Lucas Berlanza
entrevista Zoe María Martínez
Na
semana que passou, a valentia comovente de uma jovem indignada atraiu atenções
na Internet. Em um vídeo, que somente em sua própria página na rede social
Facebook – com o divertido nome de Disquisições da Zoe -, teve mais de 2200 compartilhamentos
até terminarmos de escrever estas linhas, sem contar o sucesso que obteve ao
figurar em outras comunidades e perfis virtuais, a menina, em tom decidido e
indignado, se declarou cubana e se voltou contra todos aqueles que defendem a
tirania socialista estabelecida em sua terra natal pelos irmãos Castro (desde a
Revolução que culminou com a insurreição armada de 1959). Ousada e demonstrando
toda sua empatia pelo seu povo, a até então desconhecida Zoe se ofereceu,
sarcasticamente, para custear passagens para a “paradisíaca ilha socialista” –
apenas na cabeça dos amantes da tirania de esquerda, é claro -, desde que os
ingênuos se submetessem rigorosamente ao modo de vida de sua gente.
Tocados
e impressionados pela coragem, fomos atrás dessa história, e trazemos até você
o depoimento de quem conhece uma das mais perversas ditaduras modernas de
perto, mas não desistiu de sonhar – e nos pede que também perseveremos com o
nosso Brasil.
Gostaria
que você começasse se apresentando aos leitores do Instituto Liberal e dissesse
como vivia com a família em Cuba e há quanto tempo está no Brasil.
Meu nome é Zoe María Martínez. Tenho 16
anos. Moro no Brasil há 4 anos. Passei, portanto, minha infância e começo da
adolescência em Cuba; minha vida era quase igual à de todas as crianças
cubanas, com as mesmas carências e dificuldades, com a diferença de que eu
tinha metade da minha família vivendo fora de Cuba. Então, eles mandavam todo
mês remessas de dólares para podermos subsistir.
Como foi
a sua saída de Cuba? Como é, em geral, a fuga, ou a “deserção”, dos cubanos?
Houve algum momento específico em que tomaram a decisão de sair? São deixados
em paz agora, em terra estrangeira?
Minha saída de Cuba foi bem triste por
conta da separação familiar. O primeiro a vir foi meu pai, que deixou minha mãe
grávida de cinco meses. Depois de quatro anos conseguiu tirar minha mãe, que me
deixou na época com nove anos, e também minha irmã do meio, com três anos, aos
cuidados dos meus avós maternos, porque na época crianças não podiam viajar nem
para fazer turismo. Passados dois anos e oito meses, eles conseguiram nos tirar
de lá, e meu pai pôde conhecer a filha de seis anos que tinha deixado ainda na
barriga.
A
maioria dos jovens quer sair do país e faz todo o possível para conseguir;
casam-se com estrangeiros para poder sair da ilha, outros estudam medicina para
poderem viajar ou até mesmo se lançam ao mar rumo à Flórida, com destino
incerto. Os que têm mais sorte tem algum familiar no estrangeiro que os ajuda a
sair legalmente. Uma vez morando no estrangeiro, nós cubanos “somos deixados em
paz”, aparentemente, pois sempre sofreremos algum tipo de represália. Por
exemplo: cobrança de preços absurdos de qualquer documentação que precisemos
obter, incluindo o passaporte cubano, que aqui do Brasil custa em torno de
oitocentos e setenta reais (R$ 870,00), e o não reconhecimento de duplas
cidadanias. Se formos viajar para Cuba para visitar familiares, somos
discriminados no aeroporto local, e às vezes eles se reservam o direito de nos
negar a entrada no país sem qualquer explicação, especialmente se formos
daqueles que se manifestam publicamente contra o regime.
Como
você definiria, em poucas palavras, o regime castrista? Há oposição em Cuba?
Quem são e como vivem pessoas como a blogueira Yoani Sanchez, que ficou
conhecida por aqui?
