sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Espanha vive dia de incerteza entre rumores de iminente independência da Catalunha

T.Bedinelli

Puigdemont, presidente da Catalunha, faria pronunciamento nesta quinta, mas desistiu
Membros do Executivo regional se inclinavam para que ele declarasse a independência

A notícia, logo cedo, era de que o presidente da Catalunha, Carles Puigdemont, declararia nesta quinta-feira a independência da comunidade autônoma. Mas, poucas horas depois, fontes do Governo já diziam extra-oficialmente que ele renunciaria e convocaria novas eleições, como pedia há semanas o presidente do Governo central, Mariano Rajoy. Uma coletiva de imprensa foi chamada para 13h30 (9h30 do Brasil). Depois, adiada por uma hora para, ao final, ser cancelada. Finalmente, às 17h, ele compareceu publicamente para, finalmente, fazer sua declaração oficial: descartou, ao contrário das ultimas expectativas, convocar eleições. "Não há nenhuma garantia que justifique hoje a convocação de eleições", disse. Uma confusão que retrata como o movimento independentista está dividido.

Tudo começou com uma entrevista dada na quarta-feira pelo vice-presidente daGeneralitat (Governo autônomo da Catalunha), Oriol Junqueras, à agência de notícias norte-americana AP, em que ele afirmava que o Governo espanhol “não deixou outra opção” aos catalães senão declarar a independência. A fala ocorreu menos de 48 horas antes de o Senado da Espanha votar – e seguramente aprovar –as medidas de intervenção na Catalunha previstas no artigo 155 da Constituição. Tratava-se de uma declaração de intenções que chega num momento em quePuigdemont se empenhava em manter a unidade do setor independentista, que vive seu momento mais crítico. As costuras do bloco soberanista passaram dias em máxima tensão e terminaram por arrebentar.

Puigdemont, assim como seu vice, se inclinava até então por declarar a independência durante uma sessão parlamentar desta quinta, descartando eleições antecipadas como quer o Governo central espanhol, apesar das dúvidas de alguns de seus conselheiros. Sua posição, depois, passou a ser anunciada como oposta, segundo as fontes ouvidas pelo EL PAÍS.

Junqueras disse à Associated Press (AP) que os soberanistas trabalharão “para construir a República”. “Entendemos que há um mandato democrático para instaurá-la”, disse em referência ao resultado do referendo de 1º. de outubro, cosiderado ilegal pelo Tribunal Constitucional espanhol. A entrevista foi feita num dia em que o independentismo viveu uma montanha-russa: Puigdemont convocou seu gabinete para uma reunião às 13h30 (9h30) no Palau de la Generalitat, junto com parlamentares da coalizão independentista Juntos pelo Sim, representantes de municípios separatistas e o ex-presidente catalão Artur Mas. Ao mesmo tempo, 1.200 pessoas (segundo estimativa da Guarda Urbana) se reuniam na praça de Sant Jaume, em frente à sede do Governo regional, para rejeitar a eventual convocação de eleições. Na manhã desta quinta, manifestantes também estiveram no local para chamar o presidente da Catalunha de "traidor", após circularem notícias de que ele não declararia a independência.

O longo conclave do Palau, que durou sete horas, terminou sem conclusões definitivas. Nenhum participante da reunião da quarta quis fazer declarações públicas ao deixar a sede do Governo regional. O conselheiro (secretário) Santi Vila, cujo chefe de imprensa negou pela segunda vez em três dias que ele tivesse pedido demissão, limitou-se a dizer que a reunião “foi boa, como sempre”. Marta Pascal, coordenadora do Partido Democrático Europeu da Catalunha (PDECat, de Puigdemont) disse entender “que não podemos dizer nada”.

Paralelamente, a coalizão Juntos pelo Sim (formada pelos partidos PDECat e Esquerda Republicana da Catalunha) antecipou uma reunião interna de três horas na qual confirmou sua preferência por revogar a suspensão da declaração de independência, sem realizar novas eleições. Muitos deputados desse bloco consideram que a decisão do Governo espanhol de aplicar o artigo 155 é irrevogável, a despeito do que fizerem os catalães. Mas alguns integrantes do PDECat discordam da não convocação de eleições. Seus aliados da ERC e membros do partido de esquerda Candidatura da Unidade Popular (CUP), por sua vez, se inclinam abertamente por formalizar a independência, informa Àngels Piñol. Caso chegue a haver uma votação, é possível que ocorra uma articulação entre as várias propostas de resolução na pauta da sessão plenária.

A coesão entre os partidos e entidades separatistas começou a se romper há duas semanas, depois da declaração e imediata suspensão da independência feita por Puigdemont no Parlament, argumentando que era conveniente deixar espaço a uma mediação internacional. A CUP e as organizações civis Assembleia Nacional Catalã e Òmnium aceitaram a hibernação do mandato do referendo e deram um voto de confiança ao president, mas não sem mostrar suas dúvidas. Quim Arrufat, porta-voz da CUP, admitiu que a confiança ficou “abalada” depois que, na última hora, alterou-se o acordo sobre a declaração da secessão, à revelia do partido anticapitalista.

