Magnata russo opositor do regime
avalia que presidente precisa de confronto para manter-se no poder
Depois
de passar mais de dez anos na prisão, acusado de diversos crimes econômicos que
ele afirma encobrirem um castigo por sua contundente oposição a Vladimir Putin,
o ex-magnata do petróleo russo Mikhail Khodorkovski(Moscou, 1963) foi posto em
liberdade “por motivos humanitários” em dezembro de 2013 e descartou voltar a
se envolver na política. Instalado inicialmente na Suíça, pouco a pouco foi
traindo seu propósito inicial e hoje, baseado em Londres, um pouco mais perto
da ação, é novamente um dos principais opositores do regime de Putin no exílio.
Dois dias depois da contundente vitória de seu inimigo nas eleições russas, e
em meio à elevada tensão entre seu país e o Ocidente após o envenenamento do
espião Serguei Skripal e sua filha na cidade britânica de Salisbury, que
Londres atribui a Moscou, Khodorkovski recebeu um pequeno
grupo de jornalistas no quartel-general de sua fundação Open Russia.
“A
política russa adotou um modelo de jogo de espiões”, alerta de início. “Putin
se comporta deliberadamente de maneira que ninguém possa entender, até o último
momento, o que ele está tentando fazer exatamente.”
A
vitória de Putin no domingo lhe permite prorrogar seu mandato até 2024,
estendendo a quase um quarto de século seu tempo total no poder. Conseguiu 76%
dos votos e uma participação de 67%. Khodorkovski enviou 300 observadores às
eleições e apoiou o candidato vetado Navalni e Ksenia Sobchak (1,67% do
escrutínio). “O papel da fraude virá à luz logo”, acredita. “O que podemos
dizer agora é que a participação foi mais ou menos a habitual, mas a composição
dos eleitores era ligeiramente diferente. Houve um grande esforço para atrair o
voto leal, que na Rússia seria mais acertado qualificar como eleitorado
dependente. Falo de militares, policiais, funcionários do setor público e suas
famílias. Na Rússia é fácil essa gente perder seu trabalho
se não votar, ou ter problemas se descobrirem que não votaram da maneira
adequada. Como mobilizar o voto dependente? Primeiro, com medidas
administrativas; segundo, criando a ideia de um ambiente hostil contra a
Rússia.”
Essa
suposta busca de um entorno hostil que alimente o vitimismo nacional deixa
Khodorkovski pessimista. Devido à dificuldade de alcançar as metas econômicas
que se impôs, afirma, “Putin não tem realmente muitas oportunidades sem o
confronto”. “Mas vimos um declínio nos últimos quatro anos e, agora, a Rússia cresce a um ritmo mais
lento que a
economia mundial”, diz. “Nessas circunstâncias a única coisa capaz de unir as
pessoas em torno dele é o confronto. Não há outras opções”.
Pergunta. Está sugerindo que o envenenamento de Skripal, por exemplo, pode ter sido parte
da campanha eleitoral?
Resposta. Não exageraria o significado
desse incidente para a situação interna russa. Ninguém na Rússia sabe quem é
Skripal nem que história é essa. Ele é significativo, sim, para os membros do
serviço secreto. Não podemos ter certeza de nada, mas tudo parece bastante
grave, porque a família inteira do homem foi destruída.
P. Está insinuando que a morte por câncer da esposa
de Skripal e a de seu filho, em 2012 e 2017, respectivamente, não foram
acidentais?
R. Na Rússia ninguém acredita no diagnóstico. Olham
para os fatos que cercam as mortes. Especialmente porque o câncer é uma doença
fácil de provocar. Basicamente o que se vê é que havia uma família e agora não
há. Mas insisto que isso só afeta um pequeno círculo de pessoas que sabem. Para
o restante, a situação é esta: o Reino Unido está ameaçando a Rússia.
P. Qual pode ser o motivo por trás do ataque a
Skripal?
R. Não sei. Só posso dizer o que parece. Na era
soviética não havia muitos desertores do serviço secreto, depois o número
cresceu. Agora começam a matar esses desertores. Isso é interpretado como uma
mensagem muito clara: ninguém pode escapar do serviço secreto.
