Caroline Wyatt
A Páscoa
chegou mais cedo neste ano. Será celebrada no dia 1º de abril, enquanto, no ano
passado, isso ocorreu no dia 16 do mesmo mês.
Na
verdade, desde 2008, essa festa foi comemorada sempre em dias diferentes, com o
domingo de Páscoa variando a cada ano entre os dias 23 de março e 24 de abril.
Mas por que não há uma data fixa
para a Páscoa?
Segundo
afirmava Beda, o Venerável, religioso inglês que viveu no século 7, a Páscoa se
dá no primeiro domingo depois da primeira lua cheia após o equinócio da
primavera no hemisfério norte (20 de março, em 2018).
"A
astronomia está no coração do estabelecimento da data para a Páscoa. (A data)
depende de dois fatos astronômicos - o equinócio da primavera e a lua
cheia", disse Marek Kukula, astronômo no Observatório Real de Greenwich,
em Londres.
Trata-se
de um "feriado móvel", e isso se dá graças ao sistema complexo que
foi desenvolvido para tentar calcular a Páscoa (e a Páscoa Judaica) a partir do
céu, acomodando calendários diferentes.
A data
mais frequente para a Páscoa nas igrejas ocidentais tem sido 19 de abril, mas o
evento já chegou a cair até em 25 de abril.
O nosso
calendário não combina exatamente com os ciclos astronômicos.
"Durante
milhares de anos vêm sendo feitos cálculos e ajustes na tentativa de coincidir
os calendários artificiais com a astronomia. Mas, exatamente pela falta de uma
combinação precisa entre eles, são necessários cálculos complexos para se
determinar o dia exato do equinócio e da lua cheia", acrescentou Kukula.
Apesar
da famosa briga da Igreja Católica com Galileu, em 1633, por divergências em
relação aos estudos de astronomia do físico, os religiosos sempre souberam que
era preciso calcular as datas para a Páscoa e os dias santos - e que para isso
era necessário recorrer ao estudo dos astros.
Com esse
objetivo, a Igreja Católica construiu seu primeiro observatório em 1774.
Mistura
O
complicado sistema de determinação da data da Páscoa é resultado da combinação
de calendários, práticas culturais e tradições hebraicas, romanas e egípcias.
O
calendário egípcio era baseado no Sol, prática adotada primeiramente pelos
romanos e posteriormente incorporada pela cultura cristã. O judaísmo baseia o
calendário hebraico parcialmente na Lua, e o islamismo também utiliza fases da
Lua.
A data
da Páscoa varia não somente pela tentativa de harmonizar os calendários lunares
e solares, mas também há outras complicações que acabam interferindo, como o
fato de diferentes vertentes do cristianismo usarem fórmulas distintas em seus
cálculos.
Em 1582
foi criado o Calendário Gregoriano, adotado e promovido pelo papa Gregório para
fazer com que a Páscoa caísse mais cedo e fosse mais fácil de ser calculada.
Esse é o calendário que usamos até hoje.
Segundo
a Bíblia, a morte e ressurreição de Jesus, os eventos celebrados pela Páscoa,
ocorreram na época da Páscoa Judaica.
A Páscoa
Judaica era celebrada na primeira lua cheia depois do equinócio da primavera no
hemisfério norte.
Mas isso
levou os cristãos a celebrar a Páscoa em diferentes datas. No fim do século 2,
algumas igrejas celebravam a Páscoa junto com a Páscoa Judaica, enquanto outras
marcavam a data no domingo seguinte.
No ano
325, a data da Páscoa foi unificada graças ao Concílio de Nicéia.
A Páscoa
passaria a ser no primeiro domingo depois da primeira lua cheia que ocorresse
após o equinócio da primavera (ou na mesma data, caso a lua cheia e o equinócio
ocorressem no mesmo dia).
Domingos diferentes
Mesmo
assim, tradições e culturas diferentes continuaram fazendo cálculos distintos
para a data.
