Fernanda Odilla
Para
cada um deles ser uma legenda com direito a lançar candidatos e a receber uma
fatia do Fundo Partidário, que, no ano passado, atingiu R$ 819 milhões, é
preciso apresentar quase meio milhão de assinaturas que devem ser coletadas em
pelo menos nove Estados - e de quem não é filiado a nenhuma sigla.
Na
lista, tem sigla para todo o tipo de causa. Tem o dos Animais, o Militar, o
Frente Favela Brasil, o Nacional Indígena, o da Família Brasileira e até o
Movimento Cidadão Comum. Seis deles carregam a palavra "cristão" no
nome.
As
possíveis novas legendas defendem causas aleatórias que vão da proteção aos
animais e ao meio ambiente a pautas específicas como o direito à segurança e
defesa dos interesses de servidores públicos e privados e também dos pequenos e
microempresários.
Há ainda
releituras de legendas como a Arena e a UDN, que ajudaram a escrever a história
política do Brasil, disputas por siglas como a Prona, do ex-deputado Enéas
Carneiro (1938-2007), e até movimentos como o Conservador, que há mais de 20
anos tenta, sem sucesso, sair do papel.
Dos 68
partidos na fila, apenas dois estão em processo mais adiantado. São eles o
Partido da Igualdade (ID), que defende a causa de pessoas com deficiência
física, e o Muda Brasil (MB), que tem entre os idealizadores o ex-deputado
Waldemar da Costa Neto, ex-presidente do PR e condenado no processo do
mensalão.
O número
de partidos em formação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mais do que dobrou
em dois anos, como tentativa de driblar a legislação eleitoral, que passou a
exigir fidelidade partidária dos eleitos a partir de 2007.
Isso
porque o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que deputados federais,
estaduais, distritais e vereadores podem perder o mandato caso troquem de
partido, a menos que migrem para legendas recém-criadas.
Essa
regra, contudo, não se aplica a cargos majoritários, ou seja, aos eleitos
presidentes da República, governadores, senadores e prefeitos, conforme decisão
da corte de 2015.
Se
conseguirem o registro, as novas legendas dividirão com as 35 já existentes o
auxílio financeiro distribuído pelo TSE, que vem do orçamento federal, de
multas e doações.
Poderiam
ainda abrigar deputados federais e vereadores já eleitos em seus quadros, que,
ao trocarem de legenda, levariam com eles o tempo de TV no horário eleitoral
gratuito proporcional aos votos recebidos por esses parlamentares.
Reforma política
As
futuras novas legendas, contudo, podem ser as mais afetadas pelas mudanças nas
regras eleitorais que estão sendo discutidas no Congresso. Debatida de forma
fatiada, a atual reforma política ainda precisa passar pelos plenários da
Câmara e do Senado até o 7 de outubro para valer nas eleições de 2018.
Mas a
Câmara já aprovou o fim das coligações partidárias a partir das eleições
municipais de 2020 e novas regras para distribuir o fundo partidário. Os
deputados ainda precisam votar destaques para, em seguida, o Senado analisar as
mudanças.
O
texto-base que passou na Câmara estabelece a chamada cláusula de desempenho nas
urnas já partir da eleição de 2018. Pelas novas regras, só terão acesso à
assistência financeira e à propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV os
partidos que preencham os seguintes requisitos: obtenham ao menos 1,5% dos
votos válidos na eleição para deputados federais, distribuídos por ao menos
nove Estados (com mínimo de 1% dos votos em cada um desses Estados); ou elejam
ao menos nove parlamentares vindos de pelo menos nove Estados.
As
barreiras aumentariam progressivamente até 2030, dificultando ainda mais a
atuação de partidos novatos ou dos conhecidos como nanicos, título que a
maioria das legendas com pouca ou nenhuma representatividade no Congresso
rechaçam.
