Nathalia
Passarinho
Uma
explicação comum para justificar o grande número de partidos políticos no
Brasil é o fato de o país ser grande e heterogêneo. Portanto, várias legendas
seriam necessárias para representar os diferentes grupos que fazem parte da
sociedade.
Mas não é isso o que mostra uma pesquisa inédita da Universidade de
Oxford, no Reino Unido, e da Fundação Getulio Vargas (FGV), segundo a qual
apenas dois partidos já seriam suficientes para representar a sociedade
brasileira no Congresso Nacional.
"Tem muitos partidos desnecessários no Brasil, em termos de
representação ideológica. Quando um partido é criado, normalmente é para
atender a um grupo ideológico pouco representado, dar voz a grupos. Mas não é o
que esta acontecendo. Os partidos no Brasil estão sendo criados por outras
razões, não para defender bandeiras", afirmou à BBC Brasil o professor
Timothy J. Power, diretor do Programa de Estudos Brasileiros da Universidade de
Oxford.
Entre abril e setembro do ano passado, Power e César Zucco, professor
da FGV, distribuíram a deputados e senadores um questionário com perguntas
sobre diferentes temas – de economia e controle fiscal a reforma política e
aborto. O levantamento, chamado de Brazilian Legislative Survey (BSL), é feito
a cada quatro anos e tem o objetivo de captar a evolução do pensamento do
Congresso Nacional desde a redemocratização.
A partir da resposta dos legisladores, os pesquisadores descobriram
que as 25 legendas com representação na Câmara têm posições muito semelhantes.
Seria possível dividir esses partidos em dois grupos, um de
centro-direita, composto pelo chamado "centrão", além de PP, PSDB e
MDB, e outro de centro-esquerda, formado por partidos como PT, PC do B e PDT. O
bloco de centro-direita têm hoje 60% das cadeiras na Câmara dos Deputados, e o
de esquerda, 40%.
"No campo das ideias, pelos 20 assuntos que a gente mediu, dois
partidos são suficientes e representariam razoavelmente e de forma coerente a
sociedade. Um seria estaria mais à esquerda e outro mais à direita", disse
o professor César Zucco à BBC Brasil.
Power traça um paralelo da distribuição atual de cadeiras no Congresso
entre centro-direita e centro-esquerda com o cenário partidário do Brasil em
1979, ainda no regime militar, quando havia apenas dois partidos com representação
no Congresso.
"Se você pensar, é parecido com o Brasil em 1979. Tinha dois
partidos na época. O Arena (partido governista), com 60% das cadeiras, e o MDB
(que fazia oposição ao governo militar), com 40%. Nós vemos a mesma coisa hoje:
existem dois grupos, sendo que o de centro-direita tem maior representação no
Legislativo", afirma.
A conclusão de que duas legendas já seriam suficientes para
representar as posições dos grupos políticos existentes hoje no Congresso
indica que a acelerada criação de partidos no país não é estimulada pela
demanda de setores por representação, mas sim por estratégias políticas e
interesses eleitorais.
"Isso confirma a ideia de que, claramente, esses partidos não
existem para representar ideologias e ideias que precisam ser representadas.
Eles representam ideias parecidas e existem por questões estratégicas dos
deputados e senadores", afirma Zucco.
"Atendem a interesses locais, porque os políticos precisam de
legendas diferentes para competir em eleições; a interesses em termos de
financiamento, por causa do acesso a recursos partidários; e ao interesse de
acesso a recursos dentro do Congresso Nacional, como pessoal, verba,
participação em comissões", completa o professor da FGV.
A pesquisa não defende a mudança de modelo político para um sistema
bipartidário ou com menos legendas, apenas demonstra que a posição dos 25
partidos que hoje têm representação no Congresso Nacional é similar a ponto de
ser possível dividir o Legislativo em dois grupos.
O efeito impeachment: PT mais à esquerda e PSDB, à direita
Além de mapear a posição dos partidos quanto aos principais temas
econômicos e sociais, Power e Zucco também mediram a percepção que
parlamentares e senadores têm da ideologia das legendas com representação no
Congresso.
Os dois pesquisadores perguntaram aos parlamentares onde eles
classificariam cada partido político, numa escala de 1 a 10, sendo 1 "de
esquerda" e 10, de "direita".
A análise histórica das respostas, captadas desde 1990, demonstra que
partidos de centro e centro-esquerda, quando assumem a Presidência, tendem a
dar uma guinada à direita, porque precisam fazer concessões a grupos
conservadores para governar. Foi o caso de PSDB e PT nos governos dos
ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.
Setas mostram trajetória dos partidos, para esquersa ou para a direita
no espectro ideológico. PT andou para a "direita" quando esteve na
presidência, mas após o impeachment de Dilma deu uma guinada à esquerda |
Fonte: BLS
Por causa da enorme fragmentação no Congresso e do excesso de partidos
políticos, dificilmente o presidente terá, sozinho, maioria para governar. Por
isso, forma coligações com outras legendas, ainda que elas não tenham
semelhança ideológica com o partido vencedor da eleição.
