SANDRO
POZZI - IGNACIO
FARIZA
País
latino-americano evita a cláusula de término e limitações aos produtos do
campo, mas aceita a ausência do Canadá e mudanças na indústria automotriz e na
solução de controvérsias
O México limita
danos. O acordo comercial acertado na segunda-feira, 27, com o Governo
norte-americano evita o cenário mais temido para o país latino-americano - a
ruptura com seu principal parceiro comercial - e as exigências de máximos
propostas por Donald
Trump em troca de concessões nos novos parâmetros de um setor
fundamental - a indústria automotriz - e nos mecanismos de solução de
controvérsias, de acordo com especialistas consultados pelo EL PAÍS. Não
conseguir o acordo não era uma opção real ao México, que salva um match
point para sua economia,
altamente dependente do setor exterior.
“O fundamental é que se evita a ruptura. Também que não exista uma
cláusula de término automática e requisitos de sazonalidade em agricultura,
apesar das mudanças na indústria automotriz”, diz Luz María de la Mora,
ex-chefe de Negociações Comerciais Internacionais do país latino-americano. Uma
apreciação semelhante à de Luis de la Calle - um dos artífices do TLC atualmente
vigente - e Ignacio Martínez - coordenador do Laboratório de Análises
em Comércio, Economia e Negócios da UNAM -. É, como diz o último relatório para
clientes do maior banco do México, o BBVA Bancomer, “o melhor acordo possível
sob as atuais circunstâncias”. “O jogo era limitar danos e, considerando isso,
não foi ruim”, diz o economista chefe do banco, Carlos Serrano.
Jonathan Heath, ex-economista chefe do HSBC para a América Latina e
hoje analista independente e José Luiz de la Cruz, diretor do Instituto para o
Desenvolvimento Industrial e Crescimento Econômico, enfatizam, por sua vez, as
concessões. “As exigências de máximos, como a cláusula de término, faziam parte
de uma estratégia de negociação por parte de Trump sabendo que nunca seriam
aceitas. E deu certo: o México aceitou o que ele queria na parte automotriz, a
única que realmente interessava a Washington”. A análise de De la Cruz é
parecida: “O México cedeu no setor automotriz e, principalmente, na solução de
controvérsias para evitar a saída do tratado”. O país latino-americano também
prometeu que o tratado seria trilateral ou não seria: logo se saberá se por fim
será assim ou se o Canadá,
isolado da negociação nas últimas cinco semanas, acabará aceitando o acordado.
Com a entrada em vigor do Tratado de Livre Comércio da América do
Norte (TLC), os Estados Unidos, o México e o Canadá criaram há quase 25 anos a
maior área de livre comércio do mundo e uma rede de fornecimento muito bem
sincronizada. O setor da automação e o agrícola são os exemplos mais claros
dessa integração: durante o processo de fabricação, um veículo produzido na
América do Norte atravessa várias vezes a fronteira, e a cada dia toneladas de
alimentos (frutas e verduras, cereais e carne) passam de um país a outro sem
precisar pagar taxas alfandegárias. Com algumas concessões, o livre comércio
continuará vigente entre o sul e o norte do rio Bravo. Esses são os principais
pontos do pacto bilateral acertado na segunda-feira, que deve ser assinado -
com ou sem o Canadá - antes do final do ano:
Cláusula de
término automática.
Os negociadores dos Estados Unidos enfrentaram a revisão do tratado
com 65 demandas, quase todas de máximos. Seis delas eram prioritárias, como diz
Andy Green da American Progress, e a que mais apreensão criou desde o início
foi a de incluir uma cláusula de expiração automática do novo tratado. A ideia
era obrigar a renegociar o pacto a cada cinco anos sob a ameaça de fazê-lo em
pedacinhos se as três partes não chegassem antes a um acordo. O México e o
Canadá se opuseram frontalmente desde o primeiro dia. Mas o bloqueio foi
superado nessas cinco últimas semanas de negociações bilaterais entre os EUA e
o México com um novo calendário: o acordo terá uma vigência inicial de 16 anos
e, no sexto, será submetido à revisão para melhorá-lo e adaptá-lo à realidade
econômica. Sempre, isso sim, sem a ameaça de ruptura sobre a mesa: aconteça o
que acontecer nessa revisão, os assinantes terão mais 10 anos para continuar
negociando e procurando uma solução às suas controvérsias, um período de tempo
mais do que suficiente para dar certeza às empresas em seus investimentos.
