Editorial
Umas das causas da crise turca é comum a boa parte das economias
emergentes, com potencial para causar estragos em várias delas: o grande
endividamento privado. As dívidas em dólar, principalmente as do setor não
financeiro, dispararam depois da crise financeira de 2008, tornando-se agora
elos frágeis diante de depreciação acentuada das moedas. Além disso, esse alto
endividamento terá que atravessar o delicado período de aumento das taxas de
juros nos EUA e o fim das gigantescas injeções monetárias do Banco Central
Europeu e do Japão. A Turquia tem debilidades próprias, mas exacerbou a aversão
a títulos de maior risco dos emergentes, o que força um ajuste que
possivelmente não se restrinja a ela.
Nos mercados acionários emergentes o rebalanceamento dos ativos dos
investidores se acelerou, com o MSCI recuando mais de 20% desde os picos de
janeiro. A alta do dólar, em seu maior nível em uma cesta de moeda em 13 meses,
obrigou o BC da Indonésia a gastar US$ 14 bilhões em reservas no ano para
sustentar a rúpia e levou-o ontem a fazer sua quarta elevação de juros desde
maio. A moeda caiu 7% no ano. O BC de Hong Kong também interveio, enquanto o
renminbi chinês completou 7,6% de depreciação em três meses e atingiu sua menor
cotação desde janeiro de 2017.
Foi uma questão de tempo até as moedas asiáticas começarem a se mover.
Na verdade o boom de endividamento dos emergentes foi mais intenso na região,
para onde se destinaram metade dos empréstimos - e deles, 25% para a China. No
fim de 2017, o estoque de dívidas corporativas asiáticas somou US$ 1,25
trilhão, e, o que é indício de vulnerabilidade, US$ 750 bilhões vencem a curto
prazo, ou seja, em até doze meses.
As economias asiáticas têm outras tempestades por perto. A guerra
comercial declarada pelos EUA à China deve desacelerar o crescimento chinês,
atingindo também seus principais fornecedores, que têm nas exportações chinesas
um de seus grandes negócios. Os mais recentes dados de desempenho da economia
chinesa mostram redução do ritmo de expansão de investimentos - 5% ao ano em
julho - e da produção industrial. Não é provável que o governo permita que o
país cresça menos de 6% em 2018, mas as estatísticas levaram a um recuo
importante de commodities metálicas ontem - cobre exibiu a menor cotação em um
ano, e o zinco, a menor em 4 meses.
A elevação dos juros nos EUA aos poucos forçará um nível maior de
taxas também no resto do mundo, de maneira ordenada ou não. Até o fim do ano o
BCE para de comprar ativos e os bancos centrais de EUA, Japão e zona do euro
deixam de despejar US$ 100 bilhões ao mês como fizeram até 2016 (Bloomberg).
Como a economia americana tem crescimento robusto e os juros estão mais altos
nos EUA, o dólar segue uma tendência de alta que se torna desestabilizadora
para quem tem dívidas altas nessa moeda.
A sustentabilidade da dívida do setor privado não financeiro é um dos
maiores riscos. Desde 2008 a intermediação do crédito migrou dos bancos para os
mercados de dívida, como vem alertando o BIS. A consequência é que "as
condições de crédito são mais vulneráveis do que antes das reviravoltas nas
taxas de juros de longo prazo e aumento da volatilidade", aponta estudo
recém-lançado do banco.
Essas guinadas podem ser acompanhadas de reversão dos fluxo de
capitais, ameaçando a solvência dos devedores em vários setores, e podem ter
como estopim mudanças bruscas na inflação ou nas avaliações de risco. Em uma
advertência realista, economistas do BIS dizem que, nessas novas condições de
mercado, "uma alta generalizada do dólar pode causar um período de aperto
das condições financeiras globais".
Os países emergentes estão com reservas robustas, em geral, o que,
entretanto, pode não livrá-los de recessões. Se o grosso da dívida é privada,
(exemplo, Brasil), as reservas podem até cobrir facilmente a dívida soberana,
mas o setor privado se verá incapaz de saldar seus débitos em dólar.
"Mesmo um banco central com muitas reservas pode ter dificuldades em deter
retração da economia quando as condições financeiras globais apertarem",
diz o estudo.
Nesse ambiente, a normalização da política monetária americana, que
poderia ser tranquila, tem seus riscos potencializados por estímulos fiscais
fora de hora (os de Trump), guerras comerciais e princípios de crise de dívidas
(Argentina e Turquia), o que não faz prever um futuro animador.
Valor Econômico
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