Fernão Lara Mesquita
Poucas vezes terá havido situação
semelhante à deste nosso banquete de horrores no qual 90% dos comensais
declaram-se com nojo da comida que lhes tem sido servida mas são obrigados a
continuar a traga-la simplesmente porque não sabem pedir outro prato.
Na
2a feira, 19, O Globo publicou nova reportagem da série “Cofres
Abertos” sobre a realidade do estado petista. O título era “Remuneração
em ministério vai até R$ 152 mil”.
Eis alguns dados:
Lula
acrescentou 18,3 mil funcionários à folha da União em oito anos. Em apenas
quatro Dilma enfiou mais 16,3 mil. Agora são 618 mil, só na ativa. 103.313 têm
“cargos
de chefia”. Os títulos são qualquer coisa de fascinante. Ha um que
inclui 38 palavras. “Chefe de Divisão de Avaliação e Controle de
Programas, da Coordenação dos Programas de Geração de Emprego e Renda…”
e vai por aí enfileirando outras 30, com o escárnio de referir um acinte desses
à “geração de emprego e renda”…
O
“teto”
dos salários é o da presidente, de R$ 24,3 mil. Mas a grande tribo só de
caciques constituída não pelos funcionários concursados ou de carreira mas
pelos “de confiança”, com estrela vermelha no peito, ganha R$ 77
mil, somadas as “gratificações” que podem chegar a 37
diferentes. No fim do ano tem bônus “por desempenho”. A Petrobras distribuiu
mais de R$ 1 bi aos funcionários em pleno “petrolão”, depois de negar dividendos a
acionistas. A Eletronorte distribuiu R$ 2,2 bilhões em “participação
nos lucros” proporcionados pelo aumento médio de 29% nas contas de
luz dos pobres do Brasil entre os seus 3.400 funcionários. Houve um que
embolsou R$ 152 mil.
A
folha de salários da União, sem as estatais que são 142, passará este ano de R$
100 bilhões, 58% mais, fora inflação, do que o PT recebeu lá atrás.
Essa
boa gente emite 520 novos “regulamentos” (média) todo santo dia.
Existem 49.500 e tantas “áreas administrativas” divididas em
53.000 e não sei quantos “núcleos responsáveis por políticas públicas”!
Qualquer decisão sobre água tem de passar pela aprovação de 134 órgãos
diferentes. Uma sobre saúde pública pode envolver 1.385 “instâncias
de decisão”. Na educação podem ser 1.036. Na segurança pública
2.375!
E
para trabalhar no inferno que isso cria? Quanto vale a venda de indulgências?
Essa conversa da CPMF como única
alternativa para a salvação da pátria face à “incompressibilidade”
dos gastos públicos a favor dos pobres não duraria 10 segundos se fatos como
esses fossem sistematicamente justapostos às declarações que 100 vezes por dia,
os jornais, do papel à telinha, põem no ar para afirmar o contrário. Se fossem
editados e perseguidos pelas televisões com as mesmas minúcia, competência
técnica e paixão com que seus departamentos de jornalismo fazem de temas
desimportantes ou meramente deletérios verdadeiras guerras-santas, então, a
Bastilha já teria caído.
Passados
10 meses de paralisia da nação diante da ferocidade do sítio aos dinheiros
públicos e ao que ainda resta no bolso do brasileiro de 2a classe, com a
tragédia pairando no ar depois do governo mutilar até à paraplegia todos os
investimentos em saúde, educação, segurança pública e infraestrutura, a série
do Globo é, no entanto, o único esforço
concentrado do jornalismo brasileiro na linha de apontar com fatos e números
que dispensam as opiniões de “especialistas” imediatamente
contestáveis pelas opiniões de outros “especialistas” para expor a criminosa
mentira de que este país está sendo vítima.
Nem por isso deixou de sofrer
restrições mesmo “dentro de casa” pois apesar da
contundência dos fatos, da oportunidade da denúncia e da exclusividade do que
estava sendo apresentado, a 1a página do jornal daquele dia não trazia qualquer “chamada”
para o seu próprio “furo” e nem as televisões da casa o
repercutiram. O tipo de informação sem a disseminação da qual o Brasil jamais
desatolará da condição medieval em que tem sido mantido, tornou-se conhecida,
portanto, apenas da ínfima parcela da ínfima minoria dos brasileiros
alfabetizados que lê jornal que tenha folheado O Globo inteiro daquele dia até
seus olhos esbarrarem nela por acaso e que se deixaram levar pela curiosidade
página abaixo.
É
por aí que se agarra insidiosamente ao chão essa cultivada perplexidade do
brasileiro que, em plena “era da informação”, traga sem nem
sequer argumentar aquilo que já não admitia que lhe impingissem 200 anos atrás
mesmo que a custa de se fazer enforcar e esquartejar em praça pública.
Do palco à platéia, Brasília vive
imersa no seu “infinito particular“. Enquanto o país real, com as veias
abertas, segue amarrado ao poste à espera de que a Pátria Estupradora decida
quem vai ou não participar da próxima rodada de abusos, os criminosos mandam
prender a polícia e a platéia discute apaixonadamente quem deu em quem, entre
os atores da farsa, a mais esperta rasteira do dia.
Deter
o estupro não entra nas cogitações de ninguém. A pauta da imprensa – e com ela
a do Brasil – foi terceirizada para as “fontes” que disputam o comando de um
sistema de opressão cuja lógica opõe-se diametralmente à do trabalho. Os fatos,
substância da crítica que pode demolir os “factóides“, esses todos querem
ocultados.
Perdemos
as referências do passado, terceirizamos a “busca da felicidade” no presente, somos
avessos à fórmula asiática de sucesso quanto ao futuro. Condenamo-nos a
reinventar a roda em matéria de construção de instituições democráticas porque
a que foi inventada pela melhor geração da humanidade no seu mais “iluminado”
momento e vem libertando povo após povo que dela se serve, está banida das
nossas escolas e da pauta terceirizada pela imprensa a quem nos quer para
sempre amarrados a um rei e seus barões. Como o resto do mundo resolve os
mesmos problemas que temos absolutamente não interessa aos “olheiros”
dos nossos jornais e TVs no exterior que, de lá, só nos mostram o que há de
pior…
A imprensa nacional está devendo
muito mais à democracia brasileira do que tem cobrado aos outros nas suas cada
vez mais segregadas páginas de opinião.
VESPEIRO
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