Cristiano Romero
Com a Nova Matriz, o PT finalmente
fez o que prometeu
Muitas
teses já foram feitas sobre as causas da Grande Recessão, como ficou conhecida
a derrocada da economia brasileira entre 2014 e 2017.
Poucos
analistas duvidam, porém, do fato de que a Nova Matriz Econômica, um conjunto
amplo de políticas adotadas pelo governo Dilma Rousseff a partir de agosto de
2011, foi a principal responsável pela ruína. A recessão, segundo o Comitê de
Datação de Ciclos Econômicos da FGV, começou no segundo trimestre de 2014 e
terminou em 2016, tendo durado, portanto, quase três anos. Como foi uma
tragédia provocada por equívocos de política econômica e não fruto de uma crise
externa, seus efeitos devem ser lembrados à exaustão - entre outros, queda
acumulada de 8,6% do PIB e de mais de 10% da renda per capita, 14 milhões de
desempregados e explosão da dívida pública.
Outros
fatores contribuíram para a debacle, mas não foram tão disruptivos para a
confiança de empresários e consumidores. A Nova Matriz foi concebida, em meados
de 2011, sob a justificativa de que a crise mundial ocorrida entre 2007 e 2009
estava recrudescendo. A economia mundial, de fato, diminuiu o ritmo de
crescimento a partir de 2012 e o boom de commodities, puxado pelo forte
crescimento da China e fonte relevante da expansão brasileira entre 2004 e
2010, acabou naquela época. Apesar disso, o "fim do mundo" não
adveio, como profetizaram os economistas do governo, que, na verdade, já
queriam mudar tudo desde o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.
Nunca
uma crise foi tão antecipada quanto a que resultou na "Grande
Recessão". Dilma Roussef tinha uma obsessão desde que botou os pés em
Brasília para assumir o comando do Ministério das Minas e Energia, em janeiro
de 2003: reduzir a taxa básica de juros (Selic), que serve de parâmetro para o
custo da dívida pública e funciona como referência para toda a economia. Achava
que, com isso, o Brasil cresceria de forma acelerada.
Ignorando
todas as razões - apontadas por inúmeros estudos acadêmicos - que levam a taxa
de juros de um país chegar a níveis pornográficos, Dilma achava possível
diminuir a Selic na marra. Bastava mandar o Banco Central (BC) tomar
providência. Nenhum governo fez isso antes, acreditava, nem mesmo Lula, que lhe
deu a Presidência da República de presente, porque todos tinham parte com o
diabo, isto é, com os rentistas, os que vivem dos juros altos pagos pelos
títulos públicos.
Começou,
assim, no fim de agosto de 2011, a sequência de mudanças da política que, desde
meados de 1999, vinha reduzindo a inflação, diminuindo a volatilidade do
produto, fortalecendo as finanças públicas e acelerando a taxa de expansão da
economia brasileira - e que levou Dilma à Presidência! Naquele mês,
contrariando todos os sinais emitidos por seus documentos, além das
expectativas do mercado quanto à inflação futura, o BC cortou os juros, em vez
de aumentá-los.
A Nova
Matriz cortou a taxa de juros de 12,50% para 7,25% ao ano no espaço de um ano;
o câmbio se desvalorizou, mas não sem um empurrão do governo, que aplicou IOF
numa série de operações de entrada de capitais; o regime de metas para inflação
foi flexibilizado, uma vez que o teto do regime (6,5%) passou a ser a meta, que
deveria ser 4,5%, conforme decreto presidencial; a disciplina fiscal foi
simplesmente abandonada, mas sem que o distinto público fosse informado.
Em 2012,
para "cumprir" a meta de superávit primário prevista em lei, os
economistas de Dilma usaram a "contabilidade criativa". Uma das
artimanhas era promover troca de ativos entre as estatais para gerar dividendos
contábeis que reforçassem o resultado fiscal. O ardil foi logo descoberto pela
imprensa e, no ano seguinte e também em 2014, a turma fez algo bem pior: as
pedaladas fiscais - o uso de bancos federais para pagar despesas do governo.
Uma
interessante discussão sobre a Nova Matriz está sendo travada neste momento no
Blog do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia), um espaço privilegiado do
debate econômico, criado pelo presidente do instituto, Luiz Guilherme Schymura.
No blog (blogdoibre.fgv.br/), Manoel Pires, pesquisador associado da entidade,
diz que o termo Nova Matriz foi utilizado pelos críticos como um
"espantalho", uma visão caricatural que trata como uma coisa só todas
as iniciativas adotadas pelo governo ao longo de vários anos e não considera
fatores não controláveis, como o cenário externo.
Também
no blog, Bráulio Borges e Samuel Pessoal, igualmente pesquisadores associados
do Ibre, estão protagonizando um debate animado. O primeiro, embora não negue,
como observa Schymura na última Carta da Conjuntura do instituto, que a Nova Matriz
tenha sido uma causa não desprezível da Grande Recessão, diz que os críticos
exageram em demasia ao atribuir todos os males àquele experimento. Ele cita o
fim do boom de commodities, as restrições de oferta hídrico-energética, os
efeitos da Operação Lava-Jato e problemas na aferição do PIB pelo IBGE - que
teriam subestimado o crescimento nos anos anteriores, levando o governo a
oferecer estímulos para a economia crescer - como fatores que concorreram com a
Nova Matriz para derrubar a atividade.
Economista
que muito cedo começou a alertar para os riscos das políticas adotadas pelo
governo desde 2008, a três anos do fim do segundo mandato de Lula, Samuel
Pessoa lembra que a Nova Matriz foi muito além das políticas monetária, fiscal
e cambial.
Além da
tolerância com a inflação, da redução da transparência da política fiscal, da
diminuição drástica do superávit primário e da colocação da dívida pública em
trajetória explosiva, os economistas de Dilma promoveram as seguintes
atrocidades: controle de preços para tentar segurar a inflação, uma vez que o
BC foi inibido a não elevar os juros; aumento do protecionismo; ampliação do
papel do Estado na Petrobras e no setor de petróleo; uso de bancos públicos
para induzir a redução do spread bancário; imposição de resistências
ideológicas que travaram a participação do setor privado na oferta de serviços
públicos e na infraestrutura; política de conteúdo nacional e de estímulos à
produção local.
Muito
importante lembrar que, paralelamente às mudanças da política econômica, Dilma
adotou uma série de medidas populistas que não cabiam no orçamento, tanto que o
financiamento do Fies e do BNDES foi feito por meio de emissão de dívida.
O
desastre foi resultado, portanto, de um projeto, apesar dos improvisos fundados
no desespero causado pela falta de resultados positivos. Com a Nova Matriz, o
PT finalmente chegou ao poder em matéria econômica.
Valor
Econômico
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