Rodrigo da Silva
Capitalismo. Você
provavelmente odeia esse negócio. Essa palavrinha carrega uns duzentos quilos
de problema. É quase um palavrão. Quando a gente pensa nela, a primeira coisa
que vem à cabeça é aquele sentimento de avareza, de homens engravatados
correndo atrás de dinheiro. Muito dinheiro. O capitalismo precede um sintoma
universal: nas salas de aula, nas redes sociais, nos debates políticos, nos
discursos do Papa, ele é o grande vilão do negócio. E toda essa cara de malvado
é justificada através de uma associação com uma outra palavrinha,
quase sempre presente para condená-lo aos confins da imoralidade política: o
egoísmo. Eis um sistema que condena impunemente a humanidade a conviver com o
abismo do abandono. Mas e se as coisas não forem exatamente dessa forma? E
se o capitalismo de livre mercado apresentar um resultado exatamente
oposto a esse?
A grande dificuldade das pessoas em aceitar
a economia de mercado reside em não entender o paradoxo por trás dela – que, em
parte, ajuda a explicar seu papel na evolução de como nos organizamos em
sociedade. Por mais egoísta que seja as motivações dos homens em suas relações
econômicas – e eu estou falando de você e de mim aqui – buscando lucro,
almejando conquistas individuais, procurando alcançar satisfação pessoal e
status, o capitalismo foi a maior invenção de todos os tempos como uma máquina
de serventia das pessoas. E se você acha isso uma insanidade sem tamanho, faça
um teste: busque por uma fotografia de sua cidade há 200 anos e coloque ela no
mesmo lugar de hoje.
Longe das proteções estatais que privilegiam grandes grupos
econômicos, na economia de mercado os indivíduos enriquecem atendendo às
demandas de quem está ao seu redor. Quanto mais o que você tem a oferecer é de
interesse dos outros – seja aquele sanduba sempre à disposição na esquina para
matar a fome das pessoas ou aquele computador que irá auxiliá-las a
desempenhar melhor seus trabalhos – mais você ganhará dinheiro com
isso. E isso acontece porque no capitalismo cada cédula de real
funciona como um voto.
Quando você compra algo, é como se dissesse para as demais pessoas
que o cara do outro lado do balcão soube lhe servir.
E é em busca de servir às pessoas que nós nos especializamos e
criamos a divisão de trabalho. Nela, em conjunto, a soma de todos os
nossos esforços é muito maior do que seria se cada um tivesse de fazer tudo
sozinho. Foi isso que testou na prática o americano Andy George, há poucos
dias. Responsável por um canal no Youtube chamado How to Make Everything, Andy nos mostra o quão
condenados ao atraso estaríamos sem essa divisão de trabalho – e isso
tudo, desenvolvendo um sanduíche de frango com queijo. Sim, um
mero sanduíche – e se você acha que produzi-lo é uma tarefa fácil, pense
novamente. Andy plantou e colheu seus próprios vegetais, ordenhou uma vaca
(para a produção do queijo), evaporou a água do oceano (para o sal), preservou
seu próprio picles, plantou e moeu seu próprio trigo, abateu, depenou e
cozinhou um frango. Todo esse processo lhe tomou 6 meses de vida
e um gasto de US$ 1.500. E tudo para fazer um mísero sanduíche, que
você encontra em qualquer esquina, a qualquer momento e por um preço
estupidamente barato.
Como funciona a mágica aqui? A resposta está no tal paradoxo. Na
economia capitalista, cada um dos envolvidos nas diferentes partes do processo
da criação de um sanduíche escolhe seguir seu próprio caminho (algo
impossível numa economia socialista), justificado por razões egoístas,
motivadas – ao menos para a maior parte das pessoas – na busca pelo dinheiro. E
essa escolha inevitavelmente levará cada um dos envolvidos a
atender os interesses dos outros – num lugar onde a regra diz que o
cliente tem sempre razão. Quanto maior a sua motivação econômica, maior o seu
interesse em ser útil aos demais. O resultado final será previsível: uma
otimização do modo como cada um de nós nos disponibilizamos a servir a humanidade.
É exatamente isso que nos conta o economista americano Walter
Williams – agora, a respeito de uma outra instituição muito cara
à economia capitalista: a propriedade privada.
“Às vezes, as pessoas ficam chocadas quando digo que não me
importo com as futuras gerações. Então eu pergunto: o que as gerações futuras
fizeram por mim? Quero dizer, uma criança que vai nascer em 2050, o que ela fez
por mim? E se ela não fez nada para mim, como, então, eu sou obrigado a fazer
algo por ela? Contudo, eu digo para as pessoas: bem, onde eu moro, eu tenho uma
bela propriedade e, muitos anos atrás, eu comprei algumas mudas de pés de
maçãs. Agora, quando aquelas árvores alcançarem a maturidade, eu estarei morto.
