Cláudio de Oliveira
O
presidente da República amplia o investimento público, expande a economia e
melhora a renda da população. Desfruta então de alta popularidade. Porém, as
contas públicas entram em desequilíbrio, a inflação se acelera e a atividade
econômica declina. O presidente empurra os problemas para o seu sucessor, cujas
medidas aumentam as dificuldades e levam o país a crises política e econômica.
Sem apoio, o sucessor se vê fora do poder. O vice-presidente assume, tenta um
ajuste e apresenta um programa de recuperação econômica. Procura um amplo
entendimento em torno das medidas, mas elas enfrentam oposição no Congresso e
na sociedade.
Essa
sequência de acontecimentos nos parece familiar e as personagens poderiam ser o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a sua sucessora Dilma Rousseff e o
vice-presidente Michel Temer. As autoridades econômicas envolvidas na busca de
promover o ajuste e a retomada poderiam ser os ministros Joaquim Levy, Nelson
Barbosa e Henrique Meirelles. Os leitores que viveram o final da década de 1980
poderiam lembrar que essa sequência de fatos se encadeia também com o
presidente José Sarney, o seu sucessor Fernando Collor de Melo e o
vice-presidente Itamar Franco. Os ministros que tentaram recolocar a economia
nos trilhos poderiam ser uma sequência de nomes como Luiz Carlos
Bresser-Pereira, Maílson da Nóbrega e Zélia Cardoso de Melo, até Fernando
Henrique Cardoso, o titular da Fazenda que lançou o Plano Real em 1994.
Mas o
livro Em busca da esquerda esquecida: San Tiago Dantas e a Frente
Progressista, de autoria de Gabriel da Fonseca Onofre, recorda que essa
sequência aconteceu bem antes e tem outras personagens: o presidente da
República em questão era Juscelino Kubitschek, o sucessor, Jânio Quadros, o
vice-presidente, João Goulart e os ministros eram Celso Furtado, do
Planejamento, e San Tiago Dantas, da Fazenda. A dupla apresentou em dezembro de
1962, o Plano Trienal, com medidas que, num primeiro momento, buscavam ajustar
as contas públicas, cujo déficit havia sido então de 36%. E outras para, no
momento seguinte, recuperar a produção nacional, que havia caído de 7,7% em
1961 para 3,5% em 1962, e debelar a inflação de 50,1% do final do ano. Números
preocupantes, mas ainda longe da inflação de 4.853% de 12 meses, em março de
1990, quando José Sarney passou a faixa para seu sucessor, Fernando Collor de
Mello.
Segundo
o livro, o Plano Trienal tinha o “objetivo de estabelecer regras e instrumentos
rígidos para o controle do déficit público e o combate à inflação sem
comprometer o desenvolvimento econômico”. E “as seguintes políticas eram a base
do plano: restrição salarial, limites de crédito e preços e corte nas despesas
governamentais. Afetava-se, portanto, interesses de capitalistas e
trabalhadores”. Os sindicatos e partidos como PTB, PSB e PCB então se
mobilizaram contra o plano, receosos de aceitar restrições salariais em troca
de uma incerta expansão da renda no futuro.
Sem
apoio tanto de sindicalistas quanto de líderes empresariais, o Plano Trienal é
abandonado. Um anos depois, diante do agravamento da crise, o presidente João
Goulart pede a San Tiago Dantas a articulação de uma base de apoio parlamentar
em torno de um programa de reformas moderadas. Mesmo então fora do governo, San
Tiago Dantas propõe a Frente Progressista, uma aliança reunindo o PTB do
presidente João Goulart, mais os centristas do PSD de Juscelino Kubistchek,
Tancredo Neves e Ulysses Guimarães, e do PDC de Franco Montoro, as esquerdas
representadas pelo PSB de João Mangabeira e o PCB de Luís Carlos Prestes, bem
como setores ligados à conservadora UDN. Porém, o acordo foi bombardeado pela
Frente de Mobilização Popular, criada em 1962 e liderada pelo deputado e
ex-governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola.
Composta
pelo Comando Geral dos Trabalhadores, o Pacto de Unidade e Ação (organização
intersindical formada por representantes de ferroviários, marítimos e
aeroviários e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria), a
União Nacional dos Estudantes, a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas
e diversos parlamentares da Frente Nacionalista, a FMP pressionou João Goulart
a abandonar a articulação da Frente Progressista.
Com
apoio das Ligas Camponesas, de Francisco Julião, deputado do PSB, a FMP
pressionou para que o presidente adotasse um programa de reformas radicais,
parte das quais reveladas no comício da Central do Brasil, realizado no Rio de
Janeiro, em 13 de março de 1964. Foram então anunciadas a nacionalização de
todas as refinarias de petróleo, a desapropriação de terras improdutivas à
beira de estradas e ferrovias federais e a taxação da remessa de lucros de
empresas estrangeiras. Sem apoio para a sua proposta de aliança entre o centro,
a centro-esquerda e a esquerda, San Tiago Dantas retira-se da cena pública e
dedica-se ao tratamento de um câncer de pulmão. Morreria meses depois. Como
sabemos, João Goulart foi deposto pelo movimento civil-militar deflagrado na
virada de 31 de março para 1º de abril de 1964.
O professor
Gabriel da Fonseca Onofre narra em detalhes toda a trama de acontecimentos que
levou ao abandono do Plano Trienal, ao fracasso da Frente Progressista e que
desaguou no golpe de 1964. O livro nos conduz a uma reflexão sobre aqueles
fatos históricos. Pelas propostas de San Tiago Dantas, talvez o regime
autoritário tivesse sido evitado. E quem sabe as crises do impeachment de
Fernando Collor de Melo, em 1992, e a do impeachment de Dilma Rousseff, em
2016, não existiriam. Porém, a história se repetiu não como farsa, mas como
duas tragédias que nos levaram a fortes períodos de recessão. E o recente, teve
uma das maiores retrações: queda de 8,2% do PIB e pico de 14,2 milhões de
desempregados. Vale a pena conferir o livro. Na esperança de que nos ajude a
evitar nova sequência de acontecimentos semelhantes.
Gilvan Cavalcanti de
Melo
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