Indústria
automotriz.
O representante de comércio internacional dos EUA, Robert Lighthizer,
afirma que o novo acordo reequilibrará as transações graças, entre outras
medidas, ao estabelecimento de regras específicas para o conteúdo original dos
produtores que atravessam a fronteira sem taxas alfandegárias. No caso dos
veículos a motor e seus componentes, será preciso ser de 75%. Washington chegou
a pedir que se elevasse a 85%, um número absolutamente inviável. Dessa forma,
junto com o fechamento da brecha salarial, a intenção é incentivar a produção
nos EUA. Também requer maior uso de aço, alumínio, vidro e plástico de origem
nacional. Heath acha que o superávit mexicano com os EUA será “muito menor nos
próximos anos” e que a indústria automotriz terá que “se readaptar” a esse novo
esquema, contrário aos seus interesses.
Condições
trabalhistas.
Trump baseou boa parte de seu argumento protecionista na defesa dos
interesses dos trabalhadores manufatureiros norte-americanos. Outro dos grandes
objetivos de Donald Trump era evitar que o tratado de livre comércio permitisse
às empresas manufatureiras deslocar a produção ao México, aproveitando o baixo
custo da mão de obra. Nesse sentido, as condições trabalhistas ficam no centro
do acordo. Para apoiar o emprego nos EUA, as novas regras de origem estabelecem
que entre 40% e 45% dos automóveis deve ser fabricado por trabalhadores que
ganhem pelo menos 16 dólares (65 reais) por hora trabalhada: isso limita quase
totalmente as fabricantes de partes no México. Também foram assegurados os direitos
dos trabalhadores imigrantes, “uma boa notícia”. O país latino-americano também
se compromete a adotar as medidas legislativas necessárias no âmbito
trabalhista, como uma liberdade de associação real e apego a “algumas
convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT)”, frisa Luis de la
Calle, um dos artífices do TLC de 1994 do lado mexicano.
“Mas falta saber quais são essas convenções e se os Estados dos EUA
que não as cumprem o farão ou não a partir da entrada em vigor do texto”,
argumenta. “Ainda é cedo para saber como será a aplicação dos novos pontos, mas
será um âmbito complexo ao setor produtivo do México”, diz Luz María de la
Mora, ex-chefe de Negociações Comerciais Internacionais do Governo mexicano.
Solução de
controvérsias.
Esse capítulo possui, de acordo com Serrano, uma das principais
concessões do México: “Ainda será preciso conhecer os detalhes, mas parece
ficar um pouco desprotegido”, diz em conversa com o EL PAÍS. Como detalhou o
secretário de Economia mexicano, Ildefonso Guajardo, “é uma aterrissagem
equilibrada” em que se preserva o formato do TLC original, mas o México aceitou
eliminar o capítulo atual que se referia ao mecanismo de solução de disputas
dos investidores com os Governos que o Canadá quer preservar. Será, com
certeza, um dos pontos mais quentes nas negociações trilaterais que serão
realizadas nos próximos dias: o capítulo 19, o que fica mais aberto, já foi um
dos maiores motivos de disputa entre Ottawa e Washington durante a negociação
do TLC de 1994. “É um assunto muito importante em que o México claramente
cedeu”, afirma De la Cruz, do IDIC.
Agricultura.