Muitas crianças de 2050 estarão se balançando nas minhas árvores, comendo as
minhas maçãs.
A senhora Wings, falecida há 4 anos, construiu uma grande varanda
– e essa varanda foi construída por ela com o meu dinheiro, a propósito. E essa
varanda durará mais do que nós. Muitas crianças de 2050 estarão sujando a
varanda com lama, a minha bela varanda. Bem, se você perguntar: por que eu faço
o sacrifício no meu consumo presente para produzir algo que irá durar mais do
que eu? Por que essas crianças de 2050 irão aproveitá-la? A resposta é muito
simples: é que, quanto melhor é a minha casa, maior é o tempo que ela será útil
como moradia, e maior será o preço que poderei cobrar quando for vendê-la. Isso significa que perseguindo meu interesse egoísta,
maximizando, na linguagem dos adultos, o valor presente, eu não posso impedir que minha casa esteja disponível para
gerações futuras, querendo ou não. Agora, eu pergunto: eu teria
o mesmo conjunto de incentivos para cuidar da casa se o governo fosse o
proprietário? Eu teria o mesmo conjunto de incentivos se existisse um imposto
de transferência da ordem de 75% quando a vendesse? Não. Tudo que enfraquece meus direitos privados de propriedade sobre a
casa, enfraquece meu incentivo a fazer a coisa socialmente responsável, que é
conservar os recursos escassos da nossa sociedade.“
Esses incentivos, em parte, ajudam a explicar por que a capital
cubana de Havana, diferente da Filadélfia de Williams, mais parece um
cenário de um filme apocalíptico do que uma cidade do século 21.
E não pense que essa lógica funciona em interesse dos ricos. O que
hoje é produzido para servi-los, logo é massificado pela economia de
mercado. Em meados do século XIX, por exemplo, era um luxo ter um banheiro
dentro de casa mesmo em países desenvolvidos como a Inglaterra e a França. Ao
longo da história, objetos como espelhos, copos, sapatos e talheres, eram considerados
supérfluos, meras frivolidades burguesas. Mesmo há pouco tempo, coisas como
aparelho de celular, computador, televisão, ar condicionado, eram tratados
como requintes disponíveis apenas para o topo da pirâmide. É através desse paradoxo da busca egoísta em atender as demandas
alheias que o sistema econômico de mercado massifica o bem estar. E
isso é relativamente inédito em nossa história – antes disso tudo, o
status social de um homem permanecia inalterado do princípio ao fim de sua
vida. Se você nascesse pobre, seria pobre para sempre; se tivesse a sorte
de nascer rico, não haveria falência que pudesse tirar seus títulos de
nobreza pelo resto dos seus dias. Nesse tempo, que perdurou por uma força
incontável dos anos, o acesso aos bens que apenas uma minoria
rica poderia ostentar não passaria de um delírio distante para os
mais pobres.
E mesmo essa associação inconsciente do capitalismo com os mais
ricos não se justifica. Parte da esquerda acredita que quando liberais defendem
o livre mercado, defendem por tabela os interesses do empresariado, dos
comerciantes, dos industriais e dos patrões. Por tabela, associam essa visão ao
credo de que o liberalismo é hipócrita – a julgar que grandes empresários vivem
mamando nas tetas do governo, não é mesmo? Não poderia ser mais equivocado.
O mercado não é um lugar onde apenas empresários e patrões atuam –
você, um estudante, um empregado de escritório, um consumidor de almanaque,
também está inserido nele. Há definitivamente outras forças em jogo. E nele, os
incentivos são claros: quanto maior a concorrência, melhor para os empregados,
os consumidores e aos homens e mulheres dispostos a atender suas demandas;
quanto maior o controle econômico, melhor para os grandes empresários,
interessados em abocanhar o poder estatal para defender seus projetos
mesquinhos.
Embora essa não seja uma regra, grandes empresários, não por
acaso, tendem a ser antiliberais. No capitalismo de livre mercado, os grandes
capitalistas são quase sempre os maiores inimigos da livre concorrência capitalista.
E é exatamente por isso que toda vez que alguém defende que o governo atue
para controlar o poder dos grandes cronys – que só se tornaram grandes graças a
privilégios estatais – os auxilia a propagar seus próprios interesses.
Afinal, controlar Brasília é muito mais fácil do que tentar ditar os rumos de
um mercado descentralizado.
