Editorial
Sem terem
seu direito de ir e vir violado por greves no transporte coletivo ou bloqueios
em estradas e avenidas, os brasileiros praticamente ignoraram o protesto das
centrais sindicais
Para
quem pretendia “parar o país”, as manifestações promovidas em várias cidades do
país na sexta-feira tiveram um resultado bem diferente. Em Curitiba, apenas 300
pessoas participaram do ato na Boca Maldita. Na Praça da Sé, em São Paulo,
havia 2 mil pessoas no que acabou sendo o maior dos atos convocados pelas
centrais sindicais e que, teoricamente, tinham como objetivo protestar contra
as reformas do governo Temer, especialmente a trabalhista (que entra em vigor
neste sábado) e a previdenciária (que ainda tramita na Câmara dos Deputados).
À
exceção de algumas categorias específicas e tradicionalmente mais mobilizadas,
como a dos metalúrgicos, a verdade é que a tal “greve geral” não fez nem
cócegas no dia a dia do brasileiro. Algo bem diferente do que ocorreu em abril
deste ano, quando os grevistas conseguiram parar muitas metrópoles, graças à
adesão maciça de funcionários do transporte coletivo e de bloqueios em estradas
e nas principais ruas e avenidas de certas cidades. Naquela ocasião, as
centrais sindicais estimaram em 40 milhões o número de brasileiros que
“cruzaram os braços”.
Mas
a comparação com esta sexta-feira deixa claro que o fator decisivo que fez o
país “parar” em abril foi o desrespeito ao direito de ir e vir do cidadão
trabalhador. A adesão de abril foi, em grande parte, involuntária, formada por
pessoas que teriam ido trabalhar se essa possibilidade não lhes fosse negada
pela ausência de transporte público ou pelo bloqueio de sua rota até o
trabalho. Desta vez, sem serem tolhidas pelos sindicalistas – com algumas
exceções, caso do veículo incendiado pelos manifestantes e que bloqueou a Ponte
Rio-Niterói ou de algumas invasões em terminais de transporte público –, as
pessoas praticamente ignoraram o protesto e seguiram em frente com suas tarefas
diárias.
Assim,
o brasileiro deu o seu recado às centrais sindicais: ele quer é poder trabalhar
em paz, garantir o sustento de sua família; quer a retomada da economia, com
mais emprego e menos inflação. Certamente terá suas ressalvas a algumas das
reformas, especialmente a da Previdência, que é algo de uma campanha agressiva
e eficaz de desinformação, mas cujo texto também peca ao manter privilégios das
classes que sabem gritar mais alto (e, em certos casos, quebrar
mais).
Mas o brasileiro não quer ser massa de manobra de protestos que, em última
instância, são políticos – basta ver que o ato de Curitiba se transformou em
defesa da candidatura presidencial de Lula em 2018 – ou parecem mais motivados
por um item bastante específico da reforma trabalhista: o fim do imposto
sindical.
Em
um país com 13 milhões de desempregados e outras dezenas de milhões de
trabalhadores informais, a reforma trabalhista é mais motivo de esperança de
formalização que de revolta. Mesmo para quem já trabalha coberto pela CLT, a
maioria das mudanças trazidas pela reforma trabalhista permitirá uma
flexibilização desejada por muitos, mas inviabilizada pela engessada legislação
anterior. Já a reforma previdenciária é imprescindível para que o sistema todo
não quebre em poucas décadas, ou acabe engolindo uma fatia tão grande do
orçamento nacional que não sobre quase nada para as outras rubricas. Deixar
tudo como está, a proposta dos que protestaram na sexta-feira, é a escolha mais
irresponsável para o país.
Gazeta do Povo
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