Editorial
Em 12 de
maio de 1870, 18 anos antes da Abolição da Escravatura, Joaquim Nabuco, um dos
mais brilhantes abolicionistas, fez um duro discurso em que censurou a omissão
da Coroa em relação à escravidão. Àquela altura, como lembrou Nabuco, o Brasil
era, “no mundo cristão, a única nação que tem escravos”, a despeito de uma
opinião pública cada vez mais crítica a essa situação. A oportunidade para a
Coroa resolver o que Nabuco reputou ser “a questão mais importante da sociedade
brasileira” estava, portanto, plenamente dada – mas eis que o governo vacilou.
Considerou que uma eventual emancipação do “elemento servil” poderia causar
abalos econômicos e na ordem pública. Ao rebater esse argumento a favor da
procrastinação, Nabuco ofereceu reflexões que transcendiam aquela importante
discussão – e que deveriam servir para iluminar os governantes do Brasil hoje.
Para
Nabuco, “o pouco serve hoje, o muito amanhã não basta”. Ou seja, o bom
governante é aquele que não hesita diante dos grandes desafios e não deixa
passar a oportunidade de fazer o que tem de ser feito, mesmo que a perspectiva,
num primeiro momento, seja de muitas dificuldades e de eventuais
desentendimentos; do contrário, segue o raciocínio, a mesma resolução, se
tomada tardiamente, terá de ser muito mais grave e abrangente, com resultados
todavia incertos. “As coisas políticas têm por principal condição a
oportunidade; as reformas, por pouco que sejam, valem muito na ocasião; não
satisfazem ao depois, ainda que sejam amplas”, discursou Nabuco, como se estivesse
a falar com a classe política atual.
Pois é
óbvio que há reformas absolutamente inadiáveis cuja oportunidade já está
passando e que, mais tarde, terão de ser feitas provavelmente em circunstâncias
muito piores, sobre as quais nenhum administrador ou líder político, por melhor
que seja, terá qualquer controle. É o caso da reforma da Previdência.
Não
fossem as irresponsáveis denúncias ineptas da Procuradoria-Geral da República
contra o presidente Michel Temer, que saiu enfraquecido desse lamentável episódio,
muito provavelmente a reforma da Previdência já teria sido aprovada, disso
resultando um cenário bem menos tormentoso para a economia. Com isso, o próximo
presidente, munido da força política que a eleição costuma conferir a seu
vencedor, poderia concentrar seus esforços em outras medidas necessárias, mas
bem menos desgastantes do que a reforma da Previdência.
A
despeito das dificuldades, isso ainda é possível. Restam pouco mais de quatro
meses para o final deste mandato, e tanto o presidente Temer como o atual
Congresso poderiam se mobilizar para aprovar a reforma da Previdência, ainda
que numa versão enxuta – com o estabelecimento de idade mínima e equiparação
entre o regime de servidores públicos e o regime geral. O presidente Temer já
mencionou, em mais de uma oportunidade, sua disposição de combinar com seu
sucessor eleito uma forma de encaminhar a votação no Congresso.
Muitos
dirão que se trata de uma quimera – sensação reforçada pelo fato de que poucos
candidatos à Presidência demonstraram sólido compromisso com a reforma da
Previdência. A maioria prefere, pelo contrário, defender a revogação do teto
dos gastos – já que, sem a reforma da Previdência, é praticamente impossível
cumprir aquele limite constitucional e manter a máquina do Estado em
funcionamento.
No
entanto, é justamente em momentos como este, em que a razão perde terreno para
a empulhação populista, que é preciso resgatar os ensinamentos de Joaquim
Nabuco – que esperava falar a verdadeiros estadistas. Se eles existem, é preciso
que se apresentem, afinal, e tomem a iniciativa, mesmo ao custo de um eventual
desgaste momentâneo, para defender o que Nabuco chamou de “grandes interesses
coletivos do Estado”. Para aquele tribuno, o governo deve dirigir a maioria, e
não estar a reboque dela – isto é, deve ser capaz de convencer a opinião
pública da urgência de medidas amargas, e não vacilar diante da gritaria dos
irresponsáveis que oferecem ao eleitor soluções fáceis para procrastinar a
tomada de decisões difíceis, porém incontornáveis.
O Estado de São Paulo
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