Adriana Fernandes
O Brasil não pode conviver com
déficits sucessivos por muito mais tempo
A
deterioração das contas públicas chegou num patamar tão grave que o governo
pode ser forçado a enfrentar uma situação muito parecida com a de um
trabalhador que vai ao banco para pedir empréstimo com o propósito de pagar
suas contas de água, luz, supermercado, cartão de crédito e outros itens das
suas despesas diárias mais básicas.
Não
precisa ser economista para perceber que essa situação é insustentável e que
alguma providência tem que ser tomada para reverter rapidamente essa bola de
neve.
Esse é
mais o menos o retrato do que está acontecendo com as contas públicas. O que
pouca gente sabe é que os parlamentares que redigiram a Constituição em vigor
incluíram um dispositivo muito simples para impedir que isso aconteça - o que
poderia piorar ainda mais o quadro fiscal do País.
Por
isso, essa regra foi chamada “de ouro”. Ela não pode deixar - em hipótese
alguma - de ser cumprida, sob o risco de o governo ter que parar de pagar as
suas despesas, o que levaria de fato à paralisação da máquina administrativa,
numa situação limite que é mais conhecida como “shutdown”. Ela segue o que
outros países do mundo já fazem.
O
Tesouro não pode se endividar para bancar despesas de custeio do governo (como
gastos com pessoal e Previdência). Isso só é permitido para o refinanciamento
da própria dívida ou para despesas de investimento.
Do
contrário, as autoridades do governo poderão ser responsabilizadas e,
inclusive, o presidente da República ser afastado do cargo. A regra funciona
como um dique a barrar desequilíbrios das contas públicas. Os dois outros
diques fiscais são as metas fiscais e o teto de gastos - o limitador de
crescimento das despesas criado no ano passado.
Embora
técnico e complexo, a regra de ouro será “o” assunto mais comentado dos
próximos anos na área fiscal e muito provavelmente cairá no colo do próximo
presidente em 2019. Vai se popularizar porque de alguma forma pode afetar a
prestação de serviços e o pagamento de salários e benefícios, caso o problema
não seja resolvido.
O risco
de descumprimento entrou no radar com os rombos sucessivos nas contas do
governo e deve ficar pairando como um fantasma pelo menos até 2021, quando se
espera que os déficits comecem a ser revertidos.
Em 2017
e 2018, o governo tenta solucionar o problema com a devolução antecipada de
empréstimos feitos pelo Tesouro Nacional ao BNDES - uma queda de braço entre o
banco e a equipe econômica que cresce e pode fazer vítimas, se o presidente da
instituição financeira, Paulo Rabello de Castro, insistir em bater de frente
com o Ministério da Fazenda.
Mas e
depois de 2018, quando não houver mais dinheiro do BNDES para ajudar? O caminho
será aumentar as receitas - sejam tributárias ou obtidas com a venda de ativos
com as privatizações - além, é claro, de fazer as reformas para reduzir as
despesas obrigatórias, como de pessoal e de Previdência.
Um
caminho mais fácil e que precisa ser evitado de qualquer jeito é o Congresso
alterar a Constituição, permitindo uma espécie de prazo temporário em que a
regra pode ser descumprida - numa solução à lá jeitinho brasileiro. Já se fala
no Congresso nessa hipótese, na tentativa de minimizar o problema, sem levar em
conta que o próprio enfrentamento do risco de descumprimento já é prova de que
a regra (o dique) está funcionando para conter o agravamento da crise. Ou seja,
o Brasil não pode continuar convivendo com déficits sucessivos por muito mais
tempo. Não é muito difícil perceber as razões.
FMI. A
pedido do governo brasileiro, o FMI fez uma avaliação da situação das contas
públicas diante do novo regime fiscal com a criação do teto do gasto. A
principal recomendação é que o Brasil precisa melhorar a sua comunicação fiscal
para um período mais longo, além das previsões de três anos à frente que são
incluídas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Na prática, explica o
coordenador de riscos fiscais do Tesouro, Daniel Borges, é mostrar o que vai
acontecer com as contas publicas com previsões com prazo de cinco anos ou mais.
Isso levaria, por exemplo, o governo a ter que estimar com mais precisão o
impacto de concessões feitas agora, como aumentos de salários e até mesmo
perdão de dívidas. Um constrangimento e tanto que pode ajudar.
O Estado de S.Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário