quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Duas ideologias e os fracassos de Porto Rico e da Venezuela

Paulo Diniz

A crise na Venezuela, desastre humanitário que agora se aproxima de um desfecho militar, teve origem no descontrole dos gastos públicos durante o período de alta nos preços do petróleo e foi agravada pela desordenada expansão do Estado para controlar a economia. Esse receituário, que resulta da adoção pelo regime venezuelano de ideais alegadamente socialistas, foi o mesmo roteiro que levou à ruína países europeus que praticaram o chamado “socialismo real” até o final dos anos 1980. Essa tradicional cartilha socialista, preocupada em distribuir riqueza, falhava por não ensinar como produzi-la.

Mesmo que nem todo movimento de controle estatal da economia traga uma carga ideológica, é exatamente por esse viés que a crise venezuelana tem sido colocada em evidência. O colapso do regime bolivariano tem sido apresentado como uma vitrine do futuro que esperava o Brasil caso prosseguissem os governos petistas. Entretanto, vale lembrar que há mais de um caminho para se chegar ao fundo do poço, e a ilha caribenha de Porto Rico tem potencial para se tornar uma versão capitalista da tragédia venezuelana.

Sendo oficialmente um “Estado associado” aos Estados Unidos, Porto Rico preservou para si atributos de um país independente, ao mesmo tempo em que manteve laços íntimos com a nação ianque: por exemplo, os porto-riquenhos são cidadãos norte-americanos, utilizam o dólar como moeda e não possuem forças armadas. O curioso estatuto legal desse país foi considerado por seus habitantes, durante décadas, uma vantagem estratégica em relação aos países vizinhos e aos próprios Estados que compõem os EUA. Dessa forma, fazendo uso da peculiaridade legal de Porto Rico, foram concedidos benefícios fiscais para a atração de indústrias a partir da década de 70, isenções de impostos para quem comprasse títulos da dívida porto-riquenha dos anos 90 em diante, e na década seguinte foram aprovadas novas exceções de impostos com o objetivo de transformar a ilha no novo endereço dos ricos e famosos dos EUA.

Todas essas medidas de estímulo à economia buscavam potencializar o efeito de forças já existentes no mercado. Por exemplo, os compradores de títulos da dívida porto-riquenha tinham a garantia, na Constituição desse país, de que receberiam seu pagamento mesmo que o governo não conseguisse custear serviços básicos à população. Assim, a incerteza do investidor era um problema maior do que o bem-estar do povo para o governo da ilha.

Voluntariamente submetida às demandas do capitalismo liberal, hoje Porto Rico possui uma dívida de US$ 78 bilhões, tem baixa capacidade de arrecadação de impostos e enfrenta constante perda de indústrias para países asiáticos. Por não se tratar de um Estado norte-americano, a ilha não pode decretar falência e pedir apoio federal e, por isso, tem fechado escolas e hospitais para reunir recursos e custear suas dívidas.

Os chamados “fundos abutres”, que lucram a partir da cobrança judicial de títulos de nações falidas, já controlam cerca de 30% dos papéis porto-riquenhos e arrastam o futuro da ilha para os tribunais dos EUA. Enquanto isso, dezenas de milhares de pessoas deixam o país a cada ano, incluindo uma média de um médico por dia, e 45% da população vive abaixo da linha de pobreza.

Assim, vê-se que não existe ideologia capaz de salvar os países de suas próprias condutas equivocadas: Venezuela e Porto Rico se equivalem no descaso de seus governos com o povo.

Jornal O Tempo

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