Gil Castello Branco
Após a
votação da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj),
lembrei-me de uma das composições do Skank: "Indignação". Diz o
refrão: "Eu fiquei indignado, ele ficou indignado, a massa indignada, duro
de tão indignado. A nossa indignação é uma mosca sem asas, não ultrapassa as
janelas de nossas casas".
De fato,
pouca gente estava nas cercanias da Alerj e ninguém nas galerias, a não ser uns
puxa-sacos do bando. Até a oficial de Justiça que tentou entregar um mandado
para que o circo fosse público foi barrada. Em 17 minutos, 39 deputados
restituíram o mandato de três colegas presos acusados por corrupção. Em
momentos assim, as vítimas são a Justiça, a democracia e a nossa esperança de
viver em um país mais digno. Como dizia o educador Paulo Freire, "num país
como o Brasil, manter a esperança viva é em si um ato revolucionário".
A
população - tal como um lutador de boxe nocauteado após muito apanhar - ficou
indiferente à votação, até porque já previa o resultado. O Supremo Tribunal
Federal (STF) abriu a porta da impunidade aos políticos ao transferir para o
Legislativo a decisão sobre o afastamento do senador Aécio, em noite que
culminou com um voto atabalhoado da ministra Cármen Lúcia. Nessa brecha,
corruptos já voltaram à vida pública também no Rio Grande do Norte e em Mato
Grosso. Caberá à Suprema Corte deixar claro se todo o Legislativo poderá
cometer crimes e ficar impune ou se essa é uma prerrogativa exclusiva dos
parlamentares federais. Por enquanto, pelo mesmo ralo onde passa um corrupto federal,
passam quadrilhas estaduais. O esgoto é o mesmo.
A
Lava-Jato mostrou que a corrupção brasileira não é apenas episódica, do tipo
que existe em todos os países e é combatida com transparência, controle social
e educação de qualidade. No país há várias quadrilhas estruturadas - que
precisam ser extirpadas - compostas por políticos, agentes públicos e
empresários, tendo como alvo negócios bilionários do Estado, sejam contratos,
subsídios, isenções fiscais, concessões, financiamentos, autorizações tarifárias
e tudo o mais que possa gerar propina.
No Rio
de Janeiro, porém, o roubo foi potencializado a partir do momento em que
políticos com interesses comuns passaram a ter domínio sobre o estado, a
prefeitura, a Alerj e, inclusive, o Tribunal de Contas. Assim, ficaram reunidos
sob o mesmo comando quem legisla, contrata, executa, paga e fiscaliza, um
verdadeiro paraíso para os corruptos. Daí a importância de se alterar as
legislações que permitem o vaivém de políticos entre o Legislativo e o
Executivo, bem como a composição dos tribunais de contas de forma a impedir a
politização.
Mas tal
como aconteceu com a operação Mãos Limpas, ocorrida na Itália, a Lava-Jato está
ameaçada desde quando as investigações atingiram as oligarquias políticas.
Assim,
no Congresso está em curso a CPI da JBS, que tem como alvo principal o
Ministério Público. Na Câmara, tramita o projeto de abuso de autoridade, que
tenta constranger promotores e juízes. Outras propostas alteram a Lei da Ficha
Limpa e impedem a delação de presos.
No STF,
a qualquer momento pode ser rediscutida a prisão a partir da condenação em
segunda instância e já existem objeções para homologação das delações
premiadas. O foro privilegiado continua a ser um passaporte para a impunidade.
No
Executivo, as designações da Procuradora-Geral da República e do diretor-geral
da Polícia Federal geraram receios por terem contado com o apoio ou a indicação
de investigados. Ambos manifestaram preocupação com os "vazamentos",
enquanto a sociedade está preocupada é com maior publicidade. Em se tratando de
homens públicos, é essencial termos conhecimento do inteiro teor das
denúncias/delações, dos argumentos de defesa, da tramitação das ações e dos
julgamentos. Desde que a transparência não prejudique o aprofundamento das
apurações, não há razão para sigilo.
Em
alguns meses saberemos se as instituições estão realmente funcionando e atuando
em defesa do Estado, ou se os brasileiros estão fadados a permanecerem
comandados por uma corja de políticos sem escrúpulos que governa, legisla e
indica ministros para tribunais superiores para que sirvam aos seus interesses.
Voltando
ao Skank, precisamos ir além das moscas sem asas. Fazer com que a nossa
indignação ultrapasse as janelas das nossas casas e chegue às ruas e às urnas.
Tal como dizia Santo Agostinho, a esperança tem duas filhas lindas, a
indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como
estão; a coragem, a mudá-las.
Contas Abertas
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