Um
exemplo se deu na Inglaterra, no ano de 664. No reino de Northumbria, o rei
Oswiu e sua esposa celebravam a Páscoa em domingos diferentes. O rei observava
a tradição irlandesa, e a rainha, a romana. Ela era originária de uma parte do
reino que tinha sido evangelizada segundo as tradições romanas, enquanto a
cidade natal do rei Oswiu seguia a tradição irlandesa.
Em
consequência, um certo ano o rei celebrou a Páscoa em um domingo, mas a rainha
ainda estava no período da quaresma. Para acertar a data, o rei convocou um
sínodo (assembleia de religiosos) na cidade de Whitby.
Na
defesa da tradição irlandesa, estava o bispo Colman de Lindisfarne. São
Wilfrid, um nativo de Northumbria treinado em Roma, defendeu a tradição romana.
"Em
um ponto crucial do debate, ele mencionou São Pedro, o guardião das chaves do
paraíso, que as recebeu do próprio Cristo. E o rei Oswiu, que presidia o
sínodo, ficou muito impressionado", disse Michael Carter, membro do
Patrimônio Histórico Inglês.
Com
isso, a decisão foi tomada a favor da tradição romana.
"O
Sínodo de Whitby garantiu que a Igreja na Inglaterra passasse a adotar a
prática ocidental padrão. Isso significou a unificação da celebração do mais
importante evento do calendário cristão pela igreja inglesa, o dia da
ressurreição de Cristo. Isso persistiu no país (...) até a Reforma Anglicana,
quando a Inglaterra rompeu com o padrão religioso e cultural da Europa",
acrescentou Carter.
Ortodoxos
As
tradições ortodoxas dentro do cristianismo continuaram usando o Calendário
Juliano em vez de aceitar a reforma do calendário imposta pelo papa Gregório.
As
igrejas ortodoxas, portanto, continuaram a celebrar a Páscoa e o Natal em datas
diferentes das tradições ocidentais ou romanas.
Mas isso
pode mudar? O papa Tawadros 2º de Alexandria, líder da Igreja Ortodoxa Copta,
espera que as diferentes vertentes do cristianismo consigam chegar a um acordo
sobre essa importante questão.
Pouco
depois de reunir-se com ele, Justin Welby, arcebispo da Cantuária (o
equivalente ao papa para a Igreja Anglicana), divulgou uma notícia
surpreendente em janeiro deste ano: depois de muitos séculos de desacordo,
surgiram novas esperanças de que a data da Páscoa possa ser uma data que todos
os cristãos celebrem juntos.
"Durante
nossa visita ao Vaticano, em 2013, o papa Tawadros falou novamente sobre o tema
com o papa Francisco em Roma", disse o bispo Angaelos, bispo geral da
Igreja Ortodoxa Copta na Grã-Bretanha.
"Parece
haver uma disposição entre parte das lideranças da Igreja Cristã para pelo
menos avaliar esta possiblidade."
No
entanto, ele admite que o caminho parece ser longo. "A dificuldade é que
todos precisam sacrificar algo, pois cada um de nós tem o seu próprio jeito de
calcular a Páscoa e calculamos assim por séculos", disse.
Ainda
não há um cronograma e o bispo Angaelos afirma que a "tarefa é
monumental". "Estamos falando a respeito com muita gente, muitas
culturas diferentes, igrejas diferentes e líderes religiosos diferentes. Será
uma tarefa monumental. Mas a ideia está lá."
E o que
os astrônomos acham de uma Páscoa unificada? "De certo modo, a astronomia
ficaria fora da equação", disse Marek Kukula.
"Ainda
seria necessário regular o calendário - você ainda precisaria ter anos
bissextos e ajustar segundos - mas a Páscoa deixaria de ser um feriado móvel e
isto tornaria bem mais simples coisas como o planejamento de feriados
escolares. Entretanto, se as pessoas vão querer fazer isso ou não, passa por
uma questão religiosa."
E,
levando em conta toda a história por trás da data, o debate sobre a questão
ainda poderá se estender por muito tempo.
BBC
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