P. Acredita que Skripal foi atacado por seu passado
ou por suas atividades recentes?
R. Eu acredito que o caso Skripal pode incluir suas
atividades recentes. Baseio essa ideia no fato de que Viktor Suvorov, ex-membro
da inteligência militar, também desertor e residente no Reino Unido, não foi
atacado. É o que acho, mas é uma suspeita minha, nada mais.
Ao longo
da conversa, Khodorkovski insiste na distinção entre o Governo russo e o
círculo de poder em torno de Putin. “Se falarmos do Governo russo,
definitivamente não está envolvido em nada disso”, adverte. “O Governo russo é
formado por funcionários que fazem coisas de funcionários, e só se pode acusá-los
de aceitar subornos de vez em quando. Mas é preciso distinguir entre o Governo
russo e a corte ou o círculo de Putin. Agora estamos falando das ações do
círculo de Putin. É muito improvável que o dinheiro utilizado para financiar
esse ataque provenha diretamente dos Orçamentos da Federação Russa. Estamos
falando de dinheiro desviado dos cofres públicos. Putin sabe que esse dinheiro
foi desviado com sua aprovação e que pode ser usado para resolver certos
problemas."
P. Que papel atribui a Putin nessa organização
criminosa de que fala?
R. Desempenha o mesmo papel que desempenhava [no
FSB, o serviço de segurança nacional russo] em São Petersburgo. Ali,
oficialmente, era responsável pelas relações internacionais, mas
extraoficialmente era o responsável por manter o equilíbrio entre os grupos
criminosos. É exatamente essa a função que desempenha agora, só que em outro
nível. Mantém o equilíbrio na quadrilha, mas oficialmente se encarrega das
relações internacionais.
P. Recentemente disse que Putin talvez não consiga
controlar essa organização criminosa.
R. Não quero dizer que Putin esteja consciente de
que é refém desse grupo. Mas essas pessoas aprenderam a manipulá-lo. Quem
acompanha a situação de perto vê que o nível de manipulação a que é suscetível
cresce a cada ano.
Essa
distinção entre o Governo russo e a corte de Putin é fundamental, segundo
Khodorkovski, para entender como o Ocidente deve reagir a uma ação como o
ataque a Skripal. “Acredito que o Governo britânico seguiu um paradigma
equivocado”, diz. “Acreditaram que estavam tratando com o Governo russo,
quando, na realidade, era com uma organização criminosa. Coberta e protegida
pelo Governo russo, mas uma organização criminosa. Existem em planos
diferentes. Deve ser combatida com os métodos usados para combater grupos
criminosos. Impor limitações para fazer negócios com clientes russos traria um
problema, por exemplo, para mim, ou para qualquer pessoa de origem russa. Mas
não para o grupo criminoso no círculo de Putin, porque sabem como driblar essas
regras. Antes de tudo é preciso reconhecer que estamos diante de uma
organização criminosa. Deveria haver uma investigação policial. Não é um grupo
grande. São menos de cem pessoas. Existe e foi descrito muito bem. Quase todos
estão na lista divulgada por Washington [o relatório do Kremlin, do
Departamento do Tesouro norte-americano, que inclui 220 nomes]. Se isso for
reconhecido como uma organização criminosa, então a participação de um
indivíduo nesse grupo pode ser razão para investigar criminalmente essa
pessoa”.
P. O que você faria se estivesse no lugar de Theresa
May?
R. Em primeiro lugar, não desejaria estar no lugar
dela agora, com o Brexit, este outro problema, mais à frente… sua situação é
horrível. Em termos diplomáticos acredito que
seu comportamento foi adequado.
Destacaria positivamente de sua resposta o fato de fazer a distinção entre
Rússia e autoridades russas. A partir daí, estamos diante de uma organização
criminosa que muito provavelmente opera em território britânico. Comecemos com
a investigação, tentando identificar quem pertence a essa quadrilha para depois
definir o que é preciso ser feito. Existem muitas ferramentas para combater o dinheiro
sujo, a corrupção política, a corrupção nos meios de comunicação. Só é preciso
reconhecer que se está lidando com um grupo criminoso, é preciso saber quem faz
parte dele e então usar as ferramentas.
EL PAÍS
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