Fábio Prieto
Durante
os debates federalistas nos EUA, Alexander Hamilton anotou que, “depois da
vitaliciedade no cargo, nada pode contribuir mais para a independência dos
juízes que uma estipulação definitiva de seus proventos.
(...) No
curso geral da natureza humana, o poder sobre o sustento de um homem equivale
ao poder sobre sua vontade”.
Hamilton
estava preocupado com as oscilações artificiais dos vencimentos dos juízes nos
Estados. Ao defender a criação da poderosa Justiça Federal, não pretendia ver a
independência dos novos magistrados ameaçada pela redução “política” dos
salários. Não só o pragmatismo americano sabe que a remuneração compatível com
a exigência da função é o melhor cimento para vincular o cidadão ao seu dever
laboral, público ou privado. O princípio é de fácil compreensão. A execução
exige engenho.
No
Brasil, na reforma do Judiciário concluída com a, ainda vigente, Lei Orgânica
da Magistratura (1979), os vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal
Federal (STF) foram fixados como teto, em nome da unidade nacional do Poder
Judiciário. Para além dos vencimentos, foram listadas algumas vantagens
pecuniárias na Lei Orgânica da Magistratura.
Na porta
das finanças públicas a tranca foi posta em dispositivo da própria lei: “É
vedada a concessão de adicionais ou vantagens pecuniárias não previstas na
presente Lei, bem como em bases e limites superiores aos nela fixados”. O STF
garantiu eficiência razoável ao sistema no curso dos anos, proibindo a
concessão de outras vantagens, por lei federal ou estadual.
No
início dos anos 2000, o Brasil fez outra reforma do Judiciário. Criou os Conselhos
Nacional de Justiça (CNJ) e Nacional do Ministério Público, sem extinguir dois
outros então atuantes, o da Justiça Federal e o Superior da Justiça do
Trabalho. O contribuinte brasileiro passou a ser o único no mundo a sustentar o
modelo dispendioso, com quatro estruturas.
Sob a
inspiração da superação do autoritarismo e da consagração da atuação paritária,
o CNJ foi composto por conselheiros escolhidos a partir do conceito de
representação. Há representantes dos tribunais, dos juízes de primeiro grau,
dos advogados, do Ministério Público e do Congresso Nacional.
Os
princípios são generosos. Mas aplicados no projeto errado. O conselho de um
Poder do Estado não é órgão de representação paritária, mas de gestão pública e
institucional.
No
sistema de Justiça, seus integrantes precisam ser os mais experientes, com a
posição funcional mais estável. E a mais elevada, não apenas para enfrentar o
dilema das graves decisões, mas, ainda, por questão essencial da democracia: a
plena visibilidade, para a fiscalização eficaz da sociedade e da imprensa. Os
cidadãos devem saber o nome dos juízes responsáveis pela alta gestão do Poder
Judiciário, como em qualquer país civilizado.
O Brasil
tem grupo qualificado e institucionalmente livre para a tarefa: os ministros do
STF. Cometeu-se grave equívoco, todavia: só o presidente do STF foi escolhido
para compor o CNJ. O dirigente máximo do Poder Judiciário pode ser constrangido
a tomar decisões cercado pela inexperiência e pela instabilidade – os
conselheiros têm mandato curto e precário de dois anos.
Os
outros três conselhos ainda podem decidir a mesma questão ou tese. A confusão –
cara para o contribuinte – é geral.
A
reforma do Judiciário foi manipulada para introduzir no sistema de Justiça a
mensagem da luta de classes entre “nós e eles”: juízes de tribunal contra os
“da base”, de primeiro grau. Como a divisão é artificial, a conciliação, que
não era necessária, veio com a acomodação realizada por meio do aumento
exponencial das estruturas burocráticas sustentadas pelo contribuinte.
Grupos
ditos de trabalho, gabinetes, comissões, seminários, conselhos para dar
conselhos aos conselhos, laboratórios, assessorias – a nova elite
burocrático-sindical da reforma do Judiciário não sabe o que é julgar
processos. Tudo é permitido em nome de um mundo melhor, menos fazer sentenças.
Há campeões de sinecura que não redigem uma sentença há cinco, dez anos.
A
partilha dos “penduricalhos” não poderia ser feita só com as relações de
compadrio. Surgiram, então, as “eleições diretas” sem povo no sistema de
Justiça. A pele da democracia vestida pelo assembleísmo corporativo-sindical. O
método aplicado para a ruína de nosso futuro, nas universidades públicas, veio
para a condenação do presente, nas Cortes de Justiça.
A última
reforma do Judiciário produziu muitos danos e, passados mais de 13 anos, com
gastos públicos bilionários, não atingiu sequer um de seus poucos objetivos: a
definição do sistema de remuneração da magistratura, com respeito ao teto
constitucional. O mais grave dano é o mais difícil de chegar à percepção da
sociedade: a sindicalização da magistratura. Era. Há poucos dias o sindicalismo
de toga expôs ao conhecimento público a sua grande novidade, o juiz de
passeata.
Em ato
sem precedentes na História do Brasil, a caravana sindical cinco-estrelas, em
dia de expediente pesado para os demais magistrados, fez “protesto” no
prédio-sede do STF. Porque não tem nada com isso, consciente de que, seja qual
for a adversidade, nunca é hora para realizar assembleia de marinheiros no
sindicato dos metalúrgicos, a magistratura séria e trabalhadora continua a
aguardar que Alexander Hamilton seja inspirador para as instituições
brasileiras.
O
assunto público e estratégico da remuneração dos magistrados é responsabilidade
do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional. Não pode ser privatizado
pelo descansado sindicalismo de toga.”
Fábio Prieto
Desembargador
do TRF-3, do qual foi presidente e corregedor, diretor conselheiro da
International Association of Tax Judges, juiz do Tribunal Regional Eleitoral
(TRE) de São Paulo. Ele foi advogado e promotor de Justiça de entrância
especial em São Paulo e foi premiado com o primeiro lugar com O Melhor Trabalho
Forense, em 1989, na área dos Direitos do Cidadão.
O Estado de São Paulo
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