terça-feira, 6 de março de 2018

Manipulação populista

Suely Caldas

Maduro gosta de programas que deem ganho político

A Venezuela não vive uma guerra sangrenta como a Síria. Mas a fuga de venezuelanos para Brasil, Colômbia, Peru, Chile e até Panamá chega a superar a dos sírios para a Europa. Eles fogem da fome, da miséria, da carestia, do desemprego. Se em 2016 chegavam ao Brasil chefes de família à procura de trabalho, hoje são famílias inteiras, crianças, mulheres grávidas, em busca de abrigo, comida e esperança, coisas que desapareceram em seu país. No ano passado, o PIB despencou 17%, e o imposto mais cruel contra os pobres — a inflação — cobrou dos venezuelanos a extraordinária alíquota de 2.616%.

É este o resultado do populismo eleitoreiro que, nos últimos quatro anos, fez disparar a miséria na Venezuela e levou à expulsão de um milhão de pessoas do país. É o que mostra pesquisa feita pela Universidade Católica Andrés Bello (Ucab), uma das mais conceituadas de Caracas, com dados de 2017. Quando a pesquisa foi iniciada, em 2014, 48,4% dos venezuelanos não tinham renda para comprar os produtos da cesta básica e, destes, 23,6% não conseguiam sequer comprar os alimentos da cesta. No final de 2017, estes índices dispararam para 87% e 61%. A Ucab calcula que hoje 61% da população viva em desespero e situação de pobreza extrema.

“A pobreza disparou a tal ponto que praticamente toda a população está classificada como pobre. E na crise o governo Maduro tenta concentrar sua política social na distribuição de alimentos porque, neste momento, é a necessidade básica e a que ainda produz rendimento político”, analisa Anitza Freitez Landeata, responsável pela pesquisa.

Enquanto na Europa o populismo de direita dispara com odiosa rejeição a imigrantes e um separatismo sem rumo, na América Latina o populismo de esquerda definha. O que fascina políticos como Maduro não é direcionar a economia para gerar empregos e salários. É distribuir dinheiro à população pobre, gastar em programas sociais de vida curta que produzam resultados rápidos em apoio político e votos na próxima eleição. Os pobres são o alvo preferencial por dois desonestos motivos. Primeiro, eles constituem a maioria dos eleitores; segundo são fáceis de manipular, enganar, explorar seu nível precário de escolaridade e informação. Os populistas aproveitam-se da situação trágica de quem precisa desesperadamente de um dinheirinho para comprar remédio ou comida para os filhos.

No Brasil o populismo de Lula produziu bons resultados, mas durou pouco e deixou uma herança amarga para a sucessora. Dilma Rousseff pôs mais lenha na fogueira. Aprofundou os erros de Lula, criando mais e mais programas sociais insustentáveis e que levaram o país à falência e à pior recessão econômica de sua história. Programas focados na pobreza, como o Bolsa Família, são bem-vindos, mas é preciso garantir suporte financeiro que lhes dê longa vida.

Na América Latina, Argentina e Equador acabam de responder não ao populismo nas urnas. Na Venezuela ele agoniza, com a miséria se alastrando pelo país despedaçado. E logo a Venezuela, rica em petróleo, com tudo para ser a economia mais potente do continente.

O Globo


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