absoluto ao Estado Democrático
de Direito. Somos obedientes à lei, para não termos de nos curvar ao arbítrio
de quem pretende fazer a lei sem ter as credenciais políticas para tal. Isso o
sr. Janot não entende. Ninguém pode ser considerado culpado até a conclusão de
seu julgamento, e é espantoso que alguém que chefiou um órgão cuja função é
justamente defender a ordem jurídica tenha dificuldade de perceber o que é a
defesa da lei e o que é a defesa “de quem cometeu ilícitos”.
Para o
ex-procurador-geral, contudo, parece que todos os políticos são malandros,
salvo as exceções que somente ele pode nomear. Todos querem minar a Lava Jato e
prejudicar o trabalho do Ministério Público, todos têm algo a esconder da
Justiça e todos pretendem usar o cargo e o voto para garantir impunidade.
Trata-se obviamente de um absurdo, infelizmente esposado por muitos formadores
de opinião, situação que desmoraliza a política tradicional e favorece os
populistas, os demagogos e os salvadores da pátria em geral.
Na mesma
entrevista, o sr. Rodrigo Janot manteve o tom de quem está a revelar ao País
uma grande conspirata internacional de corruptos. Segundo ele, “merece ser
investigado” o “fato” de que as autoridades dos países em que há desdobramentos
da Lava Jato “estão reagindo de forma muito conforme, muito orquestrada”. E
acrescentou: “Eu já estou velho demais para acreditar em todas essas
coincidências”.
Mais
adiante, ao avaliar o trabalho de sua sucessora, Raquel Dodge, afirmou que é
preciso esperar “mais três meses” para saber se “as instituições brasileiras
estão maduras, estão preparadas e a democracia está forte”, ou se “tudo não
passou de uma bolha em que as pessoas certas” – no caso, o próprio sr. Rodrigo
Janot – “estiveram na hora certa e nos lugares certos”.
Seria
isso apenas um caricato arroubo de soberba não fosse o fato de que o sr.
Rodrigo Janot, de certa forma, representa o pensamento dos procuradores que se
autoatribuíram messiânicas missões e, nessa condição, se consideram acima das
críticas e, muitas vezes, da lei.
O Estado de S. Paulo
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