domingo, 26 de novembro de 2017

Diante da desigualdade, a sociedade dos muros

Humberto Saccomandi

A desigualdade pode resultar na separação maior entre pessoas

O mundo pode estar se tornando mais parecido com o Brasil. Mas isso possivelmente não deixará os brasileiros muito orgulhosos, pois tem a ver com o que o país tem de pior: a desigualdade, a tensão social, a violência, o populismo político e os muros. Sim, os muros.

Apesar de não fazer associação com o Brasil, o americano Ian Bremmer, fundador da consultoria Eurasia, avalia que o aumento da desigualdade nos países ricos continuará sem uma resposta eficaz dos governos, o que elevará a tensão social, a violência e reforçará processos de exclusão e construção de muros, reais ou virtuais. É o Brasil.

"Nós certamente veremos nos próximos dez anos muito mais separação entre as pessoas", disse Bremmer em evento em outubro na Fundação Fernando Henrique Cardoso, em São Paulo.

Para ele, a desigualdade social crescente é um dos grandes problemas da atualidade, resultado de vários fenômenos, principalmente da globalização e do uso de novas tecnologias.

Estudo divulgado neste mês pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE, que reúne principalmente países ricos), reforça essa percepção. O "How is Life?" (como está a vida?) busca medir a sensação de bem-estar das pessoas nos 35 países da OCDE e em outros 6, incluindo o Brasil. A conclusão é que, apesar de alguns aspectos terem melhorado, "muitas pessoas estão privadas dos benefícios positivos da modesta recuperação" da economia.

Assim, por exemplo, apesar de a renda média ter crescido 7% desde 2005, a insegurança em relação ao trabalho subiu um terço. O estudo, diz a OCDE, mostra como "profundas linhas divisórias" cortam as sociedades. A nossa prosperidade e as nossas possibilidades na vida são fortemente determinadas por fatores como onde nascemos, educação, idade, sexo e renda familiar. Homens com baixa escolaridade, por exemplo, vivem oito anos a menos do que a média da população.

O estudo "fornece mais evidências de que as feridas [da crise econômica] ainda não cicatrizaram. Muitas pessoas sentem que os ganhos gerados pela abertura e a globalização não estão chegando a elas e que seus governos estão falhando em responder a suas necessidades", disse o secretário-geral da OCDE, Miguel Angel Gurría.

"Cidadãos estão se levantando e dizendo a seus governos: 'Achamos isso inaceitável. Nós não achamos que nossos líderes políticos são legítimos. Nós não confiamos nas instituições, na mídia, nos intelectuais, nos CEOs, nos banqueiros'", disse Bremmer. "Isso é essencialmente um retrocesso do globalismo, das fronteiras livres, do comércio livre. Tudo isso faz com que as classes média e trabalhadora, particularmente no mundo desenvolvido, pensem: 'E nós? Vocês estão ganhando muito dinheiro, mas e nós?'"

A globalização e a tecnologia criam vencedores e perdedores. Se esse fosso não for contido por políticas adequadas, como a capacitação para empregos do futuro, ele cria tensões e insatisfação. Esse sentimento foi fundamental para a eleição de Donald Trump nos EUA, a aprovação do Brexit no Reino Unido e o avanço de partidos populistas e/ou extremistas.

"O desafio urgente para as autoridades é achar modos de se engajar eficazmente com todos os cidadãos e trabalhar para melhorar o bem-estar e buscar recuperar a confiança deles. Precisamos garantir que o crescimento e o desenvolvimento sejam realmente inclusivos e se traduzam em vidas melhores, sem deixar ninguém para trás", disse Gurría, da OCDE.

Para Bremmer, porém, a resposta dos principais governos tem sido e continuará sendo insuficiente. "Isso vai claramente ficar maior, porque os governos não vão responder com eficácia e por causa da tecnologia." Ele vê motivos para otimismo, como a reação de algumas grandes empresas, que vêm buscando criar modelos de capacitação de mão de obra, mas esse processo levará tempo.

Bremmer traça três reações básicas: 1. ignorar a desigualdade e sucumbir a revoluções e violência; 2. responder a isso de maneira correta, gastando mais e elevando impostos, se necessário, melhorando a infraestrutura, treinando as pessoas; 3. criar mais diferenciação, segregando, física e virtualmente, pessoas que são um problema.

"Nos próximos dez anos, veremos todas essas reações acontecerem. E é meio óbvio onde vamos vê-las", diz. Para ele, um grupo de países mal administrados, com elevada pobreza, vai sucumbir, e cita Síria e Iêmen. Alguns lugares farão a coisa certa e servirão de exemplo, mas não serão os principais países. Para os demais, haverá um longo período de transição.

"Há pessoas respondendo à desigualdade social. Mas, o que acontece até lá? A desigualdade estrutural é vista como uma situação crônica, não como uma emergência, que precisa ser resolvida senão vai lhe causar problemas logo", diz Bremmer. Nesses lugares "a tecnologia vai nos ajudar a construir muros melhores".

Ele lembrou o caso do Japão, que realizou eleições em outubro e foi um dos poucos países não afetados pela onda populista. Por quê? "Não há populismo no Japão pois não há imigrantes e a população está diminuindo. Isso é estabilidade." Ou seja, o Japão se beneficiou por ser um país naturalmente murado pelo mar.

E cita ainda o exemplo de Israel, "o melhor lugar do Oriente Médio", mas que mitigou o seu problema com os palestinos "com segurança de fronteira e vigilância cibernética". "Com certeza esses muros vão crescer."

O exemplo mais óbvio disso é o muro proposto por Trump para barrar a imigração na fronteira com o México. Há muitos outros, menos evidentes, como o aumento das barreiras ao comércio; e o crescimento das medidas de controle da internet, como a "Great Firewall", o poderoso mecanismo que controla acesso e conteúdo da internet na China e que tem seu nome associado, não à toa, à grande muralha chinesa. As redes sociais são um muro eficaz contra o pensamento divergente. Shoppings, segurança privada, condomínios fechados, tudo isso são muros que separam nós (seja quem formos) deles (aqueles a quem vemos como uma ameaça).

Esse é o mundo um pouco orwelliano, um pouco brasileiro, que Bremmer antevê. E compara a desigualdade ao aquecimento global. Haverá uma solução. "O problema é que entre hoje e o futuro, teremos esse intervalo terrível, cheio de dor, danos econômicos e degradação humana, pois os governos não fizeram o que deveriam ter feito."

Valor Econômico


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