Se todos
os partidos em formação saíssem do papel e fossem parar nas urnas eletrônicas,
seria de mais de cem o número de legendas no Brasil. Aumentaria, assim, a
concorrência entre as siglas, muitas delas dependentes do Fundo Partidário, em
especial depois que as doações de empresas foram proibidas pelo STF.
Ideologia
De
acordo com o texto aprovado pela Câmara para o fim das coligações, siglas com
afinidade ideológica poderão, a partir de 2020, se unir em federações para
disputar eleições para deputados federal, estadual e vereadores.
Se
juntas atingirem as exigências da cláusula de desempenho, mantêm acesso ao
fundo partidário e ao tempo de rádio e TV. Mas, em contrapartida, serão
obrigadas a se manter unidas, atuando como um bloco parlamentar durante toda a
legislatura.
Entre os
partidos em formação, nem todos decidiram se seriam progressistas ou
conservadores nem têm posições definidas sobre, por exemplo, qual deve ser a
participação do Estado na economia.
"Obrigatoriamente
teremos que nos posicionar em relação a todos os temas, mas isso fica para um
momento seguinte, depois que virarmos um partido", diz Alexandre Gorga,
presidente do Partido dos Animais.
Registrada
em cartório no ano passado, a legenda se autointitula o "primeiro
movimento político no Brasil visando a ampla defesa dos animais não humanos em
todas as suas representações biológicas". Gorga diz que a sigla conta com
o apoio de 102 ativistas veganos, integrantes de mais duas dezenas de ONGs e de
protetores independentes em 18 Estados.
Mas o
que os motivou a tentar tirar do papel um partido, em vez de defender a causa
por meio de ONGs ou movimentos em defesa dos animais?
"Associações
já tem muitas. Queremos mudanças que venham debaixo para cima. Estamos cansados
de ver os políticos aparecendo de quatro em quatro anos e nenhum deles
defendendo realmente a nossa causa", argumenta Gorga, que é funcionário
público em Brasília.
Já o
Partido Pirata do Brasil, ou simplesmente Piratas, quer "hackear" o
sistema político por dentro para mostrar as disfuncionalidades do modelo
brasileiro e "buscar o empoderamento popular", diz um de seus
representantes, Daniel Amorim.
A
possível sigla surgiu no Brasil enquanto movimento no final de 2007, a partir
da rede Internacional de Partidos Piratas, que defendem acesso à informação,
compartilhamento do conhecimento e transparência na gestão pública.
Questionado
sobre se definirem como de direita ou de esquerda, Amorim diz: "Defendemos
a democratização da economia e isso dá um bug nas pessoas" diz, emendando
que no estatuto do Piratas está previsto ainda a liberdade de expressão, a
plena autodeterminação individual e o ativismo hacker.
Dificuldades
Mas
Amorim admite que, para um partido de militância como o Piratas, é muito
difícil passar por todas as barreiras impostas pela legislação.
Como foi
registrada em cartório em 2012, a legenda não precisa, por exemplo, recolher
assinaturas em até dois anos - regra imposta pela Justiça Eleitoral para os
partidos em formação criados a partir de 2015.Ainda assim, o representante
afirma que o processo é caro e os entraves burocráticos, muitos.
"A
lei de partidos é vaga, e às vezes falta um entendimento mais consistente por
parte do próprio Tribunal Eleitoral. Tudo fica difícil e caro. Conseguir um
CNPJ, abrir conta em banco, publicar o estatuto no Diário Oficial foi
complicado para nós", diz.
Segundo
ele, coletar mais de 460 mil assinaturas, número exigido pelo TSE, é também um
desafio para quem não tem dinheiro. Além de informações pessoais, a assinatura
precisa estar igual à do título do eleitor do apoiador.
Há mais
de 30 anos o fotógrafo e arquiteto Elton Moreira tenta tirar do papel o Partido
Conservador. Na sua opinião, no passado era ainda mais difícil conseguir
cumprir todas as regras - mas convencer um eleitor a apoiar a criação de um
partido está cada vez mais complicado.
