Camilla Veras Mota
Quatro anos depois do primeiro
leilão, o pré-sal volta ao mercado. Serão duas rodadas de ofertas de campos de
exploração, as primeiras de uma série de nove programadas até 2019. Na próxima
sexta-feira, praticamente todas as grandes petroleiras do mundo - 15 no total -
participarão da disputa pelos oito blocos em um hotel de luxo no Rio de
Janeiro.
O
cenário é bem diferente do encontrado em 2013, quando apenas um consórcio,
liderado pela Petrobras, apresentou proposta pelo megacampo de Libra.
Algumas
mudanças regulatórias do último ano - incluindo flexibilização da lei de 2010
que previa que a estatal brasileira deveria ter participação mínima de 30% na
exploração de todos os blocos em operação - ajudam a explicar o interesse
maior, mas a principal razão, para especialistas consultados pela BBC Brasil, é
a surpreendente produtividade do pré-sal, maior do que se imaginava quando a
reserva de 149 mil km² foi descoberta, em 2007.
Dos
poços hoje em operação são extraídos até 40 mil barris por dia, contra 15 mil
no Golfo do México, diz Adriano Pires, sócio-diretor do Centro Brasileiro de
Infraestrutura (CBIE). A qualidade do óleo também é melhor do que nas demais
regiões produtoras do Brasil.
"Os
campos offshore da Petrobras demoraram 45 anos para bater a marca de um milhão
de barris por dia. Os do pré-sal, menos de dez anos", acrescenta Edmilson
Moutinho, professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São
Paulo.
Também
para ele, é o desempenho do pré-sal que explica o expressivo interesse
estrangeiro pelos leilões, que acontecem em um momento em que todas as grandes
empresas se esforçam para cortar custos e evitam se comprometer com
investimentos de longo prazo. "E esses são projetos grandes, que envolvem
muito capital", pondera.
R$ 100 bilhões
As
projeções de impacto da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis (ANP) para os dois certames são superlativas - US$ 36 bilhões
(pouco mais de R$ 100 bilhões) em investimentos na próxima década e US$ 130
bilhões (mais de R$ 400 bilhões) em arrecadação de royalties e imposto de renda
e de óleo-lucro (o percentual em óleo que as empresas vencedoras têm de dar à
União, uma particularidade do modelo do pré-sal).
Na
segunda rodada serão leiloados quatro blocos das chamadas áreas unitizáveis,
adjacentes a campos já em operação e, por isso, com reservas conhecidas. Três
estão na bacia de Santos - que tem a maior parte do território em águas
paulistas - e uma, na de Campos - que se espalha principalmente pelo mar do Rio
de Janeiro.
A
terceira rodada inclui quatro blocos ainda não explorados, também divididos
entre as bacias de Santos e Campos.
Especialistas
como Luiz Pinguelli Rosa, professor de planejamento energético da Coppe/UFRJ e
presidente da Eletrobras entre 2003 e 2004, são críticos às mudanças que
culminaram nesse novo ciclo de exploração do pré-sal.
O
relaxamento da regra que previa o uso de um percentual mínimo de conteúdo
nacional pelas petroleiras - de fevereiro deste ano -, em sua avaliação, vai
gerar um volume grande de importações de maquinário e geração de emprego
"em outros países".
Já a
menor participação da Petrobras na exploração dos blocos ofertados, para ele,
desperdiça um recurso estratégico. "Ela deveria continuar (a explorar o
pré-sal) na medida das suas possibilidades. As reservas são do Brasil, não para
o mundo", diz ele.
Outros
nomes da área, como o engenheiro David Zylbersztajn, que foi o primeiro
presidente da ANP, em 1998, avaliam a retomada dos leilões como positiva. Para
ele, é uma oportunidade para o país se beneficiar economicamente de suas
reservas de petróleo enquanto a commodity ainda é uma matéria-prima largamente
utilizada e um preço de referência.
"O
século 20 foi o da economia do petróleo. O 21 vai ser o da economia de acabar
com o petróleo", ressalta. "Nós estamos quase dez anos
atrasados", acrescenta ele, referindo-se à descoberta do pré-sal, em 2007.
A 'segunda chance' do Rio e a vez de
São Paulo
Os
especialistas são unânimes, entretanto, na avaliação de que os recursos extras
dos royalties do petróleo vão aliviar a situação fiscal delicada do Rio de
Janeiro.
"Vamos
ver se o Rio vai saber aproveitar essa segunda chance", diz Adriano Pires,
do CBIE. A previsão da ANP é que os nove leilões previstos até 2019 rendam US$
8 bilhões (R$ 25 bilhões) ao Estado - o deficit orçamentário previsto pelo
governo para 2018 é de R$ 20,3 bilhões.
