T.Bedinelli
Puigdemont, presidente da Catalunha,
faria pronunciamento nesta quinta, mas desistiu
Membros do Executivo regional se
inclinavam para que ele declarasse a independência
A
notícia, logo cedo, era de que o presidente da Catalunha, Carles
Puigdemont, declararia nesta quinta-feira a independência da comunidade
autônoma. Mas, poucas horas depois, fontes do Governo já diziam
extra-oficialmente que ele renunciaria e convocaria novas eleições, como pedia
há semanas o presidente do Governo central, Mariano Rajoy. Uma coletiva de
imprensa foi chamada para 13h30 (9h30 do Brasil). Depois, adiada por uma hora
para, ao final, ser cancelada. Finalmente, às 17h, ele compareceu publicamente
para, finalmente, fazer sua declaração oficial: descartou, ao contrário das
ultimas expectativas, convocar eleições. "Não há nenhuma garantia que
justifique hoje a convocação de eleições", disse. Uma confusão que retrata
como o movimento independentista está dividido.
Tudo
começou com uma entrevista dada na quarta-feira pelo vice-presidente daGeneralitat (Governo
autônomo da Catalunha), Oriol Junqueras, à agência de notícias norte-americana AP,
em que ele afirmava que o Governo espanhol “não deixou outra opção” aos
catalães senão declarar a independência. A fala ocorreu menos de 48 horas antes
de o Senado da Espanha votar – e seguramente aprovar –as medidas de intervenção
na Catalunha previstas no artigo 155 da Constituição. Tratava-se de uma declaração de
intenções que chega num momento em quePuigdemont se
empenhava em manter a unidade do setor independentista, que vive seu momento
mais crítico. As costuras do bloco soberanista passaram dias em máxima tensão e
terminaram por arrebentar.
Puigdemont,
assim como seu vice, se inclinava até então por declarar a independência
durante uma sessão parlamentar desta quinta, descartando eleições antecipadas
como quer o Governo central espanhol, apesar das dúvidas de alguns de seus
conselheiros. Sua posição, depois, passou a ser anunciada como oposta, segundo
as fontes ouvidas pelo EL PAÍS.
Junqueras
disse à Associated Press (AP) que os soberanistas trabalharão “para
construir a República”. “Entendemos que há um mandato democrático para
instaurá-la”, disse em referência ao resultado do referendo de 1º. de outubro, cosiderado ilegal pelo
Tribunal Constitucional espanhol. A entrevista foi feita num dia em que o
independentismo viveu uma montanha-russa: Puigdemont convocou seu gabinete para
uma reunião às 13h30 (9h30) no Palau de la Generalitat, junto com parlamentares
da coalizão independentista Juntos pelo Sim, representantes de municípios
separatistas e o ex-presidente catalão Artur Mas. Ao mesmo tempo, 1.200 pessoas
(segundo estimativa da Guarda Urbana) se reuniam na praça de Sant Jaume, em
frente à sede do Governo regional, para rejeitar a eventual convocação de
eleições. Na manhã desta quinta, manifestantes também estiveram no local para
chamar o presidente da Catalunha de "traidor", após circularem
notícias de que ele não declararia a independência.
O longo
conclave do Palau, que durou sete horas, terminou sem conclusões definitivas.
Nenhum participante da reunião da quarta quis fazer declarações públicas ao
deixar a sede do Governo regional. O conselheiro (secretário) Santi Vila, cujo
chefe de imprensa negou pela segunda vez em três dias que ele tivesse pedido
demissão, limitou-se a dizer que a reunião “foi boa, como sempre”. Marta
Pascal, coordenadora do Partido Democrático Europeu da Catalunha (PDECat, de
Puigdemont) disse entender “que não podemos dizer nada”.
Paralelamente,
a coalizão Juntos pelo Sim (formada pelos partidos PDECat e Esquerda
Republicana da Catalunha) antecipou uma reunião interna de três horas na qual
confirmou sua preferência por revogar a suspensão da declaração de
independência, sem realizar novas eleições. Muitos deputados desse bloco
consideram que a decisão do Governo espanhol de aplicar o artigo 155 é
irrevogável, a despeito do que fizerem os catalães. Mas alguns integrantes do
PDECat discordam da não convocação de eleições. Seus aliados da ERC e membros
do partido de esquerda Candidatura da Unidade Popular (CUP), por sua vez, se
inclinam abertamente por formalizar a independência, informa Àngels Piñol.
Caso chegue a haver uma votação, é possível que ocorra uma articulação entre as
várias propostas de resolução na pauta da sessão plenária.
A coesão
entre os partidos e entidades separatistas começou a se romper há duas semanas,
depois da declaração e imediata suspensão da independência feita
por Puigdemont no Parlament, argumentando que era conveniente deixar
espaço a uma mediação internacional. A CUP e as organizações civis Assembleia
Nacional Catalã e Òmnium aceitaram a hibernação do mandato do referendo e deram
um voto de confiança ao president, mas não sem mostrar suas dúvidas. Quim
Arrufat, porta-voz da CUP, admitiu que a confiança ficou “abalada” depois que,
na última hora, alterou-se o acordo sobre a declaração da secessão, à revelia
do partido anticapitalista.