A integridade da coalizão soberanista tornou-se ainda mais frágil quando foi colocada sobre a mesa uma possível antecipação eleitoral, como resposta à intervenção de Madri para obrigar a Generalitat a voltar à legalidade. O plano da mediação rendeu frutos muito escassos ou nulos – basicamente apenas críticas ao Executivo espanhol pela violência policial durante a votação de 1º. de outubro. Até então, as diferenças dentro do Govern podiam ser toleradas, mas tudo mudou na noite de terça-feira, quando Puigdemont sinalizou que se inclinava por formalizar a independência.

As divergências entre partidários e contrários a essa medida unilateral se acentuaram. As fronteiras entre os partidos estão se apagando, e dirigentes tanto do PDECat como da ERC aconselham a Puigdemont que descarte essa declaração. Acreditam que só assim será possível pelo menos minimizar o impacto do artigo 155. Essa fórmula permitiria, além disso, atrair o partido Em Comum, da prefeita de Barcelona, Ada Colau, ou mesmo o Partido dos Socialistas da Catalunha, ativamente contrário à independência, cumprindo assim outro dos mandatos que o PDECat conferiu ao president na última reunião do conselho nacional da agremiação: defender as instituições catalãs.

No fundo, também aparece certo pragmatismo. Não é que os independentistas do Govern tenham deixado de sê-lo; eles apenas consideram contraproducente uma declaração unilateral se esta não puder ter efeitos imediatos – a Generalitat não está tecnicamente preparada para a independência – e, além disso, colocar seus autores nas mãos da Justiça. Entre os republicanos, existe também um debate sobre a possibilidade real de exercer a soberania nas atuais circunstâncias. Uma ala recorda que nenhum ator internacional reconhecerá uma Catalunha independente como resultado de um referendo realizado sem garantias jurídicas.

Alguns acreditam que a convocação de eleições, combinada com uma declaração de independência simbólica, mas sem efeitos jurídicos, permitiria encontrar uma saída. Essa fórmula era defendida pelo conselheiro de Empresas, Santi Vila, do PDECat, que rejeita essa declaração como única opção.

A posição desse conselheiro, que tradicionalmente defendeu um independentismo mais brando, mantinha o Govern à beira de uma grave crise no final da noite de quarta. Vila não se demitiu formalmente, mas sua renúncia era tida como certa nos gabinetes da Generalitat caso Puigdemont se decida por uma declaração unilateral de independência. Outros conselheiros que manifestaram reservas sobre essa via são da ERC. É o caso de Carles Mundó (Justiça), embora sua continuidade no Governo regional não estivesse sendo questionada na noite de quarta. “Meu compromisso com o Govern é inequívoco”, disse ele pelo Twitter.

“Não perderemos tempo”
A última coisa que Puigdemont poderia permitir agora é uma crise interna. As fissuras na coesão do Govern também foram um fator fundamental para que Puigdemont decidisse não comparecer nesta quinta ao Senado espanhol para se defender da aplicação do artigo 155 – enviará essa argumentação por escrito. A explicação da Generalitat, entretanto, foi outra. O próprio Puigdemont escreveu no Instagram: “Não perderemos tempo com aqueles que já decidiram arrasar o autogoverno da Catalunha. Seguimos. #CatalanRepublic”.

A CUP alertou na terça-feira que Puigdemont cogitava antecipar as eleições regionais, o que a formação anticapitalista considerou como uma “traição” aos catalães que votaram no referendo. Os chamados Comitês de Defesa do Referendo, apoiados, entre outros, pela CUP, convocaram uma concentração nesta quarta para pedir que se aborte a ideia de eleições regionais. A plataforma de agricultores Assembleia Camponesa declarou de maneira simbólica a independência em uma dezena de municípios, como Bellpuig e Sant Climent de Taüll.

A TERCEIRA VIA CATALÃ PEDE ELEIÇÕES
A organização Portas Abertas do Catalanismo, que defende uma terceira via entre o imobilismo do Partido Popular (que governa a Espanha) e a proclamação de independência, pede ao presidente catalão, Carles Puigdemont, que renuncie à declaração unilateral de independência (DUI) e convoque eleições regionais. Segundo a associação, essa seria uma forma de evitar a aplicação do artigo 155 da Constituição espanhola, “de consequências imprevisíveis para o autogoverno e para o estado das autonomias, e que poderia agravar ainda mais a fratura social, política e econômica que se dá na Catalunha”. A PAC faz um apelo a partidos políticos e entidades para que estabeleçam um diálogo, tentem “recuperar a normalidade” e trabalhem para melhorar o autogoverno.
O comunicado foi assinado por políticos ligados a partidos não independentistas e que atualmente não ocupam cargos públicos, e também por personalidades como Félix Riera, ex-diretor da Catalunya Ràdio, e o filólogo Joan Corominas, entre outros.

EL PAÍS

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