O eixo
de municípios campeões de arrecadação, antes concentrado em cidades como Campos
dos Goytacazes, Rio das Ostras e Macaé, será deslocado mais para o sul, ele
acrescenta, para localidades como Maricá, Niterói e Saquarema.
O Estado
mais beneficiado pelas novas rodadas, contudo, será São Paulo, para onde devem
fluir US$ 11 bilhões em royalties, conforme a apresentação feita pelo
diretor-geral da ANP, Décio Oddone, ao governador Geraldo Alckmin (PSDB) em
julho.
Além do
aumento direto das receitas de Estados e municípios, destaca Zylbersztajn, os
novos investimentos vêm com potencial importante de geração de empregos, de
posições técnicas a especialistas como geólogos e geofísicos.
A
disponibilidade de mão de obra especializada na região, para o
secretário-executivo da Associação Regional de Empresas do Setor de Petróleo,
Gás e Biocombustíveis na América Latina (Arpel, na sigla em espanhol), Jorge
Ciacciarelli, é um dos fatores de atração das grandes empresas estrangeiras que
estão concorrendo pelos blocos, ao lado da redução das exigências de conteúdo
nacional, o que, diz ele, pode reduzir custos logísticos e de extração.
Partilha x concessão
As
vencedoras do leilão serão aquelas que oferecerem o maior excedente em óleo
para a União. O regime, dito de partilha e instituído em 2010, é diferente do
aplicado para as demais áreas produtoras de petróleo do país, o de concessão -
que seleciona as empresas a partir dos valores de bônus que elas oferecem ao
governo. No caso das duas rodadas do próximo dia 27, os bônus têm valores fixos
e totalizam US$ 7,7 bilhões.
"Um
Estado moderno não tem que ser dono de óleo, tem que cobrar imposto", diz
Pires, da CBIE, para quem o modelo tem duas desvantagens.
De um
lado, ele não estimula a eficiência das empresas produtoras, que podem
descontar todos os custos de produção do óleo que será entregue à União.
De
outro, o governo tem que esperar "às vezes cinco, seis, sete anos"
pelas receitas que arrecada vendendo a commodity - cujo preço, ele ressalta,
pode oscilar no médio prazo. Hoje perto de US$ 60 dólares, o barril de petróleo
valia mais de US$ 100 quando o pré-sal foi descoberto, há dez anos.
Oddone,
presidente da ANP, também prefere o modelo de concessão, que, em sua avaliação,
"estimula mais a competitividade e a eficiência". "Mas isso não
invalida o regime de partilha", disse ele à BBC Brasil.
Petrobras
Desde
novembro do ano passado, depois que a Lei 13.365 foi sancionada pelo Planalto,
a Petrobras não precisa atuar como operadora única dos campos do pré-sal,
responsável pela condução e execução de todas as atividades previstas no
contrato.
Ela tem,
entretanto, preferência nos certames - direito que exerceu nos leilões da
segunda rodada, no campo de Sapinhoá, e nos da terceira, nos blocos de Peroba e
Alto de Cabo Frio Central, nos quais optou por ser operadora com participação
de 30%.
Entre as
14 empresas estrangeiras habilitadas para concorrer, a única que ainda não está
presente no Brasil é a Petronas, da Malásia. Na lista há ainda a americana
ExxonMobil, a espanhola Repsol Sinopec, a Norueguesa Statoil, a britânica
Shell, a francesa Total e as chinesas CNOOC e CNODC. Essas quatro últimas estão
no consórcio com a Petrobras que venceu em 2013 e que explora o campo de Libra.
"A
Petrobras agora só entra no que vê certeza de retorno", afirma Pires, da
CBIE. Para Moutinho, da USP, a redução da participação da estatal vai ajudar o
Brasil a aproveitar a "janela de oportunidade" que o petróleo ainda
oferece ao país. "Mas essa janela é incerta, nós não sabemos o tamanho
dela."
Em sua
avaliação, o mundo deve continuar dependente da commodity pelo menos pelos
próximos 30 ou 40 anos. O preço baixo do barril desacelera o desenvolvimento de
energias alternativas, ele pondera, mas diversos países só precisam ter espaço no
orçamento para voltar a subsidiar o desenvolvimento de tecnologias de
renováveis.
"Além
disso, o próprio pré-sal é muito grande - ele pode ser muito maior do que a
gente imagina. A exploração exige uma quantidade de capital enorme, que a
Petrobras não tem."
BBC
Brasil
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