Míriam
Leitão
Até as eleições de 2002, o PT jogava a culpa dos problemas brasileiros
na dívida pública. Essa bandeira, agora, foi levantada pelo candidato à
Presidência pelo PDT, Ciro Gomes. A dívida é de fato alta e virou um problema,
mas o caminho de reduzi-la é a penosa trilha do ajuste fiscal. Qualquer outra
forma tem o potencial de criar muita perturbação na economia. E há soluções
realmente perigosas.
A esquerda parecia ter entendido isso na Carta aos Brasileiros. O
ponto óbvio é que o Tesouro não deve aos bancos, mas aos investidores de todo o
país. Os fundos de pensão detêm 25% da dívida. Qualquer proposta voluntarista
pode afetar essa poupança brasileira que está nas mãos das empresas, famílias,
investidores institucionais e bancos. Afeta os aplicadores e o pagamento dos
aposentados desses fundos de pensão.
Ciro Gomes já defendeu duas propostas. Estabelecer um teto para o
pagamento da dívida. Além de um determinado valor não se aceitaria o custo
financeiro. A segunda seria usar parte das reservas para comprar parte da
dívida e reduzi-la.
A primeira solução provocaria uma crise de confiança. O investidor
poderia temer pela segurança do seu ativo, da sua aplicação. Assim, procuraria
outros ativos. O custo financeiro é de fato alto, mas o caminho para reduzi-lo
é inverso a esse. O endividamento público está em R$ 5,2 trilhões, 77,2% do
PIB. Desse total, R$ 1,1 trilhão são as operações compromissadas que o Banco
Central usa para reduzir ou aumentar a liquidez do mercado, o dinheiro em
circulação, e R$ 3,6 trilhões são a dívida mobiliária, ou seja, em títulos.
A dívida estava em 52% em 2014 e o que a fez subir para 77% foi o
déficit primário no qual o país caiu no governo Dilma. O vermelho permanece.
Quando o Tesouro fecha no negativo, precisa se endividar para fechar o ano.
Isso eleva o endividamento. Durante muito tempo, ele caiu e ficou estabilizado
exatamente porque o país teve superávit primário durante 16 anos.
As operações compromissadas vencem em prazo mais curto e por isso têm
sido apontadas como o pior do problema. Mas não são em quatro dias, como tem
sido dito. Vencem em até três meses, mas é curto prazo. Em 2006, eram 3% do
PIB, e agora, 17%. O que fez aumentar foi exatamente a compra de reservas
cambiais. No governo Lula, tomou-se a boa decisão de acumular reservas, mas
quando o governo compra os dólares ele coloca reais no mercado e precisa depois
vender papéis para diminuir os reais na economia, que poderiam alimentar a
inflação. É isso que eles chamam de regular a liquidez.
E se o Tesouro decidir fazer a operação inversa, vendendo os dólares
para resgatar a dívida? Vai trocar seis por meia duzia e ainda provocar um
efeito colateral complicado. Se o governo vender os dólares em grande
quantidade, o câmbio despenca. Ótimo para quem está endividado em dólar, ou tem
uma viagem ao exterior, mas pode quebrar os exportadores se for um movimento
brusco e superestimular a importação. Além disso, ao fazer a segunda etapa, que
seria usar o dinheiro da venda das reservas para resgatar dívida
antecipadamente, vai colocar mais reais na economia e precisará lançar títulos
para enxugar.
O Brasil pagou nos 12 meses até junho, data do último relatório, R$
397 bilhões de serviço da dívida, rolagem do principal e juros. É muito, mas já
foi muito mais. O auge do custo do endividamento nos últimos seis anos foram os
12 meses terminados em janeiro de 2016, no governo Dilma, quando os juros
estavam em 14,25% e a incerteza política cresceu com o processo de impeachment.
Era 9% do PIB e agora é 6% do PIB, porque a Selic caiu. E só caiu porque antes
foi derrubada a inflação.
Os caminhos da economia não podem ser tomados na direção inversa. É
preciso primeiro zerar o déficit, porque o governo que tentar diminuir o
endividamento ou seu custo na marra colherá inflação e pode provocar uma
corrida para tirar as aplicações em título público. O voluntarismo, a demagogia
eleitoral não cabem quando o assunto é a dívida, porque ela é a soma das
economias de todos os brasileiros. Por mais antipatia que se possa ter dos
bancos — e quem não tem? — eles não são os donos da dívida, são os
intermediadores. O Brasil aprendeu dolorosamente isso no governo Collor. Não é
possível tratar com leviandade esse problema 28 anos depois daquele trauma.
O
Globo
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