quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Os loucos e o charlatão

Paul Krugmann

Como o caos que os loucos, quero dizer o Cáucus da Liberdade, causaram na Câmara do EUA será resolvido? Não faço ideia. Mas enquanto esta coluna esperava para ser publicada, praticamente todo o establishment republicano estava persuadindo Paul Ryan, o presidente do Ways and Means Committee, a se tornar porta-voz. Ele é, todo mundo diz, o único homem que pode salvar a situação.

O que torna Ryan tão especial? A resposta, basicamente, é que ele é o melhor charlatão que eles têm. Seu sucesso em enganar os meios de comunicação e os autoproclamados centristas, em geral, é a base de sua estatura dentro do partido. Infelizmente, pelo menos do ponto de vista dele, seria difícil sustentar o jogo da enganação da posição de porta-voz.
Para entender o papel de Ryan em nosso ecossistema de mídia e política, precisamos saber duas coisas. Em primeiro lugar, o Partido Republicano moderno é uma empresa pós-política, que não cria soluções reais para problemas reais. Em segundo lugar, os especialistas e os meios de comunicação de fato, realmente não querem enfrentar essa realidade embaraçosa.

Quanto ao primeiro ponto, basta olhar para as ideias de políticas que vêm dos candidatos à presidência, mesmo os favoritos do establishment, como Marco Rubio, o candidato mais provável, dada a total falta de carisma de Jeb Bush. Josh Barro, do New York Times, apelidou a proposta fiscal de Rubio como o plano de "cachorrinhos e arco-íris", que consiste em trilhões em brindes sem nenhuma dica de como pagar por eles —apenas a afirmação de que o crescimento tornaria isso tudo, de alguma forma, bom.

E não são apenas os impostos, é tudo. Por exemplo, os republicanos têm prometido oferecer uma alternativa ao Obamacare desde o Affordable Care Act, aprovado em 2010, mas ainda precisam produzir algo semelhante a um plano de saúde real.

No entanto, a maior parte da imprensa e a maioria dos especialistas ainda são devotas da igreja do "equilíbrio". Estão empenhadas em retratar os dois grandes partidos como igualmente razoáveis. Isso cria uma demanda forte por republicanos sérios, honestos, que podem ser apresentados como prova de que o partido também inclui pessoas razoáveis ​​que fazem propostas úteis. Como William Saletan, da Slate, que elogiava Ryan entusiasticamente, mas finalmente se desiludiu, escreveu: "Estava à procura do 'Sr. Direita' – um conservador fiscal sensato e baseado em fatos."

E Paul Ryan desempenhou e, em muitos aspectos, ainda desempenha esse papel, mas apenas na TV, não na vida real. A verdade é que as suas propostas de orçamento têm sido sempre uma confusão absurda de asteriscos mágicos: afirmações de que trilhões serão economizados por meio de cortes de gastos a serem especificados posteriormente, que mais trilhões serão levantados ao fechar brechas fiscais desconhecidas.

Ou como o Tax Policy Center, apartidário, coloca, eles estão cheios de "carne misteriosa".
Mas Ryan tem sido muito bom em jogar com o sistema, em produzir documentos brilhantes que parecem sofisticados se você não entender as questões, em criar a falsa impressão de que seus planos foram aprovados por especialistas em orçamento. Isso tem sido suficiente para convencer quem escreve sobre política e não sabe muito sobre políticas, mas sabe o que quer ver: que ele é o verdadeiro negócio. (Muitos repórteres estão profundamente impressionados com o fato de ele usar o Power Point). Ele está para a política fiscal como Carly Fiorina estava para a gestão corporativa: brilhante em autopromoção, sem esperança de realmente fazer o trabalho. Mas sua atuação foi boa o suficiente para o trabalho da mídia.

Sua posição dentro do partido, por sua vez, se baseia principalmente nessa percepção exterior. Ryan é certamente um conservador linha-dura, que ama Ayn Rand e odeia impostos progressivos, mas não mais do que muitos de seus colegas. Se você olhar o que as pessoas que o vêem como um salvador estão dizendo, verá que não estão falando sobre como ele segue o partido, que não é particularmente apaixonado por ele. Em vez disso, estão falando sobre a percepção da credibilidade que tem fora, de seu status como alguém que pode enfrentar os sabichões liberais – alguém que não vai, diz Joe Scarborough, da MSNBC, ser intimidado por "artigos negativos na página de opinião do New York Times". (Quem sabia que tínhamos tal poder?)

O que nos traz de volta ao fato estranho de que Ryan não é realmente um pilar de retidão fiscal, ou algo como o especialista em orçamento que finge ser. E a percepção de que ele é essas coisas é frágil, não é suscetível de sobreviver por muito tempo se ele se movesse para o centro da disputa política dura. Na verdade, seu halo estava visivelmente se desgastando durante os poucos meses de 2012 em que ele foi companheiro de chapa de Mitt Romney. Alguns meses como porta-voz, provavelmente, concluiriam o processo, e acabariam sendo um tiro na carreira.

Previsões à parte, no entanto, o fenômeno Ryan nos diz muito sobre o que está realmente acontecendo na política americana. Brevemente, os loucos tomaram conta do Partido Republicano, mas a mídia não quer reconhecer esta realidade. A combinação destes dois fatos criou uma oportunidade, de fato uma necessidade, por vigaristas políticos. E Ryan enfrentou o desafio.

Paul Krugmann
Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros  e tem mais de 200 artigos científicos publicados.

Folha de São Paulo

Comentário do blog:  Tanto lá como aqui. Partidos políticos existem para que ? Para escolher esses palhaços que irão comandar o espetáculo - e é isso mesmo - que irá "escolher" o candidato de um dos dois partidos que contam, à presidência do país mais poderoso (ainda) do planeta ? 
E o povo ? Como diria Zélia "Caridosa" de Mello, "é apenas um detalhe".(MBF).





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