Claudia Safatle
Folha de salários é o gasto do
orçamento que mais cresce
Da
despesa total da União, 81,7% são gastos constitucionais e 9,6% constam de leis
ordinárias. Ou seja, 91,3% da despesa orçamentária é obrigatória, o que torna o
Brasil o campeão da rigidez orçamentária se comparado aos demais países do
continente.
Subtraindo
as transferências constitucionais a Estados e municípios, os demais gastos
consagrados pela Carta de 1988 consomem 66,1% do orçamento. Os principais são a
Previdência Social e a folha de salários do funcionalismo público, que
respondem por 52%, equivalentes a R$ 792 bilhões segundo a execução
orçamentária do ano passado.
Os 48%
(R$ 221 bilhões) restantes estão distribuídos principalmente em saúde e
educação, abono salarial e seguro desemprego, complementação ao Fundeb
(educação básica), precatórios e custeio e investimentos do Legislativo,
Judiciário e Ministério Público. Esses dados constam de um trabalho feito por
Leonardo Ribeiro, analista do Senado e especialista em contas públicas.
A
reforma da Previdência, como já se sabe, é necessária mas insuficiente para
resolver a grave crise fiscal do país. Há uma outra reforma imperativa ainda
não tratada pelo governo. Ela se refere à folha de salários do funcionalismo,
que cresceu 10,7% em valores reais no primeiro semestre deste ano sobre igual
período do ano passado.
O
governo começou a ensaiar ações nessa área ao editar medida provisória, nesta
semana, adiando para 2019 os reajustes salariais previstos para 2018 e
aumentando de 11% para 14% a contribuição previdenciária dos servidores.
Há,
porém, uma infinidade de possibilidades a serem atacadas, a começar do respeito
ao teto de remuneração do setor público. Se há uma lei que define como teto o
salário do ministro do Supremo Tribunal Federal (cerca de R$ 33 mil), não faz o
menor sentido um juiz receber remuneração de até R$ 200 mil por mês entre
salários e vantagens, como há casos em alguns Estados da Federação.
No
orçamento executado do ano passado, os números são eloquentes. Para uma receita
total de R$ 1,36 trilhão, a despesa foi de R$ 1,53 trilhão, resultando em um
déficit de 165,28 bilhões. Os gastos obrigatórios somaram R$ 1,39 trilhão,
sendo, portanto, maiores do que a receita. Excluídos R$ 238 bilhões de
transferências a Estados e municípios (fundos de participação, fundos
constitucionais, contribuição do salário educação, dentre outros), os gastos
determinados pela Constituição totalizaram R$ 1,013 trilhão.
As
despesas obrigatórias patrocinadas por lei ordinária somaram R$ 146,64 bilhões
(Bolsa Família, benefícios de prestação continuada, subsídios).
Os
gastos de livre alocação representaram apenas 8,7% do total (R$ 134 bilhões em
2016). Em tese, esse foi o universo onde o governo pode encontrar recursos para
destinar ao atendimento das prioridades do país. Mas mesmo nesse quinhão há pagamentos
obrigatórios.
Outro
levantamento feito por Leonardo Ribeiro mostra que o Brasil é líder em rigidez
orçamentária se comparado aos seus pares na América do Sul. A título de
exemplo, as despesas obrigatórias no Chile e no Uruguai estão no intervalo de
zero a 20% do orçamento. Na Colômbia, esse intervalo é de 60% a 80%. Ele
estendeu o mesmo exercício ao México e aos Estados Unidos - 40% a 60% e 60% a
70%, respectivamente. No Brasil o gasto mandatório se situa no intervalo
superior, de 80% a 100% do orçamento.
Há um
outro ítem que não consta das despesas públicas mas que merece uma reavaliação
acurada. É o "gasto tributário", uma renúncia de receitas por
concessão de incentivos e benefícios fiscais. Essa é uma conta de R$ 283,4
bilhões, segundo os anexos do orçamento para 2018, cifra que supera o déficit
primário de R$ 159 bilhões fixado para o próximo ano. Aí estão os benefícios
concedidos à Zona Franca de Manaus, ao Simples e a entidades sem fins
lucrativos, dentre vários outros.
Para
conter a folha de salários há muito a fazer além do respeito ao teto. Algumas
sugestão são elencadas em um texto dos economistas José Roberto Afonso e
Leonardo Ribeiro, tais como: restabelecer a possibilidade de contratação de
celetistas e de redução temporária da jornada de trabalho com correspondente
redução de salários. Em ambos, há decisão contrária do Supremo Tribunal Federal
(STF) que teria que ser revista. Sugerem, ainda, a extinção das vinculações
remuneratórias do setor público. Por tais paridades, o reajuste do salário de
um ministro do STF implica na correção imediata dos salários de juízes e
desembargadores estaduais.
Tramita
no Senado, onde foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça, projeto de
lei que permite a demissão de servidores por "insuficiência de
desempenho".
Outro
projeto de lei complementar, de autoria do senador José Serra (PSDB-SP), propõe
o plano de revisão periódica de gastos, para que os governos possam redefinir
prioridades e perseguir ganhos de eficiência. Uma despesa não deve constar do
orçamento deste ano apenas pelo fato de estar no do ano passado.
Serra
argumenta que essa prática ("spending reviews") disseminou-se por
países da OCDE após a crise global de 2008/2009. No Reino Unido, o plano durou
de 2010 a 2014 e gerou uma economia de 81 bilhões de libras, cita o senador na
justificação do projeto. Os gastos tributários são candidatos a passar por essa
revisão.
Curioso
notar que essas são boas iniciativas do mesmo Congresso que concluiu, após a
realização de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que não existe
déficit na Previdência Social.
O Brasil
ainda está distante de uma situação fiscal responsável e sustentável. A dívida
bruta de 74% do PIB é das mais altas do mundo, a maior entre os emergentes e
sua trajetória é crescente. O déficit primário não pode ser uma prática
duradoura. O engessamento do orçamento só dificulta colocar as contas públicas
nos trilhos e abrir espaços para novos investimentos. A aprovação do teto para
o gasto foi apenas um balizador para a extensa tarefa que há pela frente, que
começa mas não termina com a reforma da Previdência.
Valor Econômico
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