Definiria o regime castrista em uma
palavra: autocrata. É um stalinismo tropical modernizado. Claro que em Cuba
existe oposição, ativa e passiva, mesmo sendo ignorados por algumas
personalidades internacionais. Os que são dissidentes ativos são reprimidos
brutalmente; aliás, em Cuba, apenas pensar diferente já é motivo para ser perseguido.
No caso de Yoani Sanchez, muitos cubanos não sabem da existência dela, assim
como dos demais cubanos que são oposicionistas, porque todos os meios de
comunicação são censurados pelo governo de maneira hipócrita, já que criticam
fortemente a grande mídia nos países democráticos. Sem contar que os
oposicionistas são ameaçados e vigiados vinte e quatro horas por dia.
Muitas
pessoas que conhecemos visitam a ilha de Cuba e trazem impressões
desencontradas. Alguns, em geral fazendo excursões maiores, nos relatam a
miséria e o medo nos olhos da população. Outros destacam maravilhas e chegam
mesmo a elogiar Fidel. Como você explica essas divergências?
Sempre vai haver essas divergências. Mas
isso depende muito do que cada pessoa vai fazer lá. Uns vão por turismo,
frequentam só os hotéis e lugares especiais para turistas que geralmente são de
difícil acesso ao povo. Outros já vão com a intenção de ver como
verdadeiramente se vive em Cuba, saem da área de conforto e do mundo fantasioso
que o governo oferece a eles. Sem contar aqueles que vão a eventos patrocinados
pelo governo de Cuba e previamente o governo prepara os participantes locais
que vão interagir com eles com um discurso pré-elaborado e censurado.
Educação
e saúde, dois bens que quase todos desejam, são enaltecidos pela esquerda como
conquistas sólidas do regime cubano. Que visão um cubano médio tem do mundo? Os
cubanos têm acesso à Internet? O que eles aprendem nas escolas? Você teve essa
formação? Experimentou algum contraste com o que estuda por aqui? Os hospitais
têm uma boa infraestrutura, são de boa qualidade?
Quando eu morava em Cuba achava normal o
jeito de se viver. Na época não tinha acesso à Internet, não tinha liberdade de
expressão, não podia imaginar a vida fora de Cuba. Nas escolas tudo é
politizado e padronizado, o sistema de educação é cheio de problemas, há
escassez de professores. Na minha cidade, as escolas com melhor estrutura foram
construídas antes da Revolução, porém não foram bem preservadas. Lá é tudo
decadente, tanto a saúde quanto a educação e todo o resto. Nos hospitais faltam
remédios, higiene, estrutura, enfim, falta tudo. Os únicos hospitais bons são
os reservados para uso da elite do governo e seus familiares.
Algumas
perguntas sobre o Brasil; sabemos que nosso governo apoiou o regime cubano na
construção do Porto de Mariel, com o programa Mais Médicos e com toda a sua
notória chancela e afinidade diplomática. O que você pensa disso? O que diria
aos brasileiros, se pudesse?
Até hoje não consigo entender como um
governo que diz defender tanto a democracia e a liberdade de expressão pode se
aliar, apoiar um governo que nem o de Cuba, autoritário e ditatorial, que tem
violado por mais de cinquenta anos os mais elementares direitos humanos perante
seu povo. Aproveito para mandar um recado a todos os brasileiros: o Brasil é
lindo, vocês têm um tesouro, zelem com o maior cuidado pela sua democracia. Não
deixem que os corruptos contem a sua história. O Brasil é mais que um partido,
mais que uma ideologia. Não desistam dele.
Reservo
um espaço agora para que você faça suas considerações finais, caso deseje
deixar um recado de encerramento.
Meu maior sonho para a minha terra natal é
que algum dia seja uma democracia verdadeira, que meu povo pare de sofrer como
há tantos anos sofre, e que nós cubanos nunca paremos de lutar para
conseguirmos isso.
Instituto Liberal
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