Ruy Fabiano
Há muito não se ouvia falar em “efervescência nos quartéis” - há precisamente 32 anos, desde o advento da assim chamada Nova República, em 1985. Mas ei-la que volta.
A fala
do general Hamilton Mourão, há uma semana, não deflagrou, apenas expôs uma
situação há muito instalada.
Militares
da reserva, entre os quais os generais Augusto Heleno e Paulo Chagas, de grande
prestígio no Alto Comando – e cujas falas refletem, com clareza, o que lá se
passa -, vêm difundindo pelas redes sociais o ambiente de indignação e
inconformismo do estamento militar.
Como
estão na reserva, não mereciam maiores atenções. Mas não falam
desarticuladamente. A solidariedade que manifestaram ao general Mourão expressa
o que pensa a alta oficialidade.
Os
militares jogam suas fichas na Lava Jato, mas identificam resistências em
alguns ministros do STF e do STJ, e em membros da Procuradoria Geral da
República, que, segundo avaliam, dificultam a erradicação da corrupção no meio
político. A esquerda – leia-se PT - teria ainda forte influência no conjunto
das instituições do Estado.
O
comandante do Exército, chefe do Alto Comando, general Eduardo Villas Boas, é
visto como moderado, de trato diplomático, alguém que não segue impulsos. Antes
de se manifestar, peneira as palavras para não deixar margem a dúvidas. Mas é
sensível (e leal) ao que se passa em sua retaguarda.
A
entrevista que deu ao jornalista Pedro Bial, segunda-feira, na TV Globo, sem
dela dar ciência ao ministro da Defesa, Raul Jungmann, o confirma. Nela, buscou
minimizar o impacto das palavras do general Mourão, sem, no entanto,
contestar-lhe o conteúdo: a lei e a ordem estariam de fato fragilizadas.
Nessas
condições, as Forças Armadas, “dentro da legalidade”, conhecem seu papel. Não
foi dito assim tão cruamente, mas o sentido está sendo assim interpretado.
Mourão não foi, nem será punido. Ele expressou um sentimento hoje dominante nos
quartéis. Puni-lo seria exacerbar ainda mais os ânimos.
O
ministro Jungmann pediu contas da conduta do general, que está na ativa,
integra o Alto Comando e teria transgredido o Regimento Disciplinar do
Exército.
A
resposta do general Villas Boas foi protocolar, reiterando fidelidade à
Constituição. Não mencionou qualquer punição ou advertência ao general Mourão.
Nem Jungmann voltou ao assunto.
Além do
quadro geral de desordem pública, incluindo a degradação do ensino e dos
costumes, sob a chancela do Estado, há o tratamento secundário que recebem do
ponto de vista orçamentário. O Orçamento da Defesa, de R$ 800 milhões – e que
se esgota neste mês de setembro -, é o mesmo concedido ao Fundo Partidário.
Isso
ocorre ao mesmo tempo em que as Forças Armadas são chamadas a intervir no Rio
de Janeiro, em operações delicadas, que as expõem, enfrentando sabotagem no
governo estadual, com forte presença do crime organizado. “No Rio, o crime
organizado capturou o Estado”, constatou o ministro Raul Jungmann.
Ao longo
das três décadas em que se recolheram aos quartéis, os militares absorveram em
silêncio uma narrativa adversa a respeito de seu papel nos 21 anos em que
governaram o país.
Sustentam
que continuam sendo difamados. Agiram em 64 sob o clamor da sociedade civil.
Seu primeiro presidente, Castello Branco, foi eleito pelo Congresso (como
mandava a Constituição de então), com o voto de lideranças como Ulysses
Guimarães, Juscelino Kubitschek e Franco Montoro.
O
advento da luta armada – “os mesmos que, com a anistia, estão hoje aí” – fez
com que o regime se prolongasse e recorresse, com moderação, a atos de exceção.
“Isso ninguém fala e os mais moços imaginam que o regime se instalou por mero
capricho autoritário”, diz um general.
Há uma
tendência de não mais aceitar a tal “narrativa ressentida dos derrotados”.
Querem agora responder a cada vez que venham a ser chamados de ditadores e
tiranos, como fez o general Paulo Chagas ao responder ao senador Randolphe
Rodrigues, que chamou o general Mourão de “maluco” e o Exército de chantagista.
“A
Comissão da Verdade listou, entre mortos e desaparecidos, 434 pessoas. Isso, em
21 anos, dá 20 pessoas por ano. Hoje, são assassinadas 70 mil pessoas por ano.
A Comissão da Verdade só se esqueceu de listar os mais de 150 mortos pela
esquerda, entre as quais cidadãos comuns (caixas de bancos, vigilantes,
recrutas) e gente dela mesma, em julgamentos sumários. Houve uma guerra que não
queríamos e não queremos – e eles perderam”, diz a mesma fonte.
Não está
agendada nenhuma intervenção. Mas há, “dentro da rotina militar”, planejamento
para qualquer eventualidade.
Os
militares acham que, se houvesse um general candidato à Presidência – citam
Paulo Chagas e Augusto Heleno -, não têm dúvida de que seria eleito. Veem Jair
Bolsonaro como alguém com limitações, sem o preparo intelectual e o perfil de
disciplina de Chagas e Heleno. Mesmo assim, pelo simples fato de evocar a
farda, vem ganhando crescente apoio, conforme as pesquisas.
Veem uma
disparidade entre o que sai na mídia mainstream e o que circula nas ruas e
redes sociais, onde a maioria clama por intervenção militar. Por alto, e em
síntese, é esse o sentimento que se alastra nos quartéis.
O Globo
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