Miguel Nagib
Decisão de Carmen Lúcia de vetar a “mordaça
prévia” no Enem
O
Antagonista conversou com Miguel Nagib, criador do movimento Escola Sem
Partido, sobre a decisão de Cármen Lúcia de vetar o que ela chamou de “mordaça
prévia” no Enem.
Na
primeira parte da conversa, Nagib resumiu as etapas da ação que levou ao veto
da presidente da STF:
“Tentamos
barrar essa regra [que determinava a aplicação de nota zero ao
candidato que desrespeitasse na redação os alegados ‘direitos humanos’] no
Enem do ano passado, mas não conseguimos. Acabou que ficou prejudicada a ação
nessa parte. Mas havia uma parte do pedido que também se referia às futuras
edições do Enem. Então insistimos na liminar, em relação ao Enem de 2017.
Mesmo
antes da publicação do edital, havíamos pedido que o Inep fosse intimado a se
abster de repetir essa regra. Mas saiu o edital deste ano com a mesma regra, de
modo que pedimos novamente a liminar para suspendê-la, tendo em vista a
violação ao direito constitucional da livre manifestação do pensamento.
Perdemos
em primeira instância. Agravamos. Foi uma batalha no TRF com vários recursos
– agravo, embargos de declaração etc. –, até que o relator resolveu
colocar em pauta para julgamento no final de outubro. No dia 25, ele colocou em
julgamento e ganhamos de 2 a 1.
Então o
Inep entrou com esse pedido de suspensão no STF. E nós tivemos a sorte de ele
ter caído com a Cármen Lúcia, que é uma juíza comprometida com liberdade de
expressão. Aquele voto dela no caso das biografias [não autorizadas] foi neste
sentido: o de preservar o direito à livre manifestação do pensamento.
E ela
foi na mesma linha [agora]. Foi muito bacana. Eu acho que é um marco mesmo na
história do respeito à liberdade de expressão no Judiciário.”
Na
segunda parte da conversa de Miguel Nagib com O Antagonista sobre a decisão
de Cármen Lúcia de vetar a “mordaça prévia” no Enem, o criador do movimento
Escola Sem Partido falou sobre o conceito de direitos humanos:
“O
edital não exige nem dos candidatos nem dos corretores conhecimento algum sobre
a legislação relativa aos direitos humanos. O que são ‘direitos humanos’ para o
efeito do Enem? O que o candidato tem de respeitar para não levar zero na
redação? Essa é a grande pergunta.
Então eu
fiz um levantamento em sites de dicas de Enem dadas por especialistas,
professores de redação e de português. E o que eles dizem é muito
significativo: ‘cuidado para não parecer preconceituoso, intolerante,
incivilizado’, ‘as opiniões racistas podem prejudicar’. Uma série de conselhos
que nada têm a ver com direitos humanos, têm a ver é com o politicamente
correto.
E eles
dizem com todas as letras: ‘olha, você sabe que o Enem exige o politicamente
correto.’ E o que é isso? ‘Tudo que pareça generoso e solidário é politicamente
correto.’ Veja o tipo de orientação que é passada para milhões de brasileiros.
No
fundo, é o cabresto do politicamente correto que está sendo colocado [para
fazer prova]: nesse ano são mais de 6 milhões de inscritos no Enem, que ficam
com uma espada balançando na cabeça. Se o sujeito tivesse a má sorte de
manifestar uma opinião que vá de encontro à noção de politicamente correto do
corretor, ele podia – agora não pode mais – tirar zero na prova.
Não há
espaço para nuances. Na verdade, eles traçam uma linha justa à qual ou o
estudante se adapta, ou ele tira zero. É realmente uma ameaça grave feita ao
estudante, que está pretendendo uma vaga numa instituição de ensino superior.”
Na
terceira e última parte da conversa de Miguel Nagib com O Antagonista
sobre a decisão
de Cármen Lúcia de vetar a “mordaça prévia” no Enem, o criador do movimento
Escola Sem Partido deu exemplos de como a livre manifestação do pensamento
ficava prejudicava com a regra da nota zero para quem desrespeitasse os
alegados “direitos humanos”.
“Há um
artigo na Constituição que diz assim: ‘Ninguém será privado de direitos por
motivos de crença religiosa ou convicção política ou filosófica.’ Então quer
ver um exemplo? O direito à vida está previsto em tratados internacionais sobre
direitos humanos, inclusive desde a concepção [como o Pacto de San José da
Costa Rica]. Eu pergunto: será que um candidato que defendesse o aborto numa
redação do Enem tiraria zero? Duvido! O candidato que defendesse a
descriminalização do aborto jamais teria a sua prova zerada. No entanto, ele
está desrespeitando os direitos humanos [se julgarmos pelos tratados].
Na
verdade, quando o Enem se afasta da legislação dos direitos humanos e passa a
exigir do candidato o respeito ao politicamente correto, está transformando a
prova de redação num gigantesco filtro ideológico de acesso ao ensino superior.
Se pelo menos fosse o respeito aos direitos humanos, ainda assim seria
contrário à livre manifestação do pensamento, mas pelo menos haveria um
critério objetivo. Nós defendemos que o indivíduo tem todo o direito de
discordar.
Quer ver
um exemplo? O direito à propriedade privada está previsto na Declaração
Universal dos Direitos do Homem, de 1948. Quer dizer então que um candidato
comunista não pode defender a abolição da propriedade privada? Nós entendemos
que pode, numa redação.
Até
porque se fala muito em discurso de ódio, que agora o ‘STF permitiu discurso de
ódio em redação’, mas só se poderia falar em discurso de ódio se as redações se
destinassem à publicação em veículos de comunicação de massa. Mas não é o caso.
Quem vai ler a redação são no máximo uma, duas, três pessoas, que são os
corretores das provas. Então essa preocupação é completamente descabida.
O que
deveria importar é a avaliação do português, da capacidade de expressão, Até
porque a Constituição estabelece que o acesso aos níveis superiores de ensino
se dará segundo a capacidade de cada um – e não segundo a opinião de cada um.
Está no artigo 208, inciso quinto.
E
capacidade remete precisamente ao domínio da língua, da expressão etc., e não
obviamente ao fato de o candidato ter essa ou aquela opinião sobre um tema
controvertido, sobretudo porque o Enem ainda tem a cara-de-pau de escolher
temas que são polêmicos: violência contra a mulher, imigração, publicidade infantil,
intolerância religiosa – uma série de temas que colocam o candidato numa
situação difícil do ponto de vista de manifestar sua opinião.
Quer
dizer: ele vai ficar com medo de manifestar uma opinião que possa ser
considerada politicamente incorreta pelos corretores.”
O Antagonista
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