Mark W. Frazier
Sistema de pensões e aposentadorias
no país ainda é muito fraco se comparado com outras nações
Os
americanos que vivem reclamando da onda de aposentadorias dos baby boomers
deveriam refletir sobre o seguinte: desde 2009, quando a China colocou em
prática um programa nacional de aposentadoria rural, o governo prometeu que
cerca de 325 milhões de chineses receberiam o benefício: isso é mais que a
população inteira dos Estados Unidos.
A
mudança é gigantesca. Quando o programa estava começando, um aldeão chinês me
disse: "Sessenta anos depois da liberação e nós finalmente poderemos nos
aposentar!".
Ele
chamava atenção para o fato de que o Partido Comunista Chinês, que
"liberou" os agricultores por meio da reforma agrária nos anos 1950,
está finalmente fornecendo uma garantia de renda para pessoas em idade de se
aposentar. A maior parte das pessoas que vivem em regiões urbanas podia se
aposentar desde 1951, mas aposentadorias rurais só foram criadas mais tarde;
como em todos os países em desenvolvimento, famílias rurais viviam da terra e
eram apoiadas pelos parentes.
Mas a
rápida urbanização e a grilagem de terras colocou em risco a segurança dos
chineses idosos que vivem em áreas rurais. Mais de 185 milhões de chineses têm
mais de 60 anos de idade e esse número irá dobrar até 2030. Um estudo recente
estima que, ao longo dos próximos 20 anos, o governo irá acumular 10,9 trilhões
de dólares em passivos previdenciários.
No fim
dos anos 1990 e no início da década passada, dezenas de milhares de pessoas
protestaram contra a falta de pagamento de aposentadorias. A insegurança
previdenciária pode se tornar um problema ainda maior que a corrupção e a
prevaricação. Portanto, não impressiona que o órgão de propaganda do governo
chinês tenha instruído os meios de comunicação a não
"sensacionalizarem" o relatório anual semioficial sobre as
aposentadorias do país, publicado em dezembro do ano passado.
Os
gastos previdenciários têm crescido rapidamente na China, mas continuam abaixo
dos três por cento do produto interno bruto – muito menos que os índices de
sociedades de bem-estar social mais maduras. (Nos Estados Unidos, a previdência
representa cerca de 4,9 por cento do PIB.)
O
problema da China também interessa aos Estados Unidos. A implementação de
programas de aposentadorias e outros benefícios forçará a China a fazer uma
escolha entre gastos sociais e gastos com a segurança nacional e o exército.
Decisores políticos preocupados com o aumento do investimento chinês nas forças
armadas também deveriam prestar atenção aos gastos sociais do governo.
Contudo,
os obstáculos a uma reforma previdenciária são mais políticos que fiscais.
Para
começar, na China não existe uma agência previdenciária centralizada como a
Secretaria de Seguridade Nacional dos Estados Unidos. Ao invés disso, a rede de
segurança para os idosos chineses se assemelha ao que os americanos possuíam
antes do New Deal: uma colcha de retalhos de programas estaduais com regras
desiguais e poucas provisões para pessoas que cruzam as fronteiras estaduais
para trabalhar ou se aposentar. Na China, cerca de 2.500 governos municipais e
regionais operam fundos de pensão, não apenas para funcionários públicos, mas
para todos os trabalhadores, incluindo migrantes temporários.
Além
disso, as dívidas públicas dos governos locais se tornam cada vez maiores. Após
intensos protestos realizados por aposentados que não foram pagos, os governos
locais começaram a "emprestar" dinheiro dos fundos de garantia
criados para trabalhadores individuais e que deveriam ser protegidos. Um
relatório publicado em dezembro calculava que as contas esvaziadas valeriam 2,2
trilhões de iuanes, ou cerca de 353 bilhões de dólares.
É
verdade que a China possui um Fundo Nacional de Segurança Social, considerado
por muitos como o maior fundo soberano do mundo. Contudo, ele ainda é pequeno
quando comparado com o PIB, pois não paga aposentados, nem recebe fundos dos
trabalhadores atuais. Os cerca de 140 bilhões de dólares investidos no fundo
não são capazes de cobrir a dívida previdenciária dos governos locais.
Portanto,
a centralização não seria capaz de preencher as contas vazias, mas poderia ao
menos criar um mecanismo que pagasse benefícios a partir do faturamento atual.
Isso evitaria que as autoridades locais fizessem o mesmo que seus colegas em
outros países: criar níveis de benefícios insustentáveis, favorecendo grupos
politicamente bem conectados e gerindo mal o dinheiro por meio de investimentos
de risco.
Um
terceiro obstáculo às reformas vem de cidades ricas e de poderosas empresas
estatais. Cidades como Xangai e Shenzhen insistem em operar os próprios fundos
de pensão. Foi necessário um grande escândalo em 2006 para levar as autoridades
de Xangai a acompanharem de perto o longo desrespeito às regras que proíbem o
investimento dos fundos de aposentadoria em ações e classes de ativos
arriscadas, como o setor imobiliário. Empresas estatais resistiram à pressão
para converter parte de suas ações e lucros em ativos de fundos de pensão,
afirmando que os lucros e dividendos pertencem aos acionistas. Um
contra-argumento – apresentado recentemente e à força por Dai Xianglong, chefe
do Fundo Nacional de Segurança Social – é o de que, uma vez que o governo é um
dos acionistas desses fundos, as empresas estatais teriam a obrigação de ajudar
a financiar as aposentadorias.
Paradoxalmente,
o maior obstáculo talvez seja criado pelos próprios chineses que, como os
americanos, se opõem fortemente ao aumento da idade mínima para que os
aposentados tenham direito ao benefício integral.
Autoridades
chinesas argumentam que a aposentadoria prematura ajudaria a abrir espaço para
profissionais mais jovens, mas a atual idade mínima para a aposentadoria – 55
anos para mulheres (50 para operárias) e 60 para homens – aumenta o fardo
gerado por fatores demográficos. A política de apenas um filho por família faz
com que uma parcela cada vez menor de trabalhadores pague os impostos que
financiam as aposentadorias e o sistema de saúde, levando os chineses a terem
medo de "ficarem velhos antes de enriquecer". Pequim poderia fazer um
acordo: aumentar a idade mínima para aposentadoria e acabar com a política de
um filho.
Uma
constante fonte de desigualdade na China são fatores geográficos: os locais de
nascimento, de vida e de trabalho determinam o nível e até mesmo a existência
da aposentadoria. Reduzir as diferenças entre regiões urbanas e rurais –
conforme anunciado este mês pela China – é essencial, assim como livrar os
idosos da pobreza.
A China
tem os meios para fazer reformas ousadas que dão conta dessa obrigação social
básica. Mas será que tem a vontade necessária?
R7 - Mark W. Frazier
Professor
de política na New School e autor do livro "Socialist Insecurity: Pensions
and the Politics of Uneven Development in China".
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