Editorial
São
raros os líderes mundiais que hoje têm de administrar um “problema” como o que
paira sobre a mesa da chanceler Angela Merkel. A Alemanha registrou superávit
fiscal em conta corrente de € 263 bilhões no ano passado, aproximadamente 8,5%
do PIB, e saldo orçamentário nas contas públicas de € 24 bilhões apenas no
primeiro semestre deste ano, o maior desde a reunificação do país, em 1990. Com
números tão vistosos e situação de quase pleno-emprego, o governo precisa
decidir entre o corte de impostos e o aumento dos gastos públicos.
Com as
contas da Alemanha bem administradas, era previsível a recondução da chanceler
Angela Merkel para o seu 4.º mandato à frente da maior economia europeia.
Entretanto, o que poderia ter sido um triunfo acachapante na eleição de domingo
passado foi ofuscado pela ascensão da extrema direita ao Bundestag, a Câmara
dos Deputados, pela primeira vez desde o final da 2.ª Guerra.
A União
Democrata-Cristã (CDU), partido de Angela Merkel, saiu do pleito com 32,9% dos
votos, porcentual suficiente para dar-lhe a vitória, mas 8,6% menor do que o
obtido nas eleições de 2013 e o pior desempenho eleitoral da legenda desde
1949.
Com 20,6%
dos votos, o Partido Social-Democrata (SPD), que compõe a coalizão centrista
com a CDU, também obteve um resultado 5,1% menor do que o registrado nas
últimas eleições.
Tão
marcante como a vitória da CDU e a recondução de Merkel para mais um mandato,
tida como certa, foi a substancial ascensão da Alternativa para a Alemanha
(AfD), movimento nacionalista criado há pouco mais de quatro anos. A AfD quase
triplicou seu desempenho eleitoral em relação ao pleito de 2013, saltando de
4,7% dos votos naquele ano para 13% na eleição de domingo.
O
desempenho da AfD pode dar novo alento aos partidos nacionalistas europeus,
como a Frente Nacional da francesa Marine Le Pen, que também obteve uma votação
expressiva nas eleições de maio, quando recebeu cerca de 35% dos votos, ante os
65% dados ao presidente Emmanuel Macron.
Como
líder do partido com o maior número de votos, a chanceler Angela Merkel deverá
formar o novo governo e, assim, poderá igualar os 16 anos de poder de seu
mentor político, o ex-chanceler Helmut Kohl. Não será uma tarefa fácil. Além da
ascensão da AfD ao Parlamento, Merkel terá de lidar com a defecção do SPD,
antigo aliado na coalizão que governa o país desde 2005. Martin Schulz, o líder
social-democrata, declarou que irá migrar para a oposição.
Resta a
Angela Merkel tentar compor uma heterogênea aliança entre a CDU, o Partido
Verde, de centro-esquerda, e o Partido Liberal-Democrático (FPD), que trará à
mesa de negociação para a formação do novo governo um pacote de profundas
divergências.
“Naturalmente,
esperávamos um resultado melhor. Mas nós temos a tarefa de formar um novo
governo e contra nós nenhum governo poderá ser formado”, discursou Merkel na
sede de seu partido, em Berlim, pouco após o anúncio do resultado das eleições.
O discurso
um tanto resignado da vencedora contrasta com a confiança demonstrada por Alice
Weidel, vice-líder da AfD. “Estaremos em condições de governar em 2022.
Queremos agradecer aos milhões de eleitores que nos confiaram a missão de uma
oposição construtiva”, disse.
O
sucesso eleitoral da AfD, formada como um movimento antieuro em 2013, está
fortemente amparado pela enérgica crítica que o partido fez durante a campanha
à política de abertura da Alemanha aos refugiados da África e do Oriente Médio
encampada pelo governo de Angela Merkel. A Alemanha é o país europeu que mais
acolheu refugiados de guerra e de crises econômicas. “Se a Europa fracassar na
questão dos refugiados, sua estreita relação com os direitos civis universais
estará destruída”, defende a chanceler.
A
vitória de domingo coloca sobre os ombros de Merkel o desafio de constituir não
só o novo governo alemão, mas o de reforçar o seu papel como líder do chamado
mundo livre.
O Estado de S. Paulo
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