Editorial
Ainda há muito a esclarecer sobre esquema de corrupção envolvendo
empresários de ônibus e políticos
Durante décadas, ouviu-se falar na caixinha da Fetranspor, a poderosa
Federação das Empresas de Transporte do Estado do Rio de Janeiro. E a
instituição sempre negou. Parecia mais uma daquelas lendas urbanas. Mas, em
julho do ano passado, a força-tarefa da Operação Calicute, braço da Lava-Jato
no Rio, jogou luz sobre o assunto. As investigações mostraram que empresários
de ônibus pagavam propina ao então governador Sérgio Cabral e a políticos como
Jorge Picciani e Paulo Melo, ex-presidentes da Assembleia Legislativa, e Edson
Albertassi, todos do MDB, em troca de vantagens como reajuste de tarifa ser et
en ção de créditos do RioCard.
Na última sexta-feira, a confirmação da existência da caixinha veio de
ninguém menos que Jacob Barata Filho, conhecido como o Rei do Ônibus, em
depoimento ao juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal. O empresário,
que não usou a palavra propina, disse que “o objetivo desse caixa era buscar a
satisfação do usuário e evitar projetos que viessem a prejudicar o setor”. Segundo
Jacob Barata, a prática começou há cerca de 20 anos.
Nas duas últimas décadas, o Estado do Rio teve cinco governadores, mas
pouco ou nada se sabe sobre as relações dos empresários com outros mandatários
além de Cabral. E com outros presidentes da Assembleia Legislativa, fora
Picciani e Melo.
Chama a atenção o fato de o esquema funcionar com empresas que operam
linhas intermunicipais. O executivo Lélis Teixeira, um dos que foram presos na
Operação Calicute, presidia tanto a Fetranspor quanto o Sindicato das Empresas
de Ônibus do Rio (Rio Ônibus), que reúne as linhas municipais, parte mais
rentável do sistema.
Na verdade, é preciso detalhar melhor essa troca de favores entre
empresários de ônibus e políticos. Não há dúvida de que as empresas tinham um caixa
2 para pagamento de propina a agentes públicos. Pelo que foi revelado até
agora, o esquema era bem azeitado. O dinheiro era recolhido nas garagens e
guardado no cofre de uma transportadora de valores, no Santo Cristo.
Sabe-se também que empresários recebiam em primeira mão os projetos de
interesse do setor que seriam votados na Alerj. Mas há que se esclarecer de que
forma eles eram beneficiados, ou seja, que projetos sofreram interferência
direta dos empresários e, principalmente, como as tarifas foram manipuladas.
Jacob Barata Filho disse que, após 2009 (governo Cabral), a
“contribuição” dos empresários passou a ser de R$ 6 milhões por mês. É óbvio
que esse dinheiro não era “para melhorar o sistema de transporte”. Se fosse, os
ônibus não estariam caindo aos pedaços, prestando um péssimo serviço à
população do estado.
Diante da possibilidade de as tarifas terem sido reajustadas sem
parâmetros técnicos, o mais sensato seria submeter o atual sistema a uma
auditoria, para que se tenha transparência. O que aí está é fruto de um esquema
corrompido. Um serviço que perdeu o rumo.
O
Globo
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