Marluce
de Oliveira
Começou com a eleição de Ronald Reagan. Os mais
ricos passaram a pagar menos impostos, a economia foi desregulada e o setor financeiro
tornou-se central. A memória da Segunda Guerra Mundial, e da solidariedade que
engendrou, foi desaparecendo.
O rápido crescimento com avanço da indústria e
ascensão das classes médias ficou para trás. O fim da União Soviética,
eliminando a competição ideológica, frustrou planos de inclusão para a maioria
da população.
O bem-estar das corporações foi engordando ao mesmo
tempo que encolhiam os projetos de ajuda aos mais pobres. Um norte-americano
típico ganha hoje menos do que ganhava há 45 anos –feitas todas as correções.
Uma em cada quatro crianças vive na pobreza (na Grécia é uma em seis).
O 1% mais rico abocanha um quarto da renda e 40% da
riqueza dos EUA. Há 25 anos, essas percentagens eram de 12% e 33%
respectivamente. Políticos e parlamentares fazem dessa superelite e atuam em
função dela.
Essa crescente desigualdade destrói o mito dos EUA
como a terra de oportunidades, sabota a eficiência da economia e,
principalmente, abala os pilares da democracia. O lema de “um homem um voto”
está sendo convertido em “um dólar um voto”.
É com esse pano de fundo que o prêmio Nobel de
economia Joseph Stiglitz desenvolve “The Great Divide” [a grande divisão], obra
que disseca os movimentos que levaram a rupturas e desagregações na sociedade
norte-americana nas últimas décadas.
Seu ponto central: a desigualdade galopante é fruto
de políticas deliberadas e poderia ter sido evitada. Stiglitz ressalta que o
fosso social fabricado nos Estados Unidos –e replicado pelo mundo– impede uma
recuperação mais robusta da economia, reforçando iniquidades e mais
concentração de riqueza.
Com uma linguagem contundente e didática, o autor
extrapola em muito o estrito mundo econômico. Sua reflexão passa pelo
comportamento da elite, cada vez mais divorciada das necessidades da população.
Alienada das condições sociais gerais, da saúde, da
educação, da segurança e da infraestrutura, essa fração dos super-ricos vive
numa bolha, não liga para o que acontece com a maioria e gera efeitos perversos
para o país. Nas palavras do Nobel:
“De todos os custos impostos pelo 1% para a nossa
sociedade talvez o maior seja a erosão de nosso senso de identidade, no qual o
jogo justo, a igualdade de oportunidade e o senso de comunidade são tão
importantes”.
Stiglitz, 72, lembra que Alexis de Tocqueville (1805-1859)
identificou nos norte-americanos a existência de um “interesse próprio bem
compreendido”, ou seja: para o próprio bem-estar individual é preciso prestar
atenção nas condições dos outros.
Segundo o Nobel, os americanos aprenderam que
“ajudar os outros não é apenas bom para a alma, mas é bom para os negócios”. No
entanto, agora a elite não entende que o seu destino está interconectado com o
da maioria da população –os 99%.
“A história mostra que isso é algo que, no final, o
1% mais rico pode aprender _muito tarde”, diz. O alerta está em “Do 1%, pelo
1%, para o 1%”, famoso ensaio publicado originalmente pela revista “Vanity
Fair”, em 2011, e que serviu de inspiração para protestos como o Occupy Wall
Street.
O texto é um dos mais esclarecedores do livro, que
recupera discussões de outras obras de Stiglitz, como “The Price of Inequality”
(2012) e “Freefall” (2010). Ex-executivo do Banco Mundial e do conselho
econômico da administração Bill Clinton, Stiglitz reforça, também nesta obra,
seu ataque contra os bancos.
Condena, especialmente, as práticas
anti-competitivas na área de cartão de crédito. Recomenda uma forte legislação
antitruste –o que impulsionaria pequenos negócios. No conjunto, defende uma
maior taxação para os mais ricos, demolindo argumentos contrários.
Ainda que repetitivo em alguns pontos, “The Great
Divide” é essencial para entender os dias que correm –não só nos EUA.
Verdade Mundial
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