Humberto Saccomandi
A
desigualdade pode resultar na separação maior entre pessoas
O mundo
pode estar se tornando mais parecido com o Brasil. Mas isso possivelmente não
deixará os brasileiros muito orgulhosos, pois tem a ver com o que o país tem de
pior: a desigualdade, a tensão social, a violência, o populismo político e os
muros. Sim, os muros.
Apesar
de não fazer associação com o Brasil, o americano Ian Bremmer, fundador da
consultoria Eurasia, avalia que o aumento da desigualdade nos países ricos
continuará sem uma resposta eficaz dos governos, o que elevará a tensão social,
a violência e reforçará processos de exclusão e construção de muros, reais ou
virtuais. É o Brasil.
"Nós
certamente veremos nos próximos dez anos muito mais separação entre as
pessoas", disse Bremmer em evento em outubro na Fundação Fernando Henrique
Cardoso, em São Paulo.
Para
ele, a desigualdade social crescente é um dos grandes problemas da atualidade,
resultado de vários fenômenos, principalmente da globalização e do uso de novas
tecnologias.
Estudo
divulgado neste mês pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico (OCDE, que reúne principalmente países ricos), reforça essa
percepção. O "How is Life?" (como está a vida?) busca medir a
sensação de bem-estar das pessoas nos 35 países da OCDE e em outros 6,
incluindo o Brasil. A conclusão é que, apesar de alguns aspectos terem
melhorado, "muitas pessoas estão privadas dos benefícios positivos da
modesta recuperação" da economia.
Assim,
por exemplo, apesar de a renda média ter crescido 7% desde 2005, a insegurança
em relação ao trabalho subiu um terço. O estudo, diz a OCDE, mostra como
"profundas linhas divisórias" cortam as sociedades. A nossa
prosperidade e as nossas possibilidades na vida são fortemente determinadas por
fatores como onde nascemos, educação, idade, sexo e renda familiar. Homens com
baixa escolaridade, por exemplo, vivem oito anos a menos do que a média da
população.
O estudo
"fornece mais evidências de que as feridas [da crise econômica] ainda não
cicatrizaram. Muitas pessoas sentem que os ganhos gerados pela abertura e a
globalização não estão chegando a elas e que seus governos estão falhando em
responder a suas necessidades", disse o secretário-geral da OCDE, Miguel
Angel Gurría.
"Cidadãos
estão se levantando e dizendo a seus governos: 'Achamos isso inaceitável. Nós não
achamos que nossos líderes políticos são legítimos. Nós não confiamos nas
instituições, na mídia, nos intelectuais, nos CEOs, nos banqueiros'",
disse Bremmer. "Isso é essencialmente um retrocesso do globalismo, das
fronteiras livres, do comércio livre. Tudo isso faz com que as classes média e
trabalhadora, particularmente no mundo desenvolvido, pensem: 'E nós? Vocês
estão ganhando muito dinheiro, mas e nós?'"
A
globalização e a tecnologia criam vencedores e perdedores. Se esse fosso não
for contido por políticas adequadas, como a capacitação para empregos do
futuro, ele cria tensões e insatisfação. Esse sentimento foi fundamental para a
eleição de Donald Trump nos EUA, a aprovação do Brexit no Reino Unido e o
avanço de partidos populistas e/ou extremistas.
"O
desafio urgente para as autoridades é achar modos de se engajar eficazmente com
todos os cidadãos e trabalhar para melhorar o bem-estar e buscar recuperar a
confiança deles. Precisamos garantir que o crescimento e o desenvolvimento
sejam realmente inclusivos e se traduzam em vidas melhores, sem deixar ninguém
para trás", disse Gurría, da OCDE.
Para
Bremmer, porém, a resposta dos principais governos tem sido e continuará sendo
insuficiente. "Isso vai claramente ficar maior, porque os governos não vão
responder com eficácia e por causa da tecnologia." Ele vê motivos para
otimismo, como a reação de algumas grandes empresas, que vêm buscando criar
modelos de capacitação de mão de obra, mas esse processo levará tempo.
Bremmer
traça três reações básicas: 1. ignorar a desigualdade e sucumbir a revoluções e
violência; 2. responder a isso de maneira correta, gastando mais e elevando
impostos, se necessário, melhorando a infraestrutura, treinando as pessoas; 3.
criar mais diferenciação, segregando, física e virtualmente, pessoas que são um
problema.
"Nos
próximos dez anos, veremos todas essas reações acontecerem. E é meio óbvio onde
vamos vê-las", diz. Para ele, um grupo de países mal administrados, com
elevada pobreza, vai sucumbir, e cita Síria e Iêmen. Alguns lugares farão a
coisa certa e servirão de exemplo, mas não serão os principais países. Para os
demais, haverá um longo período de transição.
"Há
pessoas respondendo à desigualdade social. Mas, o que acontece até lá? A
desigualdade estrutural é vista como uma situação crônica, não como uma
emergência, que precisa ser resolvida senão vai lhe causar problemas
logo", diz Bremmer. Nesses lugares "a tecnologia vai nos ajudar a
construir muros melhores".
Ele
lembrou o caso do Japão, que realizou eleições em outubro e foi um dos poucos
países não afetados pela onda populista. Por quê? "Não há populismo no
Japão pois não há imigrantes e a população está diminuindo. Isso é
estabilidade." Ou seja, o Japão se beneficiou por ser um país naturalmente
murado pelo mar.
E cita
ainda o exemplo de Israel, "o melhor lugar do Oriente Médio", mas que
mitigou o seu problema com os palestinos "com segurança de fronteira e
vigilância cibernética". "Com certeza esses muros vão crescer."
O exemplo
mais óbvio disso é o muro proposto por Trump para barrar a imigração na
fronteira com o México. Há muitos outros, menos evidentes, como o aumento das
barreiras ao comércio; e o crescimento das medidas de controle da internet,
como a "Great Firewall", o poderoso mecanismo que controla acesso e
conteúdo da internet na China e que tem seu nome associado, não à toa, à grande
muralha chinesa. As redes sociais são um muro eficaz contra o pensamento
divergente. Shoppings, segurança privada, condomínios fechados, tudo isso são
muros que separam nós (seja quem formos) deles (aqueles a quem vemos como uma
ameaça).
Esse é o
mundo um pouco orwelliano, um pouco brasileiro, que Bremmer antevê. E compara a
desigualdade ao aquecimento global. Haverá uma solução. "O problema é que
entre hoje e o futuro, teremos esse intervalo terrível, cheio de dor, danos
econômicos e degradação humana, pois os governos não fizeram o que deveriam ter
feito."
Valor
Econômico
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