Samuel Pessôa
Um tema
recorrente no debate público brasileiro e na academia é a relação entre
desenvolvimento econômico e especialização produtiva. Ou seja, um país é rico
em função do que produz ou outros fatores são causa tanto do crescimento
econômico como da especialização produtiva?
Recentemente
meu colega José Luis Oreiro, professor da UnB (UNiversidade de Brasília),
circulou um gráfico que indicava elevada correlação –por volta de 40%– entre
renda per capita e sofisticação da produção.
Nota-se
que a Austrália é um caso à parte: apesar de ser uma economia com baixa
complexidade produtiva –segundo a base de dados do gráfico de Oreiro–,
apresenta elevada renda per capita.
Será que
Austrália é "a exceção que confirma a regra"? Nunca entendi essa
expressão. Do ponto de vista lógico, se há uma única exceção, não há regra a
ser confirmada.
O que há
é confusão entre causalidade e correlação. Temos o famoso caso do biscoito
Tostines: fresquinho porque vende muito ou vende muito porque é fresquinho?
O
pensamento econômico latino-americano considera que a correlação observada –que
está longe de ser tão elevada assim– entre complexidade produtiva e renda per
capita significa causa.
Ou seja,
políticas para subsidiar investimentos em setores complexos e que, portanto,
alterem a especialização produtiva da economia produziriam crescimento.
Programas
com a Lei de Informática na década de 1980, o programa de renovação da
indústria naval e o programa Inovar-Auto, que subsidia uma indústria nascente
há mais de 60 anos, têm como pressuposto essa lógica.
Todos
são um rotundo fracasso.
É
estranho que as mesmas pessoas que observam causa na correlação entre
"complexidade produtiva" e renda per capita nunca enfatizam a
correlação entre o desempenho do sistema público de educação dado pelo Pisa
(Programa Internacional de Avaliação de Alunos), por exemplo, e o crescimento
futuro das economias.
É
razoável supor que um sistema de educação de elevada qualidade seja capaz de
causar ambos: crescimento econômico e complexidade produtiva. Fato esse que
será ainda mais verdadeiro se o país não for muito dotado em recursos naturais
–pois, se assim for dotado, como é o caso australiano, haverá outras
oportunidades de desenvolvimento econômico.
Adicionalmente,
esse fato deve ser ainda mais verdadeiro se o país, além de ter um excelente
sistema público de educação e de ser pobre em recursos naturais, possuir um
setor público que gaste pouco com seguridade social –sendo, portanto, um país
em que a carga tributária é baixa e a poupança das famílias é muito elevada.
Se o
leitor lembrou do caso asiático (Japão, Coreia, Taiwan e China) não foi mera
coincidência. Muita educação de qualidade –reduzindo o custo do trabalho
qualificado– e muita poupança –o que reduz o custo do capital– estão na origem
da complexidade produtiva.
Evidentemente,
falar de escola e de poupança não é muito charmoso. Mais fácil ficar discutindo
longamente sobre complexidade tecnológica e como temos que nos defender da
exploração dos países centrais, ou qualquer outra bobagem conspiratória desse
tipo.
O maior
complexo de vira-lata é achar que o subdesenvolvimento não é responsabilidade
nossa, mas sim fruto de algum mecanismo perverso de exploração das nações
ricas.
Folha de São Paulo
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