Rafael R. Ioris
A
evolução histórica do capitalismo foi marcada por profundas diferenças
socio-econômicas entre os países. A revolução industrial aprofundou esse
processo de maneira significativa e, desde meados do século XIX, governos de
vários estados, inicialmente na periferia da Europa Ocidental, e,
posteriormente, ao redor do globo, tem buscado formas de acelerar seu próprio
de crescimento econômico, em geral, por meio de um industrialização alavancada
pelo Estado.
De fato,
embora o credo liberal tenha sido propagado fortemente pela Inglaterra ao longo
do século XIX e, em especial, pelos Estados Unidos, ao longo do século XX,
ambos países sempre se valeram de políticas protecionistas na promoção de suas
indústrias e na regulação de seu mercado interno. Da mesma forma, todos países
envolvidos na chamada industrialização tardia, em especial a Alemanha, França e
Rússia na virada do século passado, implementaram políticas de subvenção de
setores chave de suas economias, assim como tarifas protecionistas, para
garantir o sucesso de seus projetos.
Tais
medidas se apronfudaram e complexificaram ao longo do século XX por meio do que
ficou conhecido como políticas anti-cíclicas, tanto nas economias centrais,
assim como, de modo gradual, em países da América Latina. Após ter adotado de
modo excessivo e injustificado a lógica das chamadas vantagens comparativas ao
longo das décadas iniciais do século, na medida em que estas se mostravam cada
vez mais insuficientes para garantir a estabilidade de suas economias, grande
parte da nossa região passou a adotar medidas regulatórias intervencionistas na
promocão do crescimento e diversificação econômica.
Dentro
dessa nova lógica ampliada em prol da atuação governamental, o pós-guerra
presenciou ganhos sem precedentes, tanto no que se refere ao crescimento
econômico assim como, de modo especial, na promoção de melhores ganhos de vida
e redução das desigualdades sociais, ao redor do mundo.
Na
America Latina, em especial no Brasil, uma combinação doméstica de
Keynesianismo com projetos de industrialização substitutiva, sob a égide do
desenvolvimentismo, gerou benefícios históricos para crescentes grupos sociais,
apesar da continuação da graves desigualdades estruturais históricas que sempre
caracterizaram o perfil do nosso país. Mas não obstante todos esses ganhos, nas
duas últimas décadas do século a região foi varrida pelos destrutivos ventos
neo-liberais que forçaram uma abertura econômica oligopolizante e
incrementadora das desigualdades sociais.
Se, ao
fim e ao cabo, alguns setores conseguiram sobreviver, isto se deu, em geral,
pela proteção estatal, em contradição clara com o ideário tão propagado no
período. Do mesmo modo, seria somente por meio de novas políticas públicas,
promovidas dentro de um contexto de maior democracia e participação popular ao
redor da região, que o aprofundamento das desigualdades sociais e perda da
competividade das economias locais das década de 90 seria finalmente debelado
no início século XXI.
Vivemos
hoje um cenário mundial cada vez mais complexo e arriscado. A China vem se
colocando, cada vez de maneira mais clara e assertiva, como um modelo alternativo
de desenvolvimento frente ao novamente propalado modelo de livre mercado que
vinha pautando a globalização liberal dos últimos anos, forcando os países
ocidentais a responder à altura. E embora retoricamente, o presidente chinês
tenha se colocado, de maneira certamente inusitada, como defensor da ordem
liberal, é certo que seu país, apesar dos ganhos que teve com a participação
nessa mesma ordem, vem aprofundando políticas neo-mercantilistas, seja no
contexto doméstico, regional e mesmo global.
Se, por
várias razões, a resposta que vem sendo propagada, ainda que de maneira
errática, por Trump não é viável, mesmo para seu país, que respostas poderiam
dar aos atuais desafios os países latino-americanos, em especial o Brasil?
Em
primeiro lugar, cabe lembrar que vivemos, desde os anos 2005 e até os três
últimos anos, um processo sem precedentes de internacionalização competitva da
economia nacional, fortalecimento da presença do país em nível global, e
redução histórica das desigualdades sociais, em grande parte graças à
coordenação e presença ativa do Estado na economia interna, regional e global.
Se um injustificado grau de clientelismo atávico continuava presente ao longo
desse processo, isso não diminui em nada os ganhos obtidos.
Ao invés
de descontruir essa atuação ativa e altiva, como vem sendo feito ao longo
dos últimos dois anos – tanto no ambiente doméstico, por meio de um neo-liberal
redivivo de viés cultural reacionário, como na nossa atual medíocre e submissa
atuação internacional – o que precisamos hoje é retomar, certamente em níveis
mais transparentes e democráticos, os avanços de então.
As
dificuldades de hoje são crescentes e temos que atendê-las de modo rápído e
criativo. O modelo chinês tem que ser entendido de maneira profunda já que
parece mais adapatado para responder aos desafios de hoje, dada sua maior
capacidade de ativar a economia interna e projetá-la para fora do que o
tradicional modelo liberal. Não se trata aqui, de modo algum, de uma defesa do
caráter autoritário do regime chinês, mas sim da capacidade do seu governo em
atuar na promoção dos interesses do seu país.
Felizmente,
temos experiências históricas, especialmente as recentes, que podem nos ajudar
nesse processo. Se continuarmos, porém, na equivocada tentativa de retomar a
lógica liberal, seja dos anos 90 do século passado, ou mesmo de um século
atrás, não conseguiremos responder tais questões de modo eficaz. Os desafios
atuais só aumentam. Precisamos, pois, entender de modo rapido e eficaz as
lições históricas para podermos formular respostas mais adequadas do que as que
estamos presenciando nos dias de hoje.
Rafael R. Ioris, Professor de História
Latino-americana e Política Comparada da Universidade de Denver, autor do
livro Qual Desenvolvimento? Os Debates, Sentidos e Lições da Era
Desenvolvimentista (Paco, 2017)
Estadão
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