Fernão Lara Mesquita
“Na crise, de volta ao básico”. É
preciso lembrar todos os dias que não existe alternativa à fórmula dos tres
poderes independentes respaldados na vontade popular expressa pelo voto
universal convivendo harmonicamente. Fora daí regride-se ao monarca absoluto. A
História não registra outra hipótese.
A
“narrativa”, no momento, é a dos poderes Legislativo e Executivo desmoralizados
pela corrupção encurralados por um Poder Judiciário impoluto batalhando pela
reforma dos costumes daqueles perdidos. Mas ela não para um minuto em pé. O
sistema inteiro está cevado na corrupção e no privilégio, o Judiciário
inclusive e principalmente, só que a blindagem "inata" desse poder
contra investigações externas e pressões diretas do eleitorado mantem suas
próprias mazelas fora das manchetes e essa é a conjunção de fatores que o
"elege" como o protagonista ideal dos golpes contra a democracia que
assistimos neste continente. O país real, paralisado pelo medo de que as
ambições à solta façam tudo degringolar irreversivelmente, sabe que essa briga
não é a sua e por isso mantém-se fora dela.
A
discussão da questão "técnica" supostamente envolvida – o STF deveria
ou não ser só uma corte constitucional? – também é ociosa. Na matriz que
inventou esse sistema a constituição, com 230 anos, tem 7 artigos e 27 emendas
estabelecendo os direitos de todos e os limites precisos das prerrogativas do
governo. A nossa, com apenas 29 anos, tem por enquanto 250 artigos e 96
emendas, a maioria definindo exceções aos direitos de todos e os privilégios
dos titulares do governo e seus servidores e apaniguados. A consequência
resumida disso é que gasta-se 11% da metade do PIB arrecadada em impostos por
ano com funcionários da ativa e outros quase 58% (!!) com funcionários
aposentados pela simples e escandalosa razão de que outorgar o “direito”
de ganhar sem trabalhar é a moeda com que se compra poder neste país. Por isso
o funcionalismo – e por cima dele a casta dos “marajás” de ate R$ 500 mil por
mês constituída por membros do Judiciário e do Ministério Público – tem
aposentadorias precoces, o que faz com que o numero de inativos se multiplique
na velocidade dos avanços da medicina, e com proventos médios entre 6 vezes (os
do Executivo) e 23 vezes (os do Judiciário e Ministério Público) maiores que os
dos brasileiros comuns.
Esse é o problema real!
Todas as
distorções das nossas instituições, assim como toda a corrupção que está aí,
giram em torno desse poder de distribuir e "legalizar" mais e mais
formas de apropriação ilícita do dinheiro público. Só que como a esmagadora
maioria dos protagonistas da discussão do resultado disso – promotores, juizes,
políticos, “especialistas” (professores das universidades públicas,
ex-ministros do STF, etc.), além de boa parte dos jornalistas – são, eles
próprios ou seus pais, filhos e conjuges, os clientes desses privilégios, todos
hesitam em ser suficientemente claros a esse respeito. É isso, mais o que se
“aprende” nas nossas escolas, que mantém o país na desorientação em que está.
As
delações premiadas foram boas para destravar os ventos da mudança. Mas logo “o
sistema” aprendeu a usa-las para desviar a atenção da evidência maior de que o
texto da Constituição e a instrumentalização da lei, muito mais que as
violações delas, é que estão matando o país ao legalizar e automatizar parcelas
crescentes do assalto sistemático à riqueza da nação.
Ha mais
de 100 anos as democracias entenderam que na vida real manda quem tem o poder
de demitir. O direito de eleger (ou de contratar) desassociado do poder de
deseleger (ou demitir) a qualquer momento só conduz à corrupção galopante dos
representantes (e dos servidores públicos), como já ficara provado mil anos
antes na experiência romana. Por isso elas incorporaram a solução suiça de, num
ambiente de estrito respeito ao principio federalista, dividir o eleitorado em
distritos, amarrar todas as ações de governo da vida comunitária aos municipios
e dar aos eleitores, em cada um deles, plenos poderes para fazer e desfazer
suas próprias leis, chancelar as do Legislativo mediante referendos e retomar a
qualquer momento os mandatos de seus representantes. Essa combinação – plenos
poderes para o eleitor mas com um alcance “geográfico” restrito – mudou tudo.
Resultou num remédio contra a corrupção tão potente que deixou ricos todos quantos
o adotaram sem aumentar a instabilidade da nação.
A perna
que falta para que o Brasil se reequilibre é ligar o fio terra da nossa
democracia na unica fonte que pode legitima-la. Essa briga destrutiva entre
poderes, para tudo quanto diz respeito ao país real, não terá vencedores.
Na
receita de Montesquieu o Judiciário não faz nem modifica leis, só executa as
que o Legislativo eleito pelo povo escreve. A questão objetiva, portanto, é
como mudar o que está aí sem destruir as instituições para as quais a alternativa
é a opressão. Se quiser reformar-se dentro da e para
a democracia, o Brasil terá de criar caminhos para fazê-lo dentro
do e através do Legislativo. Tornar ilegais comportamentos que
ja foram legais é o caminho, desde que se tenha em vista um futuro ao qual
todos possam aderir na negociação de um projeto de salvação nacional. Fazer
leis retroativas é amarrar o país a um passado que não pode ser mudado apenas
para encurralar adversários na disputa pelo direito de nos explorar.
A chance
de ressurreição da democracia brasileira depende do Legislativo retomar a
iniciativa. E isso só pode se dar cooptando o povo para uma batalha decisiva
por um futuro sem privilégios. Para essa briga, entretanto - Temer é a prova -
não ha meio termo. É tudo ou nada. Ou se desnuda de uma vez por todas essa
esfinge de araque no meio da praça pública, ou ela continuará jantando os
trouxas dentro e fora do “sistema”.
VESPEIRO
Nenhum comentário:
Postar um comentário