Alessandra
CorrêaDe Winston-Salem (EUA)
De empreendimentos de luxo a abrigos para sem-teto, as chamadas
microcasas, popularizadas nos EUA a
partir da crise econômica de 2008, continuam ganhando visibilidade em várias
cidades americanas. Mas os adeptos desse estilo de moradia, geralmente definido
como residências de até 46 m², costumam esbarrar em alguns problemas comuns.
Como várias prefeituras proíbem moradias muito pequenas, alguns optam
por microcasas sobre rodas, que são consideradas veículos recreativos ou
residências móveis (como trailers). Mas mesmo esse tipo de unidade é alvo de
restrições legais em muitas cidades, o que torna difícil encontrar um lugar
para instalar a casa. Além disso, as condições de financiamento para essa
categoria são similares às oferecidas para veículos, com prazos e taxas menos
vantajosos do que os disponíveis para residências tradicionais.
Foi com esse cenário em mente que os idealizadores de uma comunidade
de microcasas na cidade texana de Austin decidiram oferecer contratos que
garantem o direito de utilização do terreno onde a residência será instalada
por um período de 99 anos. Em comparação, a maioria dos empreendimentos do tipo
oferece contratos de curto prazo, em torno de um ano.
"A principal diferença é a natureza permanente do nosso
empreendimento. É importante que as pessoas possam criar raízes, planejar o
futuro", disse à BBC News Brasil o responsável pelo projeto, James
Stinson, CEO da empresa Tiny Dwelling Co.
"Com o contrato de longo prazo, os proprietários conseguem
melhores condições de financiamento para as casas. O prazo maior (para pagar)
ajuda a reduzir custos mensais."
Os futuros moradores da comunidade, chamada Constellation ATX, poderão
escolher entre 82 lotes com mensalidades de 725 dólares (cerca de R$ 2,7 mil) a
1.025 dólares (cerca de R$ 3,8 mil), dependendo da localização e do tamanho do
terreno. Só serão aceitas casas de fabricantes pré-aprovados, entre eles Kasita
e I. M. Home, com preço em torno de 140 mil dólares (cerca de R$ 520 mil).
Segundo Stinson, os valores ficam abaixo do que um proprietário
gastaria para comprar um terreno e construir uma casa. "Em Austin, um lote
básico custa em torno de 250 mil dólares. Isso sem contar gastos com
infraestrutura e todo o planejamento necessário para a construção",
afirma.
"Com o contrato de longo prazo, os custos ficam semelhantes aos
de aluguel, mas em vez disso você tem o direito de uso do terreno por 99 anos,
e é transferível. Pode vender a casa e ter lucro, o que não ocorre no caso de
aluguel."
Modelos
Os nove modelos de casas disponíveis variam de 37 m² a 65 m², talvez
maiores do que a imagem que o termo microcasa evoca, mas ainda assim bem
menores do que o tamanho médio das residências americanas, que fica em torno de
245 m².
Todas vêm equipadas com eletricidade, água quente, wifi, lavadora e
secadora de roupas. Algumas têm máquina de lavar louça e garagem.
Stinson ressalta que "truques" como pé direito alto, janelas
grandes e uso de armários para criar diferentes cômodos e espaços de
armazenamento escondidos fazem o espaço parecer maior.
"Apesar do preço mais baixo, a ideia não é de austeridade, e sim
ter uma casa pequena com talvez até mais comodidade do que uma residência
tradicional", diz Stinson.
A área inclui piscina, clube e cozinha comunitária e fica perto de
cafés e restaurantes, ao contrário da maioria dos empreendimentos do tipo, que,
devido a restrições legais, costumam ser localizados em áreas remotas e sem
opções de entretenimento.
Stinson salienta que um dos focos do projeto é incentivar o senso de
comunidade entre os moradores, que devem chegar em 2019 e são, em sua maioria,
jovens profissionais. "Muitos viajam bastante por conta do emprego, não
estão em Austin o tempo todo. Alguns dizem ser atraídos pela diferença de
preço, dizem que com o dinheiro economizado podem viajar mais ou se aposentar
mais cedo", diz.
Projetos
Microcasas costumam atrair desde pessoas que querem aderir a um estilo
de vida menos consumista até aqueles que pretendem evitar as dívidas e altos
custos de uma residência tradicional, em um momento em que muitas cidades
americanas enfrentam escassez de moradia com preços acessíveis.
Segundo relatório da Universidade de Harvard publicado neste ano, em
quase um terço dos lares americanos os moradores gastam mais de 30% de sua
renda em moradia. Em 11 milhões de lares os moradores gastam mais de metade da
renda em aluguel.
Diante da crise habitacional, microcasas despontam como alternativa em
várias cidades. Em Nova York, há oferta de microapartamentos de luxo a partir
de 24m2. No Arizona, está em desenvolvimento uma comunidade de microcasas
exclusiva para professores que, de outra maneira, não teriam como pagar por
moradia perto da escola. Em Portland, no Estado de Oregon, há um hotel composto
por microcasas, para quem quer experimentar esse estilo de moradia.
Cidades como Chicago, Baltimore, Providence, Nashville, Madison e
muitas outras abrigam projetos de microcasas destinadas a trabalhadores de
baixa renda ou sem-teto. Ao contrário dos empreendimentos de luxo, essas
unidades geralmente são menores e mais básicas, muitas vezes com uso
compartilhado de chuveiros, cozinha, lavanderia e outras comodidades nas áreas
comuns.
"Vários acampamentos de sem-teto evoluíram para comunidades de
microcasas, não necessariamente porque os moradores preferem microcasas, mas
porque em muitas cidades esse tipo de comunidade é mais aceita e tolerada (do
que acampamentos)", disse à BBC Brasil o arquiteto Roland Graf, professor
da Escola de Arte e Design da Universidade de Michigan.
Solução
Alguns críticos questionam se microcasas podem realmente ser uma
solução duradoura para a crise habitacional e não apenas servir como moradia
temporária.
Entre as limitações está o fato de que os moradores costumam ser
jovens solteiros ou casais sem filhos, e há dúvidas se esse modelo é viável
para famílias maiores.
Para Graf, há basicamente três tipos de usuários: "os sem-teto,
as pessoas que querem economizar e os hipsters com muito dinheiro, que
simplesmente querem demonstrar suas habilidades em design e arquitetura
construindo microcasas em áreas remotas".
Graf ressalta que faz parte da cultura americana morar em casas
enormes, e pode ser difícil convencer uma família de classe média a viver em 65
m2.
"Acho uma boa ideia reduzir o tamanho das residências, não apenas
para torná-las mais acessíveis, mas também para reduzir o impacto
ambiental", observa.
BBC News Brasil
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