segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Pablo Avelluto: “Mauricio Macri marca o final de uma era”

CARLOS E. CUÉ

Um dos ideólogos do discurso vigente na Casa Rosada vaticina o fim do peronismo e explica por que os mais pobres votam no Governo

Pablo Avelluto (Buenos Aires, 1966) não é apenas o ministro da Cultura da Argentina. Homem ligado aos livros, ex-diretor editorial da Random House, é uma das pessoas que, sob as ordens de Marcos Peña, o braço direito deMauricio Macri, constroem o discurso macrista, desenha as campanhas e dá forma a uma ideologia difusa que obteve uma inesperada vitória nas eleições legislativas deste mês, o que lhe permitirá a partir de agora dominar a Argentina com um poder enorme e uma oposição muito debilitada. Avelluto apresenta suas teorias para explicar por que tantos argentinos apoiaram o macrismo, apesar do agravamento da crise econômica no primeiro ano da atual presidência.

Pergunta. O que está acontecendo na Argentina?

Resposta. Acho que as mudanças ocorridas na sociedade neste século XXI estão finalmente chegando à política. Perderam-se medos, atenuaram-se preconceitos. Agora ganhou um Governo que propõe uma agenda de diálogo, há uma demanda pela despolarização.

P. Macri ganha porque os argentinos se cansaram de brigar?

R. Cansaram-se da frustração. Ninguém entende como um país com o potencial deste se saiu tão mal. [Os argentinos] se cansaram desse amor pelo fracasso, da decadência, que busca os culpados nos manuais de história em vez de definir o rumo possível para o desenvolvimento.

P. Durante a campanha, chegou-se a discutir em quem Perón teria votado.

R. Por isso a eleição é interessante. A sensação com que cheguei em casa naquela noite era de que o passado já passou. É como a Espanha dos anos 1980, quando os espanhóis sentiram que algo tinha ficado para trás. Agora precisamos discutir as reformas. Na Espanha temos os pactos de La Moncloa como grande referência, quando [Adolfo] Suárez e Felipe [González, líderes dos principais partidos espanhóis na época] entendem que a sociedade decidiu deixar o passado para trás.

P. Acabou o preconceito com Macri, um dos sobrenomes mais polêmicos da Argentina, por causa do seu pai empresário?

R. Claramente está diminuindo. É o Governo que mais investimento social já fez, já não é tão fácil percebê-lo como um Governo dos ricos. É muito difícil sustentar que Macri é uma ditadura, que encarna o neoliberalismo e atenta contra os mais pobres.

P. A economia foi muito mal em 2016. Por que vocês recebem votos de pessoas que estão passando muito mal desde que vocês chegaram?

R. Ficou claro que a economia não é o único vetor para explicar o voto. O que tem de fato um peso enorme é a visão de que os problemas podem ser resolvidos. Esse grito de “Sim, se pode” tem a ver com que, depois de 35 anos de democracia, algo único na Argentina, temos estes resultados: um em cada três cidadãos na pobreza. Essa gente que passa dificuldades e vota em nós está vendo que nós escutamos, que estamos resolvendo problemas. É aí que as enormes mudanças sociais que a Argentina experimentou – nas relações trabalhistas, entre pais e filhos, entre os sexos – está se transferindo para a política. Agora chega a geração da democracia argentina.

P. Macri foi subestimado?

R. Terem subestimado Macri jogou a favor. Quem se acreditava de posse do saber político não nos viu chegar. Não viu que essas grandes mobilizações na praça de Maio, o discurso de barricada, que tinham sido eficazes nos anos 1970 e 80, já não valem mais. Esses modos estão obsoletos, hoje a sociedade se vira com um celular para obter informação política. É como pensar no jornalismo gráfico do século XIX. Meus pais são a última geração que leu o mesmo jornal a vida toda.

P. Cristina Kirchner também monopolizou as redes nesta campanha.

R. Mas o fez de forma tardia, não era natural, e ao final da campanha voltou a ser como sempre: 50.000 pessoas em um estádio, mobilizadas com os recursos de alguns municípios. O problema do kirchnerismo, além da gestão ou da corrupção, é seu anacronismo. Para resolver perguntas contemporâneas usa manuais de 50 anos atrás.

P. A maior parte dos intelectuais continua contra Macri. Eles não influenciam?

R. As categorias políticas com as quais nossos intelectuais se formaram também estão obsoletas. Se eu quiser enquadrar Macri a esquerda ou à direita, não posso. No populismo ou no neoliberalismo, tampouco. O kirchnerismo atrasou a chegada da Argentina aos grandes debates do mundo. Não nos esqueçamos de que neste ministério havia uma secretaria para a coordenação estratégica do pensamento nacional. Nossos intelectuais se concentraram muito nessa visão de bons e maus, ancorada na década de setenta.

P. Apesar deste êxito eleitoral, vocês só têm 40%. Macri vive graças à divisão do peronismo? Se o outros 60% se unirem, acabou?

R. O peronismo é nossa grande superstição nacional. Já escutamos isso muitas vezes de que quando ele se juntar e voltar, acabou. Dizem que é um dinossauro adormecido que vai despertar. Não acredito que aconteça mais. Por isso pudemos ganhar em municípios onde os prefeitos estavam havia décadas em seu cargos. Macri marca o final de uma era.

P. É uma revolta da classe média que rompe com o peronismo?

R. É uma revolta dos aspiracionais contra os reivindicativos. Os segundos são os que se perguntam quem tem a culpa de que as coisas estejam ruins, e vão atrás deles. Os primeiros são os que querem conseguir coisas, ter esgotos, ter uma boa escola para seus filhos.

P. Há um risco de que o Governo do Macri não saiba administrar todo este poder?

R. Temos o risco de acreditar que já chegamos lá. Não chegamos a nada. Temos os mesmos 30% de pobres. Agora virão reformas em que todos teremos que deixar algo sobre a mesa, porque estamos procurando um país melhor, com igualdade de oportunidades.

P. É possível pedir sacrifícios à sociedade quando o irmão do presidente lavou 45 milhões de dólares e vários ministros, que são milionários, continuam tendo o seu dinheiro fora da Argentina?

R. Este é um Governo de gente que já vivia na Argentina, não somos marcianos que caíram aqui em 2015. A construção da confiança é um processo que leva seu tempo. Nas possibilidades que estão se dando de gerar segurança jurídica, isto [ter o dinheiro fora] irá se reduzir. Estamos saindo de décadas de instabilidade. Entendo a reivindicação ética, mas precisamos experimentar anos de regras normais.

EL PAÍS

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