segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Entrevista: a jovem cubana que não desistiu de sonhar

Lucas Berlanza entrevista Zoe María Martínez

Na semana que passou, a valentia comovente de uma jovem indignada atraiu atenções na Internet. Em um vídeo, que somente em sua própria página na rede social Facebook – com o divertido nome de Disquisições da Zoe -, teve mais de 2200 compartilhamentos até terminarmos de escrever estas linhas, sem contar o sucesso que obteve ao figurar em outras comunidades e perfis virtuais, a menina, em tom decidido e indignado, se declarou cubana e se voltou contra todos aqueles que defendem a tirania socialista estabelecida em sua terra natal pelos irmãos Castro (desde a Revolução que culminou com a insurreição armada de 1959). Ousada e demonstrando toda sua empatia pelo seu povo, a até então desconhecida Zoe se ofereceu, sarcasticamente, para custear passagens para a “paradisíaca ilha socialista” – apenas na cabeça dos amantes da tirania de esquerda, é claro -, desde que os ingênuos se submetessem rigorosamente ao modo de vida de sua gente.

Tocados e impressionados pela coragem, fomos atrás dessa história, e trazemos até você o depoimento de quem conhece uma das mais perversas ditaduras modernas de perto, mas não desistiu de sonhar – e nos pede que também perseveremos com o nosso Brasil.

Gostaria que você começasse se apresentando aos leitores do Instituto Liberal e dissesse como vivia com a família em Cuba e há quanto tempo está no Brasil.
Meu nome é Zoe María Martínez. Tenho 16 anos. Moro no Brasil há 4 anos. Passei, portanto, minha infância e começo da adolescência em Cuba; minha vida era quase igual à de todas as crianças cubanas, com as mesmas carências e dificuldades, com a diferença de que eu tinha metade da minha família vivendo fora de Cuba. Então, eles mandavam todo mês remessas de dólares para podermos subsistir.

Como foi a sua saída de Cuba? Como é, em geral, a fuga, ou a “deserção”, dos cubanos? Houve algum momento específico em que tomaram a decisão de sair? São deixados em paz agora, em terra estrangeira?
Minha saída de Cuba foi bem triste por conta da separação familiar. O primeiro a vir foi meu pai, que deixou minha mãe grávida de cinco meses. Depois de quatro anos conseguiu tirar minha mãe, que me deixou na época com nove anos, e também minha irmã do meio, com três anos, aos cuidados dos meus avós maternos, porque na época crianças não podiam viajar nem para fazer turismo. Passados dois anos e oito meses, eles conseguiram nos tirar de lá, e meu pai pôde conhecer a filha de seis anos que tinha deixado ainda na barriga.

A maioria dos jovens quer sair do país e faz todo o possível para conseguir; casam-se com estrangeiros para poder sair da ilha, outros estudam medicina para poderem viajar ou até mesmo se lançam ao mar rumo à Flórida, com destino incerto. Os que têm mais sorte tem algum familiar no estrangeiro que os ajuda a sair legalmente. Uma vez morando no estrangeiro, nós cubanos “somos deixados em paz”, aparentemente, pois sempre sofreremos algum tipo de represália. Por exemplo: cobrança de preços absurdos de qualquer documentação que precisemos obter, incluindo o passaporte cubano, que aqui do Brasil custa em torno de oitocentos e setenta reais (R$ 870,00), e o não reconhecimento de duplas cidadanias. Se formos viajar para Cuba para visitar familiares, somos discriminados no aeroporto local, e às vezes eles se reservam o direito de nos negar a entrada no país sem qualquer explicação, especialmente se formos daqueles que se manifestam publicamente contra o regime.

Como você definiria, em poucas palavras, o regime castrista? Há oposição em Cuba? Quem são e como vivem pessoas como a blogueira Yoani Sanchez, que ficou conhecida por aqui?
Definiria o regime castrista em uma palavra: autocrata. É um stalinismo tropical modernizado. Claro que em Cuba existe oposição, ativa e passiva, mesmo sendo ignorados por algumas personalidades internacionais. Os que são dissidentes ativos são reprimidos brutalmente; aliás, em Cuba, apenas pensar diferente já é motivo para ser perseguido. No caso de Yoani Sanchez, muitos cubanos não sabem da existência dela, assim como dos demais cubanos que são oposicionistas, porque todos os meios de comunicação são censurados pelo governo de maneira hipócrita, já que criticam fortemente a grande mídia nos países democráticos. Sem contar que os oposicionistas são ameaçados e vigiados vinte e quatro horas por dia.

Muitas pessoas que conhecemos visitam a ilha de Cuba e trazem impressões desencontradas. Alguns, em geral fazendo excursões maiores, nos relatam a miséria e o medo nos olhos da população. Outros destacam maravilhas e chegam mesmo a elogiar Fidel. Como você explica essas divergências?
Sempre vai haver essas divergências. Mas isso depende muito do que cada pessoa vai fazer lá. Uns vão por turismo, frequentam só os hotéis e lugares especiais para turistas que geralmente são de difícil acesso ao povo. Outros já vão com a intenção de ver como verdadeiramente se vive em Cuba, saem da área de conforto e do mundo fantasioso que o governo oferece a eles. Sem contar aqueles que vão a eventos patrocinados pelo governo de Cuba e previamente o governo prepara os participantes locais que vão interagir com eles com um discurso pré-elaborado e censurado.

Educação e saúde, dois bens que quase todos desejam, são enaltecidos pela esquerda como conquistas sólidas do regime cubano. Que visão um cubano médio tem do mundo? Os cubanos têm acesso à Internet? O que eles aprendem nas escolas? Você teve essa formação? Experimentou algum contraste com o que estuda por aqui? Os hospitais têm uma boa infraestrutura, são de boa qualidade?
Quando eu morava em Cuba achava normal o jeito de se viver. Na época não tinha acesso à Internet, não tinha liberdade de expressão, não podia imaginar a vida fora de Cuba. Nas escolas tudo é politizado e padronizado, o sistema de educação é cheio de problemas, há escassez de professores. Na minha cidade, as escolas com melhor estrutura foram construídas antes da Revolução, porém não foram bem preservadas. Lá é tudo decadente, tanto a saúde quanto a educação e todo o resto. Nos hospitais faltam remédios, higiene, estrutura, enfim, falta tudo. Os únicos hospitais bons são os reservados para uso da elite do governo e seus familiares.

Algumas perguntas sobre o Brasil; sabemos que nosso governo apoiou o regime cubano na construção do Porto de Mariel, com o programa Mais Médicos e com toda a sua notória chancela e afinidade diplomática. O que você pensa disso? O que diria aos brasileiros, se pudesse?
Até hoje não consigo entender como um governo que diz defender tanto a democracia e a liberdade de expressão pode se aliar, apoiar um governo que nem o de Cuba, autoritário e ditatorial, que tem violado por mais de cinquenta anos os mais elementares direitos humanos perante seu povo. Aproveito para mandar um recado a todos os brasileiros: o Brasil é lindo, vocês têm um tesouro, zelem com o maior cuidado pela sua democracia. Não deixem que os corruptos contem a sua história. O Brasil é mais que um partido, mais que uma ideologia. Não desistam dele.

Reservo um espaço agora para que você faça suas considerações finais, caso deseje deixar um recado de encerramento.
Meu maior sonho para a minha terra natal é que algum dia seja uma democracia verdadeira, que meu povo pare de sofrer como há tantos anos sofre, e que nós cubanos nunca paremos de lutar para conseguirmos isso.


Instituto Liberal




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