Maria Clara R. M. do
Prado
(*)
Recente estudo do FMI revela que
quanto mais alta a corrupção, maior é a desigualdade de renda. A correlação é
direta
De repente,
os economistas brasileiros descobriram que as benesses distribuídas a
determinados grupos estão na raiz da má distribuição de renda no Brasil. É uma
iniciativa bem-vinda. Coloca foco em práticas sedimentadas desde o período
colonial, reforçadas nos 67 anos do Império e perpetuadas a partir da República
Velha. Com a particularidade de subsistirem em meio ao processo de modernização
econômica do século XX.
Tratar
da mesma forma o público e o privado, sem distinção, é uma característica dos
regimes absolutistas, onde predomina o Estado patrimonialista. A República
brasileira, a despeito do avanço das instituições, manteve ao longo dos anos um
pé no patrimonialismo, favorecendo os privilégios a determinados grupos
sociais, via de regra nos segmentos de maior renda, em detrimento do progresso
da sociedade como um todo.
A
corrupção, como se sabe, facilmente frutifica naquele tipo de conjugação, mas
vamos primeiro tratar da preferência por "poucos" e os sinais de
subdesenvolvimento que fazem do Brasil um país desigual, basicamente atrasado
em aspectos que são hoje fundamentais no processo de desenvolvimento: a
melhoria do padrão de vida, o aumento da produtividade, a construção de um
mercado robusto e a imparcialidade institucional.
O fosso
educacional é o pecado número um. Sempre lembrado, estudado e debatido, tem se
reduzido muito lentamente nos últimos anos. Até parece que a elite brasileira,
apesar do discurso, prefere manter o status quo eternamente. O medo de perder
privilégios alimenta as garras de influência sobre o poder político.
Chega a
ser incompreensível que um país com gasto educacional equivalente a 5,4% do
PIB, um dos mais altos do mundo, registre mais de 50% da população entre 25 e
64 anos de idade com educação secundária incompleta.
O Estado
brasileiro gasta, em média, US$ 3,8 mil por estudante nos cursos primário e
secundário, enquanto que a média dos países da OCDE é de US$ 8,7 mil por
estudante do primeiro grau e de US$ 10,1 mil do segundo grau. Na educação
terciária (nível universitário) o gasto médio no Brasil é de US$ 10,6 mil por
estudante, muito próximo da média dos países.
Os dados
são da série "Education at a Glance", de 2017, (Educação ao Primeiro
Olhar), anualmente divulgada pela OCDE (Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento da Economia).
Além da
educação estar longe da qualidade recomendável nos níveis do ensino fundamental
e secundário, a distorção do sistema educacional brasileiro é gritante quando
se compara com o gasto nas universidades públicas, gratuitas. Sustentadas com
dinheiro do contribuinte, são frequentadas majoritariamente por alunos com
renda alta. Esse é um dos privilégios que subsiste na sociedade.
Outro
aspecto é o elevado nível da tributação no país, semelhante a de países
desenvolvidos, e o descompasso revelado pela precariedade dos serviços
públicos, não só na educação, mas também na saúde e na segurança. Pior, além de
ser obrigada a sujeitar-se a imensas filas no SUS e de ficar cada vez mais
refém dos bandidos que atuam nas comunidades e favelas, os mais pobres são os
que pagam, relativamente, mais impostos no país. Isto pela predominância dos
impostos indiretos.
Há ainda
os casos conhecidos dos privilégios dos aposentados do setor público, sem falar
nos altos salários das diversas esferas de governo e nos benefícios
distribuídos a senadores e deputados como verbas adicionais, moradia gratuita
etc...
A lista
dos privilégios é imensa e se perpetua pela falta de transparência fiscal,
pelas exigências burocráticas que concentram o poder na mão de poucos e pela
inépcia das classes mais baixas que, por desinformação e falta de preparo
educacional, não cobram dos políticos a melhoria dos serviços públicos pelo
qual pagam boa parte de sua renda na forma de tributos.
Falou-se
acima que a corrupção tende a florescer em sistemas paternalistas. No fundo,
está tudo junto e misturado. Um recente estudo publicado no blog do FMI revela
que quanto mais alta a corrupção, mais alta é a desigualdade de renda. A
correlação é direta e estreita.
David
Lipton, primeiro vice-diretor gerente do FMI, Alejandro Werner, diretor do
Departamento do Hemisfério Ocidental, e Carlos Gonçalves, economista do
Departamento de Pesquisa, dedicaram-se a levantar indícios de corrupção, maior
ou menor, nos países latino americanos em comparação com outras regiões no
estudo "Corruption in Latin America: Taking Stock" (Corrupção na
América Latina: Fazendo um Inventário), publicado há seis dias.
Eles
estimam que a redução nos níveis de corrupção que afetam desde o quartil mais
baixo (em termos de renda) até a mediana (média da renda da população) poderia
elevar a renda per capita na América Latina em torno de U$ 3 mil, acima da
renda média correspondente. Admitem, no entanto, a dificuldade em mudar um
padrão de comportamento que se solidificou ao longo de anos.
Em seu
livro "A Nova Sociedade Brasileira", o sociólogo Bernardo Sorj,
diretor do Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, faz uma análise do
patrimonialismo no Brasil e de como evoluiu, adaptando-se aos processos de
urbanização e ao avanço do capitalismo. "A legitimação do Estado
brasileiro, na segunda metade do século XX, fundou-se basicamente na sua
capacidade de gerar crescimento econômico, com descaso pelas dimensões sociais,
em particular a educação e a saúde", escreve ele, acrescentando que
"o esforço de racionalização do Estado nunca chegou a livrar-se do
patrimonialismo".
A
imbricada relação entre o público e o privado, tão pouco estudada no Brasil,
explicitou-se com a Operação Lava-Jato. A pergunta é o que virá depois?
Conseguirá o país por um fim no vício do patrimonialismo em prol de uma
sociedade mais igualitária e próspera?
Valor Econômico
(*) Comentário do editor do
blog-MBF: artigo primoroso. Continuamos
na república com todos vícios da monarquia. Os objetivos da Revolução Francesa
nunca alcançaram o Reino de Portugal, pois este preferiu fugir para sua colônia
e com isto perdeu o bonde da história.
Desde que venho desenvolvendo o
projeto Capitalismo Social, que me refiro à Brasília como nossa Corte e ao
regime como Monarquia Republicana, pois os cortesãos apenas afastaram os
Bragança e passaram eles a disputar o trono, através de referendos que eles
chamam de eleições, pois só nos cabe referendar quem eles nos impõe.
Nenhum comentário:
Postar um comentário