E não pense que o paradoxo reside apenas no próprio
sistema. A ideia que se faz do interesse próprio é igualmente paradoxal. A
grosso modo, todos nós condenamos o egoísmo e reconhecemos que doar-se para os
outros de modo completamente desprendido é uma atitude admirável da natureza
humana. Egoístas, avarentos, sovinas, gente gananciosa, normalmente é encarada
com desprezo. Mas então, por que raios a maioria das pessoas não são
altruístas? Pare um segundo e se questione: quantas pessoas você conhece que
realmente pensem primeiro nos outros do que em si mesmas? Eu aposto que não
chegará a preencher os dedos de uma única mão (e isso sendo ridiculamente
otimista).
Vamos imaginar um cenário hipotético em que você é pai ou mãe de
um garoto adolescente guiado pelo altruísmo. Na escola, ele pouco se
preocupa em desempenhar seu papel de aluno – sempre à disposição para
fazer o trabalho dos outros. Durante o intervalo, seu lanche não é seu. Seus
finais de semana são recheados de afazeres em instituições de caridade. Não
importa o que aconteça, seu filho definitivamente jamais olha para o seu
próprio umbigo. E então, qual a sua posição aqui? Se essa fosse uma exceção – e
não a regra – você certamente teria um desses orgulhos corujas. Mas se a cena
se repetisse dia após dia, ininterruptamente? Posso apostar que você colocaria
ele num canto da sala para conversar e diria que chegou a hora dele pensar um
pouco mais em si mesmo, de ter mais ambição na vida e de praticar a
tal palavrinha maldita do egoísmo.
Para o biólogo britânico Matt Ridley, apesar de elogiarmos de
forma categórica o altruísmo, não esperamos que ele esteja à frente das nossas
vidas – e nem das pessoas que estão muito próximas a nós. E isso tudo é
racional. Quanto mais aquele seu conhecido contato, e com ele toda humanidade,
são altruístas, melhor para você – em contrapartida, quanto mais você e seus
contatos mais próximos praticam o egoísmo, melhor para vocês. É um dilema da
nossa natureza – e nele, não importa o que aconteça, quanto mais você defende o
altruísmo, mais você se dará bem no final.
E é por isso que socialmente o capitalismo – que é individualista
– é encarado com desdém. Mas aqui, não sem uma grande confusão de
termos. E para descomplicá-los, irei apelar para o Nobel de Economia,
o austríaco Friedrich Hayek:
“Este é o fato fundamental em que se baseia toda a filosofia do
individualismo. Ela não parte do pressuposto de que o homem seja egoísta ou
deva sê-lo, como muitas vezes se afirma. Parte apenas do fato incontestável de
que os limites dos nossos poderes de imaginação nos impedem de incluir em nossa
escala de valores mais que uma parcela das necessidades da sociedade inteira; e
como, em sentido estrito, tal escala só pode existir na mente de cada um,
segue-se que só existem escalas parciais de valores, as quais são
inevitavelmente distintas entre si e mesmo conflitantes. Daí concluem os
individualistas que se deve permitir ao indivíduo, dentro de certos limites,
seguir seus próprios valores e preferências em vez dos de outros; e que, nesse
contexto, o sistema de objetivos do indivíduo deve ser soberano, não estando
sujeito aos ditames alheios. É esse reconhecimento do indivíduo como juiz
supremo dos próprios objetivos, é a convicção de que suas ideias deveriam
governar-lhe tanto quanto possível a conduta, que constitui a essência da visão
individualista.”
Dessa maneira, numa economia capitalista, seja um altruísta ou um
desses mãos de vaca que andam apressados pelas grandes cidades, você é livre
para seguir a conduta que preferir e ser responsabilizado por ela. Mas uma
dica: os incentivos econômicos lhe guiarão a procurar atender as demandas das
pessoas.
“E os governos?”, você deve estar se perguntando. Ora,
seguem a lógica exatamente oposta. Neles, independentemente do partido ou
da ideologia, não há motivação pelo egoísmo – políticos são eleitos para servir
às pessoas. Mas, como nos explica a Teoria da Escolha Pública, eles não se
transformam em máquinas de altruísmo no momento em que tomam posse. Muito pelo
contrário: assim como todos nós, políticos também defendem seus próprios
interesses. E esses interesses, na maior parte das vezes, são conflitantes com
os nossos. Guiados por incentivos racionais, eles não pensarão duas vezes antes
de olhar para os seus próprios umbigos – num cenário de soma zero em que
construir algo para os outros é relativamente dispensável para obter um
cargo em que o marketing e as promessas de esperança, a base da democracia em
qualquer canto do mundo, dão conta do recado.
Portanto aqui, se você realmente se preocupa em servir as
pessoas, está na hora de olhar para os incentivos e as origens da virtude:
elas o guiarão inevitavelmente a defender um controle maior sobre as ações do
mundo político e uma maior liberdade para que as pessoas possam cuidar dos
outros e de si mesmas através do mercado.
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