quinta-feira, 1 de março de 2018

Preço da gasolina é a expressão de quatro problemas brasileiros

Guido Orgis

A Petrobras decidiu divulgar o preço dos combustíveis em suas refinarias. Foi um passo importante para dar transparência à formação de preços no país. Descobrimos que a gasolina deixa a refinaria por R$ 1,51 e chega na bomba a R$ 4,21, em média. Esses são os valores para o início da semana passada e eles oscilam quase diariamente.

Os preços dos combustíveis são altos quando comparados a outros países que não dependem de petróleo importado. O Brasil tem a segunda gasolina mais cara em uma lista de 15 países produtores de petróleo. Não sei dizer se a gasolina deveria ser mais cara ou barata, mas tenho certeza de que hoje seu valor na bomba expressa uma série de ineficiências características do Brasil. Em alguns lugares, o preço reflete a escassez ou não de petróleo. Em outros, reflete políticas ambientais que encarecem os combustíveis. No caso brasileiro, temos ali outros problemas.

1. Monopólio
O setor petrolífero ainda sofre da falta de competição, em especial em refino de petróleo. A abertura do mercado de exploração foi feita só nos anos 90 e, até hoje, a Petrobras é responsável por pouco mais de 90% da produção. Em refino, a concentração é ainda maior – só existe uma pequena refinaria privada no Brasil. Somente em 2016 a Petrobras passou a adotar uma política de preços que reflete o mercado internacional, o que abre mais espaço para importações e o funcionamento de empreendimentos privados. Como o setor demanda muito capital e investimento de longo prazo, serão necessários ainda muitos anos para que o monopólio no setor deixe de ter efeitos no mercado.

Monopólios muitas vezes distorcem preços. Em alguns casos, mantêm os valores muito abaixo do praticado pelo mercado para evitar competição. Isso aconteceu com a Petrobras na época da gasolina artificialmente barata do primeiro governo Dilma Rousseff. Em outros momentos, o fechamento de mercado para competidores permite que os preços sejam altos e paguem por ineficiências. Como a Petrobras tem mantido os preços alinhados ao mercado internacional, pode ser que o custo dessa ineficiência refletido no preço seja pequeno (equivalente ao custo para se fazer a importação do produto). Mas não temos como ter certeza porque não há competição de fato.

2. Impostos
Os governos em todas as esferas buscam setores que sejam fáceis de tributar e que tenham pouca sonegação. Para isso, nada melhor do que um setor monopolizado, em que você pode cobrar o imposto de forma antecipado e que opera com produtos negociados em grandes volumes. Não é por acaso que a tributação sobre energia elétrica e derivados de petróleo no Brasil está entre as mais elevadas do mundo. No caso da gasolina, a carga tributária é de 44%. É comparável ao cobrado em países europeus, onde o imposto é alto para compensar a emissão de gases. Nos EUA, o imposto é de 20%.


O problema brasileiro é que não há uma escolha ambiental na tributação. Ela foi feita puramente pela facilidade em aumentar a arrecadação do governo. No ano passado, o Ministério da Fazenda decidiu de uma só vez dobrar a alíquota de PIS/Cofins dos combustíveis para reforçar a arrecadação. Esse tipo de medida, quando se espalha por vários produtos com essas mesmas características, concentra a tributação sobre o consumo, em vez de buscar fechar buracos na tributação sobre a renda e lucros (como é o caso no Brasil).

3. Cartéis
Não são só o monopólio e os impostos que distorcem o mercado de combustíveis no Brasil. Há também diversos casos de investigação de cartéis de postos. O problema já foi comprovado em algumas cidades. O Cade, órgão que apura os cartéis, condenou os postos em 12 dos 17 casos de cartéis investigados de 2012 até 2017. Neste mês, o secretário geral da Presidência, Moreira Franco, pediu que o Cade investigasse o varejo de combustíveis. Sem concorrência na bomba, é difícil entender como são formadas as margens de lucro e qual deveria ser realmente o valor cobrado do consumidor.

4. Logística
Um estudo de 2006 da Coppead mostra que a infraestrutura no Brasil eleva os custos dos derivados. Na época, os caminhões respondiam por 100% da entrega de combustíveis para postos, e por 31% das transferências (entre refinarias e distribuição). Como a infraestrutura não mudou muito desde então, é provável que o percentual seja semelhante. Os autores encontraram rotas de até 500 quilômetros feitas por modal rodoviário para a entrega de combustíveis.

Há também um problema com a densidade da malha ferroviária, que atende a 60% do volume de transferência de combustíveis. Além da defasagem tecnológica, essa malha não foi construída para acompanhar os eixos atuais de demanda. Em muitos casos, isso faz com que os caminhões tenham de fazer uma última “perna” de transporte mais longa do que o recomendado. O ideal seria uma concentração maior do transporte por dutos e ferrovias, em rotas mais adequadas à demanda.

Gazeta do Povo

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