Ricardo Brandt, enviado especial a Curitiba, e Fausto Macedo
Jurista René Ariel Dotti, assistente
de acusação pela Petrobrás, afirma que processo mudou paradigma do judiciário
criminal no Brasil, defende delações, critica propaganda anti prisões de Gilmar
Mendes e fala sobre a bronca que deu em advogado de Lula
Nos idos
da década de 1950, René Ariel Dotti era um estudante de Direito entusiasta da
campanha “O petróleo é nosso”. Seis décadas depois, o criminalista, jurista e
professor hoje conduz a banca de assistentes de acusação do Ministério Público
Federal (MPF) nas ações da Lava Jato, contratado pela Petrobrás. Seu papel é
processar, com a força-tarefa, corruptores e corruptos.
“(A Lava
Jato) É uma revolução copérnica na criminalidade do País”, disse Dotti ao
Estado, em seu escritório, na capital paranaense.
A
caminho dos 83 anos, Dotti se revela um defensor das delações premiadas –
apesar de não fazê-las –, critica o ministro Gilmar Mendes, do Supremo, pelas
declarações sobre prisões preventivas e afirma que “a Lava Jato interrompeu um
golpe de Estado do PT”.
O senhor representa a Petrobrás nas
acusações da Lava Jato, o que isso significa?
Eu
estudei na faculdade em 1954. A grande luta era o petróleo, o movimento do
petróleo nacional. Por isso foi uma alegria muito grande poder representar a
empresa, pelo que ela fez pelo País. Nosso papel nos processos é acompanhar as
audiências de testemunhas e interrogatórios, acompanhamos os processos,
funcionamos como assistentes do Ministério Público. Assistentes porque a figura
mais importante é a do Ministério Público, e nós colaboramos na medida em que
estamos no mesmo caminho, sustentando as mesmas teses, com o mesmo pedido.
O senhor tem 50 anos como
criminalista, já deve ter visto de tudo. Algo o surpreendeu na Lava Jato?
Claro. É
uma revolução copérnica na criminalidade do País. Porque, embora houvesse isso
antes, nunca houve uma investigação desse tipo, nunca houve um Judiciário
federal com essa disposição, como o doutor Sérgio Moro. A Lava Jato, no meu
entendimento, interrompeu um golpe de Estado. Um golpe de Estado sem violência.
O PT ia fazer um golpe de Estado na medida em que estava corrompendo grande
parte do Congresso e colocando gente no Supremo Tribunal Federal para ter uma
continuidade de poder, um projeto de poder. O que o PT fez, não a parte de
corrupção, a parte de organização, foi pensando em tomar o Estado. De que
maneira? Defendendo uma doutrina que é comum ao interesse público, que era a da
ética. O PT sempre chamou os jovens. Reunia religiosos, reunia jovens, estendia
em outras camadas. O PT dominou muito bem, e por isso teve o poder. E isso
seria o golpe de Estado.
O PT vai conseguir sobreviver à Lava
Jato?
Claro
que pode (sobreviver). A Lava Jato pode ser o traço de união de um novo partido
político. Embora eu não seja do partido, eu não faço política partidária, mas a
Lava Jato pode ser um traço de união de uma nova agremiação política.
O senhor gosta de citar Oscar Wilde.
A vida tem surpreendido a arte com a Lava Jato?
É o
teatro do absurdo. O que é o teatro do absurdo senão o Congresso Nacional com
as propostas que eles apresentam. É teatro do absurdo porque o texto é absurdo,
o ator e a atriz são absurdos, do ponto de vista do que representam, o diretor
tem de trabalhar com o absurdo, só quem não pode trabalhar com o absurdo é o
espectador, que é a nossa condição perante o Congresso.
E alguém tem poder para fechar as
cortinas desse palco?