"Muitas
pessoas resistem e dizem que não querem apoiar o ladrão do futuro",
lamenta Moreira, citando a decepção de muitos eleitores com os partidos e os
políticos.
A ideia
de criar o Conservador, que chegou a ser registrado em cartório em 1995 como
PACO, renasceu no ano passado, quando Moreira e seus amigos viram que pautas
como Estado mínimo e bandeiras contra o aborto, a legalização de drogas e a
união homoafetiva passaram a ganhar mais adeptos.
O
deputado federal Jair Bolsonaro é o nome que mais combina com as ideias do
PACO, afirma ele.
O
parlamentar, atualmente filiado ao PSC, está sendo cortejado e apoiado por
diferentes legendas já criadas e outras em formação.
O nome é meu
O PEN
(Partido Ecológico Nacional) conseguiu seu registro de partido oficial em 2012,
mas decidiu mudar de nome para garantir a filiação de Bolsonaro. Adilson
Barroso Oliveira, líder da sigla, fez uma consulta virtual para saber se seus
apoiadores queriam manter o nome original ou se preferiam Patriota ou Prona.
Venceu
Patriota, sugestão do próprio Bolsonaro, diz ele.
Mas na
lista de partidos em formação há uma sigla com nome muito parecido: Patriotas.
"O nosso é no singular", assinala Oliveira, que diz ter recebido um
telefonema do presidente da possível legenda que leva o nome no plural pedindo
para reavaliar o nome.
O PEN,
contudo, deve levar a ideia adiante e pedir a troca de nome no TSE. "Ter
ecológico no nome acaba sendo confundido com radicalismo. Não somos radicais,
defendemos o sustentável", justifica Oliveira.
Ele
espera poder usar o nome Patriota já na próxima eleição, mas isso depende da
agilidade do TSE em aprovar o pedido.
Outro
partido que ainda nem saiu do papel, mas já apoia Bolsonaro é o Partido
Militar, cujo principal mentor é o deputado federal José Augusto Rosa, o
Capitão Augusto (PR-SP). A sigla em formação também tem uma relação próxima com
a palavra "patriota".
"Assim
como os petistas se chamam de companheiro, nós, no Partido Militar, nos
chamamos de patriota", diz o parlamentar.
A ideia
de criar o Partido Militar, diz Rosa, surgiu em 2010, quando ele se deparou com
pesquisas que mostravam que uma grande parcela do eleitorado brasileiro não se
identificava com nenhum partido e que um montante expressivo se declarava
conservador.
Ele
admite que foi criticado por colocar a palavra militar no nome do partido, mas
diz que não há motivos para se ter qualquer tipo de receio de associação com o
regime militar. Além disso, garante, a legenda não é nem será classista, ou
seja, não é para membros das Forças Armadas. Mas vai defender a ordem, o
progresso e a segurança pública, afirma.
Em 2010,
para criar a legenda, ele conseguiu fazer um encontro virtual, com autorização
da Justiça Eleitoral, que reuniu mais de 18 mil pessoas. Agora, corre contra o
tempo para coletar as assinaturas que faltam para o Partido Militar poder
disputar a próxima eleição.
"Não
falta muito", diz, otimista.
Segundo
ele, ainda há um esforço no Congresso para mudar a legislação em vigor e jogar
para março de 2018 o prazo final para filiação partidária. Atualmente, é
preciso se filiar um ano antes para disputar um cargo público.
Apesar
de estar à frente de um partido em formação, o deputado acha que a Justiça
Eleitoral precisa conter o aumento das legendas que não têm representatividade.
"Ter partido é um grande negócio. Dá poder e dinheiro", diz,
referindo-se ao que chama de "legendas de aluguel" por negociarem
apoios em período eleitoral.
"Não
acho que tenham que restringir a criação, mas tem que garantir a
representatividade", completa.
BBC
Brasil em Londres
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