Uma
minoria de juízes realizou ontem uma inacreditável greve como forma de pressão
para que o Supremo Tribunal Federal, no dia 22, não revogue o auxílio moradia
de R$ 4.377,73 pagos desde 2014, por liminar concedida pelo ministro Luiz Fux,
a todos os magistrados - mesmo os que possuem residência na cidade em que
trabalham. O benefício é abusivo e aumenta a remuneração da elite do
funcionalismo público, cujo custo mensal médio para o contribuinte foi de R$
47,7 mil em 2016, bem superior aos R$ 33,8 mil do teto de remuneração da União.
O
auxílio, pelo desejo das entidades que coordenaram a greve, à qual a Associação
dos Magistrados do Brasil não aderiu, tende, se nada for feito, a seguir o
mesmo destino dos vários penduricalhos criados ao longo do tempo que, uma vez
dados, acabam se tornando "um direito" e, depois, são incorporados
aos salários - pagos pela população que não desfruta de regalia alguma.
Os
argumentos utilizados para a defesa de uma vantagem ilegítima, que deveria se
circunscrever a quem realmente a ela faz jus, são pérolas do corporativismo. Um
deles é o de que enfraquecer a Justiça Federal seria enfraquecer também a luta
contra a corrupção. Em artigo na "Folha de S. Paulo" de ontem,
Guilherme Feliciano, presidente da Anamatra, que reúne os juízes do Trabalho,
alude ao auxílio moradia como verba pecuniária genérica. "Assim como se
paga vale transporte a quem tem carro, na perspectiva de minorar as despesas de
deslocamento para o trabalho, a ajuda de custo para moradia alcança também quem
tem imóvel próprio".
Além
disso, fica claro no artigo que o auxílio deveria ser mantido para compensar
outra série de direitos que o Judiciário não tem, apesar de seus membros
receberem os maiores salários da burocracia estatal. Segundo Feliciano, os
juízes não recebem horas extras, FGTS, adicional noturno, nem há limite para a
jornada de trabalho. E, talvez o cúmulo da injustiça, "submetem-se a
cobranças habituais de produtividade e desempenho".
Com um
emaranhado de vantagens que se espalham da União para os Estados e dos Estados
para a União, os salários de juízes e procuradores vão muito além do teto
constitucional. Há uma série de benesses ao lado da destinada à moradia, como o
custeio de creche, educação para os filhos, compra de livros, por exemplo, em cuja
profusão o Rio de Janeiro, um Estado falido, é pródigo. Esse dinheiro acaba
sendo sagrado. Em alguns Estados em dificuldades onde os salários de policiais
ou de servidores estavam em atraso, o Judiciário determinou o sequestro de
verbas para que seus membros não deixassem de receber os seus.
Além de
o sistema ser injusto, pois o acesso do pobre a ele é negado, seu custo é bem
mais alto que o de outros países desenvolvidos, como EUA e Alemanha. Mais
ainda, a lentidão da Justiça brasileira é conhecida e as melhorias também
ocorrem com exasperante vagar.
Se os
juízes tem vantagens sobre os demais servidores públicos, estes o têm em
relação à população que lhes paga o salário. Em 2017, funcionários da União e
MP federal receberam além do salário, 77% em gratificações ("Folha de S.
Paulo", 10 de março). Os salários consumiram R$ 54,5 bilhões e as
gratificações, R$ 42,3 bilhões. O principal item dessa despesa é a do exercício
de cargo efetivo, um bônus pelo desempenho individual e do órgão no qual o
funcionário trabalha.
Pelo
pagamento generalizado do bônus, se poderia supor que os serviços prestados
pela União são o estado da arte. O que é um bom incentivo à produtividade foi
desvirtuado e tornou-se uma forma de reajustar salários de forma indireta. Os órgãos
do governo traçam suas próprias metas, não as medem e concedem bônus integrais
a 500 mil dos 633 mil servidores da ativa. Como a criatividade é um dom nesse
meio, descobriu-se um jeito de estender metade do bônus a aposentados.
Depois,
com o tempo, e com disputas, a Justiça acaba consagrando a incorporação das
gratificações nos salários. Fecha-se então o círculo: o corporativismo da
Justiça, que reivindica vantagens para si, as concede nas demandas corporativas
dos funcionários. Dessa forma, a folha de salários da União cresce desde 2002 a
uma velocidade muito acima da inflação e isso ainda ocorre, mesmo depois da
implantação do teto de gastos. A resistência para defender esses
"direitos" é feroz e está entricheirada no Congresso.
Valor Econômico
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