Quem
está na plateia, que pode sair para a rua e dizer ‘esse é o teatro do absurdo,
vamos ver outro tipo de peça’. É isso que a sociedade está esperando. Porque
quando saíram às ruas em 2013, era isso o que nós víamos. As pessoas vivem uma
anomia das convicções. Estão todos apáticos.
É possível uma reforma penal com o
atual Congresso?
Não, com
esse Congresso não dá. Porque é um Congresso de muito fisiologismo. É um
Congresso que vive não um papel de representação popular, vive um papel de
concentração de interesses pessoais.
O sr. defende a execução da pena em
segunda instância, que tem sido medida encampada pela Lava Jato e por Moro como
forma de combate à corrupção?
Não… A
Justiça Federal e os tribunais federais trabalham mais rapidamente do que os
outros tipos de tribunais. A Justiça estadual é mais demorada que a Justiça
Federal. Tenho um projeto com o desembargador de São Paulo Rui Stoco que chegou
a ser aprovado na Câmara. Ele diz que todo e qualquer condenado a pena acima de
8 anos, esteja preso ou não, tem de ter o julgamento como se fosse de réu
preso, ou seja, o julgamento prioritário. Então, eu defendo o julgamento
prioritário.
Mas funcionaria? A Justiça daria
conta, as cadeias já não estão cheias de gente que nem julgadas foram?
É um
problema de gestão, não de lei. Dou um exemplo, a Constituição prevê o salário
mínimo, entre os direitos sociais. Diz que o salário mínimo fixado em lei,
nacionalmente unificado, é capaz de atender às suas necessidades vitais básicas
e as de sua família. O salário mínimo paga isso tudo? Nunca. Então podemos
cortar esse artigo da Constituição? Não podemos. O que eles fizeram foi isso,
fizeram cortar um artigo da Constituição que prevê a presunção da inocência.
As prisões preventivas são duramente
atacadas na Lava Jato. O senhor é um dos críticos?
É um
tipo de criminalidade absolutamente distinto, novo. Nem é criminalidade do
colarinho branco, é muito mais do que isso, é uma criminalidade permanente.
Porque continuam praticando crimes. Então a prisão preventiva é necessária. O
ministro Gilmar Mendes está completamente errado nesse ponto (ao criticar as prisões
preventivas). Uma propaganda que ele faz contra as prisões preventivas. As
prisões preventivas nesses casos são necessárias. Continuam praticando crimes.
Há quem veja excessos nas prisões do
juiz Sérgio Moro?
Não, não
há.
A Lava Jato não prende para obter
delações?
Não, eu
considero uma generalização isso. Porque muitas delações foram feitas sem que
existissem prisões.
O senhor faz ou faria uma delação
para cliente?
Clientes
nossos preferiram fazer e escolheram um advogado para isso e eu concordei.
Nosso escritório não faz.
Delações e preventivas são focos de
ataques de políticos que estão reagindo à Lava Jato. O senhor acha que as
investigações estão sob risco?
Não vejo
risco, porque a Lava Jato tem uma base social muito grande. Todos apoiam essa
mudança, essa revolução. A sociedade apoia, portanto ela não vai cair.
Um dos embates de 2018 será se Lula
será candidato e qual o peso ele terá. O senhor deu um puxão de orelha na
defesa do ex-presidente na audiência em que ele afrontou o juiz Sérgio Moro…
Não faz
parte da ética profissional. Tem sido comum em alguns casos da Lava Jato.
Senti, depois de duas horas de interrupções permanentes, que o objetivo era
tentar impedir que o interrogatório se consumasse. Minha intervenção foi no
sentido de que o colega não poderia se portar com aquelas agressões pessoais.
O sr. acha que Lula será o candidato
e será o fiel da balança?
Como eu
posso dizer… (risos) Não sei, não sei… Não sei como serão os processos. Se eu
disser sim, vão dizer que eu sou anti-Lula. Se eu disser não, vão dizer que eu
passei para o outro lado.
Estadão
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