Fernanda Trisotto
A Caixa
precisa de ajuda do governo para não descumprir regras internacionais de
proteção a crises. O problema não é o atual momento, mas o curto prazo de dois
anos em que essas regras serão endurecidas
Desde o
ano passado circulam rumores de que a Caixa Econômica Federal precisaria de
ajuda da União para se capitalizar. Se em 2016, a postura do banco foi a de
negar as informações, neste ano a conversa é diferente.
Em
entrevista ao “Wall Street Journal”, o presidente da Caixa, Gilberto Occhi,
admitiu que o banco precisa vender ativos – abrir o capital da Caixa Seguridade
e privatizar a Lotex, por exemplo – e cortar dividendos para evitar um pedido
de socorro no ano que vem. Caso contrário, o banco vai mesmo precisar de um
aporte do Tesouro.
Entre as alternativas em análise estão ajudas vindas do BNDES e até do FGTS. Tudo isso em meio aos boatos de que o banco todo pode ser
privatizado e os escândalos de corrupção em que ex-dirigentes se meteram.
Mas, afinal, por que a Caixa precisa
de ajuda?
A
resposta mais direta é que o banco precisa se adequar às regras internacionais
de proteção de crises, que ficarão mais restritivas a partir de 2019, quando
entra em vigor o Acordo de Basileia 3.
Atualmente,
a Caixa cumpre os indicadores para bancos do seu porte, mas está no limite. Em
junho de 2017, último dado disponível, o índice de Basileia da Caixa era de
14,41%. Para janeiro de 2019, o banco precisa estar na faixa de 10,5% a 13%
para cumprir o indicador. As regras mais rígidas vão atingir o chamado capital
de nível 1 – que é o mais robusto, formado por ações e lucros retidos do
capital principal e por instrumentos híbridos do capital complementar.
Atualmente, esse indicador da Caixa é de 8,97% e deverá ficar numa faixa entre
7% e 9,5% quando Basileia 3 entrar em vigor.
A parte
complexa da resposta é como chegar a esse patamar. Outros bancos, de mesmo
porte da Caixa, apresentam uma situação melhor, o que garante um fôlego para
chegar a 2019 dentro dos novos parâmetros.
Luis
Miguel Santacreu, analista de instituições financeiras na agência de
classificação de risco Austin Rating, observa que, enquanto outros bancos já
vinham há anos adotando medidas preventivas, sabendo que o calendário iria
cobrar a presença de um capital adequado, a Caixa estava em outro movimento.
“Enquanto
os outros bancos estavam já acumulando reservas, mantendo uma redução da
atividade de crédito por conta da crise e, portanto, ampliando a folga do
capital mínimo, a Caixa estava em um movimento de crescimento de carteira,
trabalhando com uma alavancagem muito mais intensa que os outros bancos”,
pondera.
Essa situação é agravada
pelos malabarismos fiscais do governo de Dilma Rousseff, com a capitalização de
bancos públicos, a manutenção de recursos em conta corrente desses bancos, artifícios
fiscais e contábeis ao mesmo tempo em que havia um crescimento forte da
carteira de crédito.
“Embora
o calendário de Basileia 3 seja 2019, a Caixa não usou dessa folga de anos que
os outros bancos tiveram e não adotou nenhuma medida preventiva. Como o
cronograma exige um aumento do capital puro, e considerando que a Caixa é uma
entidade que implica em risco soberano, pelo seu tamanho e peso no sistema
bancário brasileiro, essas adequações são necessárias”, explica.
De olho no capital puro
A chave
do negócio é o capital de nível 1 e onde está o principal problema da Caixa,
como explica Marcelo Botelho, professor de Contabilidade Financeira da FEA, da
USP de Ribeirão Preto. “A Caixa distribuiu lucros nos últimos anos no intuito
do governo federal atender à meta fiscal. Dessa forma, a Caixa não é capaz de
gerar lucros em sua atividade normal nesses dois anos a fim de atender o mínimo
do capital de nível 1 sem a realização de operações específicas, como venda de
ativos”, explica.