No governo Lula, por exemplo, o PT se aliou a partidos de
centro-direita e direita, como PMDB, PTB e PP. Nos dois mandatos, o Brazilian
Legislative Survey captou um "salto" forte do partido para a
"direita" em termos de ideologia.
"Se voltamos aos anos 1990, havia uma polarização no governo FHC
por causa das políticas neoliberais adotadas. O PT fazia uma oposição forte a
elas. Lula ganhou em 2002 e trouxe o PT e partidos mais de esquerda para o
centro", disse Power à BBC Brasil.
Desde o governo Lula, a polarização vinha diminuindo no país. Os
levantamentos com parlamentares entre 2002 e 2014 mostram a construção de
consensos entre partidos em questões econômicas e sociais, como interferência
moderada do Estado na economia, necessidade de responsabilidade fiscal e adoção
de programas sociais baseados em transferência de renda – Bolsa Família, por
exemplo.
Mas, segundo Power, o impeachment de Dilma Rousseff interrompeu o
ciclo de aproximação entre partidos de esquerda e centro-direita.
"Durante o governo FHC, os partidos de esquerda eram mais
isolados. Nos anos 2000, eles se aliaram a partidos de centro e centro-direita
para permitir a governabilidade de Lula. O impeachment cortou essa
aliança."
Com o rompimento dos laços com siglas como o MDB, o PT e demais
partidos tradicionalmente vistos como de esquerda, como PC do B e PDT, tendem a
voltar às raízes, adotando posições mais "esquerdistas", como maior
presença estatal na economia.
"Agora que romperam com a direita, nada os impede de adotar uma
ideologia de esquerda mais radical", avalia o professor de Oxford.
Enquanto isso, o PSDB deu um passo largo para a "direita",
na percepção dos parlamentares, em comparação com o resultado dos levantamentos
de 2014. "O PSDB vem andando para a direita desde que iniciamos o
levantamento, em 1990. Mas agora o movimento foi bastante forte", diz
Zucco.
"A percepção dos políticos de 'esquerdização' do PT e de
'direitização' do PSDB tem a ver com o impeachment", destaca.
Em que
espectro estão os partidos
De acordo com a pesquisa de Power e Zucco, o partido hoje visto entre
os parlamentares como mais "de esquerda" é o PSOL, seguido por PC do
B, PT e Rede.
Esta é a forma como os deputados e senadores percebem a posição ideológica
dos partidos. Os que aparecem mais à esquerda, são vistos como mais
esquerdistas, enquanto os mais à direita, foram classificados como mais
direitistas pelos parlamentares | Fonte: BLS Survey
O levantamento também captou a ascensão do chamado Centrão, partidos
de médio porte que tiveram papel chave no impeachment de Dilma. Juntos, eles
formam uma das maiores bancadas da Câmara e são essenciais à sobrevivência do
governo Michel Temer.
Fazem parte desse grupo, visto como "de centro" pelos
parlamentares, PSC, Pros, PTB e Podemos (visto na tabela acima com a sigla
Pode). Classificados como centro-direita, estão MDB, PSDB, PSD e PR.
O partido visto como mais "de direita" é o Democratas,
seguido por PP e PSL. O DEM é também a sigla que de forma mais consistente se
manteve "à direita" na percepção dos legisladores desde que o BLS
começou a ser feito, em 1990.
Com base nas respostas diretas dos parlamentares às perguntas que
medem a posição ideológica, é possível dividir o Congresso em dois grandes
grupos, segundo o estudo: um de centro-esquerda, composto por PSOL, PC do B,
PT, Rede, PDT, PSB, PPS e PV, e outro de centro-direita, com os demais
partidos.
O que esses
achados dizem sobre o cenário pós-2018?
Em resumo, o Brazilian Legislative Survey captou um Congresso Nacional
polarizado. E, embora existam 25 partidos com deputados eleitos, o legislativo
poderia ter apenas dois se levada em conta a semelhança entre eles em questões
ideológicas.
Embora haja movimentos na sociedade por uma renovação na política, os
pesquisadores avaliam que a fotografia atual do Congresso tende a ser reeditada
após a eleição de outubro. Com a restrição ao financiamento empresarial de
campanha, candidatos dependerão do Fundo Partidário. E quem recebe mais
dinheiro são os partidos tradicionais, que elegeram mais deputados em 2014.
O presidente que se eleger precisará, segundo Zucco e Power, captar o
apoio de parte do bloco de "centro-direita" – que tem 60% das cadeiras
–, principalmente dos partidos que hoje integram o chamado Centrão.
"Vai ter menos renovação do que o espírito das ruas sugeririam.
Quem tem acesso ao dinheiro são os políticos que já estão no poder. O próximo
presidente vai ter que fazer mais do mesmo. O grupo majoritário (Centrão) é o
que dá apoio ao Temer e ele vai ter que ser cooptado pelo próximo governo. Não
dá para esperar muita diferença", diz Zucco.
"O presidente que se eleger vai ter minoria no Congresso (por
causa do grande número de partidos que devem eleger deputados), dificilmente
terá 12% das cadeiras. Para governar, ele vai ter que formar alianças com, pelo
menos, seis ou sete partidos", completa Power.
Da BBC Brasil em Londres
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