segunda-feira, 6 de agosto de 2018

A farra tem que acabar

Estadão

O funcionalismo público desfruta de um rol de benefícios e privilégios inacessível à imensa maioria dos trabalhadores do setor privado. Um exemplo bem conhecido dessa realidade é a disparidade entre as regras do regime previdenciário dos funcionários públicos e as do regime geral aplicadas aos trabalhadores. Há também outras benesses menos conhecidas, restritas a alguns setores ou estatais, que são igualmente deploráveis. Recentemente, o Estado revelou uma série de privilégios encontrados na Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), estatal criada no segundo governo Lula. A empresa tem 2.307 empregados, que, nos últimos seis meses, apresentaram 2.845 atestados médicos e pedidos de afastamento. Certamente, o departamento pessoal da estatal tem muito trabalho: são, em média, quase 16 solicitações por dia.

O número descomunal de ausências não é fruto do acaso. Na EBC vigora um peculiar acordo coletivo que permite aos funcionários faltarem até cinco dias por ano para acompanhar, em consultas ao médico ou ao dentista, o cônjuge, o companheiro, o pai, a mãe, o filho, o enteado ou dependente legal. Fica fácil encontrar motivo para faltar ao trabalho.

Outra generosidade da estatal da comunicação é que, se o período do afastamento for inferior a quatro meses, o empregado tem direito ao salário integral. Sendo assim, também não é de estranhar a quantidade de pedidos de afastamento.

A EBC também é generosa com os salários. Na sua folha de pagamento, constam ao menos 83 empregados que recebem mais de R$ 20 mil, além de outros benefícios. No setor de contabilidade, há uma funcionária concursada que recebe R$ 35,8 mil mensais. Conforme a Constituição estabelece, o teto salarial do funcionalismo é o salário de ministro do Supremo Tribunal Federal, que hoje é de R$ 33,7 mil.

Em maio, por exemplo, houve cinegrafistas que receberam R$ 25 mil da EBC. A iniciativa privada paga, em média, R$ 4 mil para a mesma função. Uma secretária recebeu R$ 27,8 mil, valor similar ao do salário inicial de um juiz. Em nota sobre os altos valores, a EBC informou que os vencimentos mais altos se referem a salários de empregados que “obtiveram progressão salarial em décadas de carreira” ou que “recorreram à Justiça para incorporar valores a sua remuneração”.

Além de lembrar as distorções salariais causadas pela submissão do Judiciário às pressões das corporações públicas, a explicação da EBC desmonta o discurso, sempre repetido por setores do funcionalismo público, a respeito do achatamento dos salários na área pública, que estariam sempre defasados. Como se vê, longe de ocasionar perdas salariais, o transcurso do tempo – a “progressão salarial em décadas de carreiras” – tem proporcionado a funcionários públicos pródigos salários, completamente fora da realidade do mercado de trabalho.

Outra estatal com uma folha de pagamento extravagante é a Infraero, segundo informações da Folha de S.Paulo. Com a concessão de vários aeroportos à iniciativa privada, a empresa reduziu suas atividades operacionais, mas não reduziu, na mesma proporção, o número de seus funcionários, havendo, agora, gente excedente. Como medida para alocar seus empregados, a Infraero chegou ao descalabro de inventar funções, até então desnecessárias, como a de vigia de refeitório.

Com uma folha de pagamento de R$ 2,1 bilhões, representando 68% das despesas operacionais, não há outra solução para a Infraero que a redução do número de funcionários. No entanto, na época das concessões, o governo federal, Dilma Rousseff à frente, assinou um acordo comprometendo-se a não demitir, sem justa causa, mais que sete trabalhadores por ano até 2018. Hoje, a empresa tem cerca de 10 mil funcionários. Como se não bastasse, o acerto foi prorrogado até 2020.

Não é sem razão que boa parte do funcionalismo público vive num mundo à parte. Há um conjunto, aparentemente ininterrupto, de péssimas decisões a sustentar, com dinheiro do contribuinte, essa vida tão diferente da do mundo real.


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