Zoran Arbutina
Marcas de roupas ocidentais se
beneficiam de baixos custos de fabricação no Leste Europeu, onde leis são
ignoradas, e trabalhadores acabam muitas vezes explorados.
Fábrica
na Sérvia: condições de trabalho precárias no setor têxtil
“Eu
disse ao meu supervisor que eu não conseguia respirar perto da máquina. Fazia
30ºC na fábrica e, se trabalhássemos próximos dela, ficaria muito mais
quente", conta uma operária do setor têxtil na Sérvia.
O superior
virou o tubo de escape da máquina, atingiu com gases os rostos da costureira e
de seus colegas de trabalho e disse: "Isso é problema seu. E, se você não
aguenta isso, há pessoas suficientes esperando para ocupar seu lugar. A porta é
logo ali!"
Outra funcionária
relata: "A administração nos pediu que arrecadássemos dinheiro para
comprar um aparelho de medir pressão arterial, porque eles mesmos nos
'tratariam' e não chamariam um médico se nós desmaiarmos."
As duas
mulheres pediram para não terem suas identidades reveladas – como todos os
outros trabalhadores que tiveram a coragem de descrever as condições na
indústria têxtil da Sérvia em um estudo realizado pela Clean Clothes Campaign
(CCC), uma ONG que visa melhorar as condições de trabalho na indústria de
vestuário.
Na
Sérvia, muitos têm medo de perder seus empregos, num país onde a taxa de
desemprego geral é de 16% - entre os jovens, chega a 30%. Na Sérvia, os
empregos bem remunerados estão no setor público, e a contratação é baseada em
conexões e afiliação política.
Os
trabalhadores da indústria têxtil, em particular, são forçados a aceitar
condições de trabalho desumanas e a tirania de superiores, numa indústria
predominantemente controlada por empresas estrangeiras que fabricam roupas para
o mercado da Europa Ocidental.
Prevalece
o ambiente de medo: há ameaças constantes de demissão, e os empregadores negam
aos trabalhadores o direito de tirar férias.
"As
trabalhadoras relatam que são tratadas como máquinas ou escravas, e não como
seres humanos. Os superiores gritam com elas, e o assédio sexual faz parte da
vida cotidiana", afirma Bettina Musiolek, coordenadora do CCC para a
região oriental e sudeste da Europa.
Os casos
de abuso acontecem em empregos que pagam menos que o salário mínimo do país e
nos quais horas extras não são necessariamente remuneradas. O salário mínimo
legal na Sérvia é de 278 euros (pouco mais de mil reais), mas uma família de
quatro pessoas precisa de ao menos 652 euros (cerca de 2.500 reais) mensais
para se sustentar.
As
mulheres que trabalham na indústria têxtil ganham em média 202 euros (775
reais), na indústria de couro e calçado, 227 euros (870 reais). O setor emprega
cerca de 100 mil trabalhadores na Sérvia, o que equivale a aproximadamente 8%
da força de trabalho no país.
As
condições da indústria de vestuário sérvia não são diferentes de outros
países com baixo-custo de fabricação.
"Para
as marcas de moda globais, países do Leste e do Sudeste da Europa são paraísos
com baixos salários", dizem os autores do estudo. Varejistas bem
conhecidos, como H&M, Benetton e Esprit, ou mesmo marcas de luxo como Louis
Vuitton, Prada ou Versace fabricam seus caros produtos em fábricas de baixo
custo.
As sweatshops europeias
são conhecidas por seus trabalhadores baratos, mas experientes e qualificados.
Em regra, pagam aos trabalhadores – a maioria deles mulheres – o salário mínimo
legal, que varia de 89 euros (cerca de 340 reais) por mês na Ucrânia a 374
euros (cerca de 1.430 reais) na Eslováquia.
A fim de
garantir o sustento de uma família e permitir que a remuneração atenda as
necessidades básicas, os salários deveriam ser de quatro a cinco vezes maiores.
“Made in Europe"
Muitas
marcas escrevem "Made in Europe" ou "Made in EU" em suas
etiquetas, sugerindo que as roupas foram produzidas sob condições justas, mas,
"na realidade, muitos dos 1,7 milhão de trabalhadores de vestuário da
região vivem na pobreza", revela o estudo da CCC.
"Às
vezes, nós simplesmente não temos nada para comer", frisa uma mulher em
uma fábrica de têxteis na Ucrânia. Um trabalhador na Hungria diz:
"Nossos salários são apenas suficientes para pagar pelo aquecimento de
nossas casas e serviços públicos."
Essas
condições só são possíveis em um ambiente que favorece o empregador. "É
essencialmente uma zona livre de sindicatos. Ninguém representa efetivamente os
interesses dos trabalhadores", diz Musiolek.
Os
governos também dão às empresas estrangeiras subsídios diretos e indiretos. Na
Sérvia, por exemplo, as companhias recebem altos subsídios, terrenos abaixo do
valor de mercado ou mesmo gratuitos, isenções fiscais e infraestrutura
gratuita. Além disso, os governos "estabelecem salários mínimos muito
baixos", ressalta Musiolek.
Stefan
Aleksic, um dos autores do estudo, afirma que uma corrida econômica está em
andamento no sudeste da Europa. "Muitas nações pobres cercam a Sérvia e
todos estão lutando pelos mesmos investimentos. Um clima de competição surgiu:
quem oferecerá aos investidores estrangeiros melhores condições para fabricar
de forma barata?", diz.
O
resultado é devastador. "O Estado financia a manutenção de uma economia
atrasada."
Apesar
de tudo, a Clean Clothes Campaign não exige um boicote às empresas envolvidas.
"Os trabalhadores continuam nos dizendo que precisam desses empregos. Eles
deveriam ser pagos adequadamente, e as condições de trabalho deveriam ser
ajustadas para atender aos padrões da União Europeia", defende Musiolek.
DW – Deutsche-Welle
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