O acordo, segundo o Escritório do Representante Comercial dos EUA,
conquista “melhoras importantes” na questão agrícola, mas sem nenhum tipo de
limites por sazonalidade, como queria no começo. A principal conquista é que se
preserva uma área livre de taxas alfandegárias para as transações entre os dois
países e se acertou uma série de melhoras para reduzir potenciais distorções.
Uma delas passa por não utilizar subsídios às exportações e salvaguardas
especiais contempladas pela Organização Mundial do Comércio (OMC).Também foi
criado um compromisso para elevar a transparência e as consultas ao se recorrer
a restrições no âmbito da segurança alimentar. Ao mesmo tempo, foi melhorada a
transparência em relação às regras de origem. E se inclui questões com a
biotecnologia. Esse é um dos pontos em que Trump mais incidiu em sua
apresentação do acordo: o México continuará comprando boa parte da produção
norte-americana de alimentos como carne de porco e frango, sorgo e milho.
Evitou mencionar, entretanto, que seu país também continuará sendo o
principal consumidor de frutas e verduras produzidas no México.
Propriedade intelectual. Um dos grandes objetivos da atualização
do TLC, pelo menos na aparência, era modernizá-lo para adotar suas provisões à
nova realidade econômica do século XXI. O capítulo dedicado à propriedade
intelectual era outra das prioridades dos EUA, para dessa forma proteger a
capacidade inovadora de seu país - da qual não existem muitas dúvidas, com
empresas como a Amazon, Apple e Microsoft - e incentivar o crescimento. Nesse
sentido, são reforçadas as medidas para evitar que circulem pela região
produtos falsificados e piratas, assim como para combater o tráfico de segredos
comerciais.
Comércio digital. O novo acordo comercial incluirá um novo
capitulo dedicado ao comércio de produtos digitais como livros eletrônicos,
música, videogames e programas de informática. O propósito é proibir a aplicação
de taxas alfandegárias e outras medidas discriminatórias ao mesmo tempo em que
se facilitam as transações digitais.
Alumínio e
aço.
Junto com a ausência do Canadá, esse é o maior débito da negociação
fechada na segunda-feira. O litígio comercial aberto pelos EUA após a aplicação
das taxas alfandegárias de 25% às importações de aço e de 10% às de alumínio
não se resolverá com a assinatura desse acordo. É, também, um caminho para
manter a pressão sobe o Governo canadense - que tem muito mais a perder do que
o México nesse ponto - para que entre no pacto. Também permite manter abertas
as disputas com a China e a União Europeia enquanto tentam resolver suas
diferenças. Por enquanto, as coisas continuam da mesma forma: os EUA mantêm
suas taxas alfandegárias e o México suas medidas de represália, também
tarifárias.
Serviços
Financeiros.
O capítulo dos serviços financeiros foi mudado para adaptar o tratado
comercial à maior liberalização dessa indústria que gera aos EUA um superávit
de 41 bilhões de dólares (167 bilhões de reais) com o México. O objetivo é
evitar que sejam impostas restrições que limitem o negócio das empresas
financeiras.
Energia.
Era um dos pontos mais sensíveis na negociação: era especulado que o
presidente mexicano eleito, Andrés Manuel López Obrador, brigaria para que não
se blindasse a reforma energética que tanto criticou durante a última campanha
eleitoral. Por enquanto não vieram à tona os detalhes do acerto, mas, de acordo
com De la Mora, “o México dá a indicação de que continua aberto ao investimento
estrangeiro no setor, tanto em petróleo, como em gás e eletricidade”. Esse
sinal seria importante aos EUA: boa parte das empresas que conseguiram
contratos de exploração de hidrocarbonetos no México nos últimos anos são
norte-americanas e a Administração Trump queria evitar qualquer tipo de revés
em suas contas de resultados. “O esperado seria blindar a reforma energética”,
finaliza De la Calle. A auditoria de contratos anunciada por López Obrador para
saber em quais condições serão adjudicadas continuará seu caminho sem prejuízo
do acordado na segunda-feira.
EL
PAÍS
México / Nova York
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