Ele
alerta ainda que esse tipo de operação de negociação de ativos precisa gerar um
lucro considerável para atender às normas de Basileia 3. “A venda de carteiras
de crédito realizadas normalmente para obtenção de maior liquidez não atende a
esse propósito, especialmente no atual momento em que os níveis de
inadimplência estão mais altos e não há grande disposição de outras
instituições adquirirem esse tipo de carteira em condições favoráveis para a
Caixa”, analisa.
Botelho
vislumbra três cenários possíveis para a capitalização do banco: aumento de
capital com injeção de recursos pelo governo ou investidores privados (num
movimento de privatização, ainda que parcial); incremento do lucro com a venda
de algum título ou a emissão de títulos híbridos, como títulos de dívidas sem
vencimento chamados de bônus perpétuos. Entre essas opções, apenas a primeira
não prejudicaria a rentabilidade futura da Caixa. A venda de bônus perpétuos
também aumentaria a despesa do banco com os juros dessa dívida.
O fundo da corrupção
A
solução aventada pelo próprio governo, que é de passar a gestão do fundo de
investimento em infraestrutura do FGTS (FI-FGTS) para o BNDES, resolve a
situação no curto prazo e não causaria grandes impactos ao governo federal, já
que tanto Caixa quanto BNDES repassam seus lucros ao Tesouro Federal. “Mas isso
prejudica a lucratividade da própria Caixa, uma vez que a receita gerada pela
administração do FGTS é a principal fonte de receita da Caixa, representando
21,6% de suas receitas em 2016”, pondera Botelho.
O
FI-FGTS, por exemplo, esteve no olho do furacão em denúncias da Lava Jato,
sobre o mau uso do fundo público, sobretudo nas delações de Lúcio Funaro, que
narrou como Eduardo Cunha (PMDB-RJ) comandava um esquema que usava o loteamento
de diretorias do banco para pagar favores políticos, com desvio de recursos e
corrupção.
E privatizar a Caixa?
Capitalizar
o banco também pode ser feito via privatização – se não total, parcial. Uma
possibilidade levantada por Santacreu, da Austin Rating, é a venda de algumas
empresas, como as loterias. “São medidas que ajudariam a melhorar o nível de
capitalização da Caixa e poderiam ter sido feitas lá atrás, mas o ambiente
político não era favorável”, avalia.
Mas uma
privatização mais ampla não pode ser descartada. “Umas dessas alternativas
sempre colocada, mas não factível no governo Dilma, era a abertura de capital
da Caixa. Pelo seu tamanho, é totalmente viável um aumento de capital do banco
via abertura de capital”, pondera Santacreu, que ainda lembra que o momento na
Bolsa é favorável para medidas deste tipo. Ele cita como exemplos o Banrisul,
banco controlado pelo governo do Rio Grande do Sul, que discute a possibilidade
de venda de parte do controle, e o próprio Banco do Brasil, que é um banco
público de economia mista.
Para
ele, a privatização implicaria mudança no comportamento do banco em relação à
população e ao mercado financeiro. E seria um desafio fazer isso com um governo
que está se defendendo. Mas o acordo de Basileia é para todos. “A Caixa vai ter
que tomar uma decisão. Ou ela fica desenquadrada, sem capital mínimo, tendo que
parar de dar crédito e reduzir sua atividade na economia; ou ela vai para uma
melhor governança e abre o capital, e tem uma mudança cultural interna muito
favorável”, aponta.
Botelho,
da USP, concorda. Para ele, a sinalização do governo de que pretende melhorar
os mecanismos de governança é positiva e tende a melhorar a lucratividade do
banco a longo prazo, mas não a tempo de atender Basileia 3. “A melhor
alternativa para a Caixa e para o mercado brasileiro seria a transformação da
Caixa em economia mista e a venda de ações na bolsa de valores, com uma
estrutura de governança corporativa clara e que limite as interferências
políticas na gestão, criando as bases para redução do seu controle acionário.
Mas isso irá depender da vontade política do governo”, argumenta.
Gazeta do Povo
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