A
integridade da coalizão soberanista tornou-se ainda mais frágil quando foi
colocada sobre a mesa uma possível antecipação eleitoral, como resposta à
intervenção de Madri para obrigar a Generalitat a voltar à legalidade. O plano
da mediação rendeu frutos muito escassos ou nulos – basicamente apenas críticas
ao Executivo espanhol pela violência policial durante a votação de 1º. de outubro. Até
então, as diferenças dentro do Govern podiam ser toleradas, mas tudo
mudou na noite de terça-feira, quando Puigdemont sinalizou que se inclinava por
formalizar a independência.
As
divergências entre partidários e contrários a essa medida unilateral se
acentuaram. As fronteiras entre os partidos estão se apagando, e dirigentes
tanto do PDECat como da ERC aconselham a Puigdemont que descarte essa
declaração. Acreditam que só assim será possível pelo menos minimizar o impacto
do artigo 155. Essa fórmula permitiria, além disso, atrair o partido Em Comum,
da prefeita de Barcelona, Ada
Colau, ou mesmo o Partido dos Socialistas da Catalunha, ativamente
contrário à independência, cumprindo assim outro dos mandatos que o PDECat
conferiu ao president na última reunião do conselho nacional da
agremiação: defender as instituições catalãs.
No
fundo, também aparece certo pragmatismo. Não é que os independentistas do Govern tenham
deixado de sê-lo; eles apenas consideram contraproducente uma declaração
unilateral se esta não puder ter efeitos imediatos – a Generalitat não está
tecnicamente preparada para a independência – e, além disso, colocar seus
autores nas mãos da Justiça. Entre os republicanos, existe também um debate
sobre a possibilidade real de exercer a soberania nas atuais circunstâncias.
Uma ala recorda que nenhum ator internacional reconhecerá uma Catalunha
independente como resultado de um referendo realizado sem garantias jurídicas.
Alguns
acreditam que a convocação de eleições, combinada com uma declaração de
independência simbólica, mas sem efeitos jurídicos, permitiria encontrar uma
saída. Essa fórmula era defendida pelo conselheiro de Empresas, Santi Vila, do
PDECat, que rejeita essa declaração como única opção.
A
posição desse conselheiro, que tradicionalmente defendeu um independentismo
mais brando, mantinha o Govern à beira de uma grave crise no final da
noite de quarta. Vila não se demitiu formalmente, mas sua renúncia era tida
como certa nos gabinetes da Generalitat caso Puigdemont se decida por uma
declaração unilateral de independência. Outros conselheiros que manifestaram
reservas sobre essa via são da ERC. É o caso de Carles Mundó (Justiça), embora
sua continuidade no Governo regional não estivesse sendo questionada na noite
de quarta. “Meu compromisso com o Govern é inequívoco”, disse ele
pelo Twitter.
“Não perderemos tempo”
A última
coisa que Puigdemont poderia permitir agora é uma crise interna. As fissuras na
coesão do Govern também foram um fator fundamental para que
Puigdemont decidisse não comparecer nesta quinta ao Senado espanhol para se
defender da aplicação do artigo 155 – enviará essa argumentação por escrito. A
explicação da Generalitat, entretanto, foi outra. O próprio Puigdemont
escreveu no Instagram: “Não perderemos tempo com aqueles que já decidiram
arrasar o autogoverno da Catalunha. Seguimos. #CatalanRepublic”.
A CUP
alertou na terça-feira que Puigdemont cogitava antecipar as eleições regionais,
o que a formação anticapitalista considerou como uma “traição” aos catalães que
votaram no referendo. Os chamados Comitês de Defesa do Referendo, apoiados,
entre outros, pela CUP, convocaram uma concentração nesta quarta para pedir que
se aborte a ideia de eleições regionais. A plataforma de agricultores
Assembleia Camponesa declarou de maneira simbólica a independência em uma
dezena de municípios, como Bellpuig e Sant Climent de Taüll.
A TERCEIRA VIA CATALÃ
PEDE ELEIÇÕES
A
organização Portas Abertas do Catalanismo, que defende uma terceira via entre o
imobilismo do Partido Popular (que governa a Espanha) e a proclamação de
independência, pede ao presidente catalão, Carles Puigdemont, que renuncie à
declaração unilateral de independência (DUI) e convoque eleições regionais.
Segundo a associação, essa seria uma forma de evitar a aplicação do artigo 155
da Constituição espanhola, “de consequências imprevisíveis para o autogoverno e
para o estado das autonomias, e que poderia agravar ainda mais a fratura
social, política e econômica que se dá na Catalunha”. A PAC faz um apelo a
partidos políticos e entidades para que estabeleçam um diálogo, tentem
“recuperar a normalidade” e trabalhem para melhorar o autogoverno.
O
comunicado foi assinado por políticos ligados a partidos não independentistas e
que atualmente não ocupam cargos públicos, e também por personalidades como
Félix Riera, ex-diretor da Catalunya Ràdio, e o filólogo Joan Corominas, entre
outros.
EL PAÍS
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