William Waack
Há décadas a coerência de postulados
políticos nas alianças é quimera
Há muita
gente tratando como traição aquilo que é a essência do jogo político
brasileiro. O noticiário dos últimos dias está repleto de exemplos de caciques
políticos que apoiam um nome à Presidência e, ao mesmo tempo, dão palanque em
suas regiões a agremiações de adversários do candidato nacional.
É uma ocorrência
comum em todas as últimas eleições. É um comportamento que não deveria
surpreender nem ser chamado de traição e, no extremo lógico do raciocínio,
tampouco mereceria destaque no noticiário. Na verdade, se notícia é coisa
inédita então notícia seria se não se registrasse comportamento desse tipo.
Começa
pela maçaroca ideológica brasileira, que não comporta definições precisas do
que seja a tendência política dos partidos, se é que se pode falar disso.
Afinidades em torno de plataformas ou posturas político/ideológicas são muito
raras, e pertencem, a rigor, a extremos do espectro. Os partido já eram fracos
ainda antes do esfarelamento que sofreram com a Lava Jato e não têm (mesmo o
PT) a tal da “fixação estrutural” da qual falam os cientistas políticos, isto
é, não se mantêm o que são por um longo prazo de tempo.
No
sistema político eleitoral brasileiro a federação cria realidades políticas
estaduais diante das quais, sob a ótica dos caciques donos de partidos, faz
todo sentido buscar alianças promissoras no plano nacional e combiná-las – ou,
melhor dito, e levá-las adiante na campanha – com acertos de importante
expressão regional. Note-se que há décadas a coerência de postulados políticos
nas alianças é quimera atrás da qual correm apenas desavisados assistindo ao
circo – incluindo o PT, que já foi um “partido orgânico”, por seu enraizamento
em determinados segmentos sociais.
Neste
momento da campanha, o verdadeiro teste pelo qual passa uma candidatura como a
de Alckmin, cuja aposta central é a eficácia dos meios tradicionais de se lutar
numa campanha eleitoral (TV, dinheiro e parte da máquina pública), é o teste da
percepção que caciques desenvolvem das chances de vitória, e não tanto as tais
“traições”. Essa percepção reflete, por sua vez, uma atitude bastante comum no
grosso do eleitorado, segundo a qual não se joga voto fora, isto é, corre-se de
última hora rumo a quem se percebe como eventual vencedor.
Colocados
esses pontos sobre a essência do nosso sistema (oportunismo, fragmentação, regionalismos),
ele está funcionando exatamente como seria de se esperar. A partir daí, a
“esdrúxula” montagem de alianças que defendem gregos num plano e troianos em
outro surge, na verdade, como algo coeso e coerente. O jeito com que o Brasil
vota nas eleições proporcionais, com ênfase em indivíduos disputando distritos
eleitorais muito amplos, incentiva ainda mais a fragmentação de partidos e seu
consequente enfraquecimento.
Para
eleitores razoavelmente mobilizados ou bem aglutinados em torno de candidaturas,
como acontece com o poste que Lula indicar e, do outro lado, com Bolsonaro
(cujo grau de consolidação está surpreendendo consultorias de risco
internacionais), a questão das “traições” não chega a ser relevante. No
ambiente que no momento prevalece de antipolítica, desânimo e desconfiança em
relação aos partidos, no qual começa para valer a campanha eleitoral, significa
dizer que o extraordinário número dos indecisos ou que se declaram
desinteressados em votar vai empurrando para frente a linha do tempo atrás da
qual se vislumbram possíveis vencedores.
O preço
a pagar por partidos fracos, sistema com a “essência” descrita acima e falta de
plataformas verdadeiramente “políticas” são a dúvida e a imprevisibilidade.
O Estado de São Paulo
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