Mario Guerreiro
Apesar
este termo ter entrado na teoria e na prática política há três séculos, ainda
hoje tem gerado uma série de mal-entendidos. Tentaremos fazer um breve
esclarecimento e chegar a um conceito de conservadorismo o mais preciso
possível.
Na sua
acepção popular, um conservador é um sujeito antiquado, apegado ao passado,
avesso às mudanças sociais e políticas, aos novos costumes, etc. Em resumo: um
sujeito, na melhor das hipóteses, “quadrado” e na pior, “reacionário”.
No jargão
esquerdista, conservador é pejorativamente chamado de “conserva”, contrastando
com “progressista”. E o conservadorismo visto como um “retrocesso” em relação
às “grandes conquistas sociais” das esquerdas “progressistas”.
Conservador e conservadorismo são
termos que tiveram sua origem na linguagem política e não devem ser usados
inapropriadamente fora da mesma, a menos que se queira gerar uma grande
confusão conceitual.
Tenho
razões para pensar que esses termos surgiram na segunda metade do século XVIII,
por volta da ebulição de ideias que resultaram na Revolução Francesa (1789).
Isto não
subentende que o conservadorismo tenha sido uma dessas ideias fomentadoras
dessa Revolução. Ao contrário, geralmente o conservadorismo é contrário a toda
e qualquer revolução e, por conseguinte, um crítico acerbo de duas grandes
delas: a Revolução Francesa (1789) e a Revolução Russa (1917).
Mas por
que é contrário a essas “grandes transformações sociais pelas armas”? Primeiro,
porque há outra forma de grande transformação social pacífica levada a cabo por
meio de reformas, e esta se mostra mais oportuna. Ser um “reformista” só é
motivo de forte reprovação na linguagem dos revolucionários marxistas-leninistas-stalinistas.
Em
segundo lugar, porque reformas são coisas planejadas cujas finalidades são
conhecidas e aprovadas democraticamente por um Parlamento. Podem cometer erros,
mas nada impede que estes sejam corrigidos por outras reformas melhores.
Já foi
dito por alguém, cujo nome não me lembro, que todo mundo sabe como
começa uma revolução, mas ninguém sabe como acaba. Daí ela ser
considerada um investimento de alto risco, coisa historicamente comprovada pelo
fracasso da maioria delas.
Isto não
significa dizer que os líderes das revoluções não tenham finalidades a serem
alcançadas, mas sim que no curso de uma revolução podem ocorrer fatores
imprevistos e mesmo indesejados capazes de desviar a revolução das suas metas.
A
Revolução Francesa, por exemplo, tinha em seu lema três ideais: Liberdade,
Igualdade e Fraternidade. Seus líderes tinham como finalidade
instaurar essas três coisas valiosas e admiráveis.
Ocorre,
no entanto, que determinados fatores imprevistos pelos seus líderes modificaram
inteiramente seus propósitos iniciais. Veio a contrarrevolução dos jacobinos e
foi implantado O Reino do Terror de Robespierre – o “Rousseau com a
guilhotina”, segundo o oportuno epíteto do embaixador J.O. de Meira Penna.
Apesar de
ser muito difícil prever os rumos e o desfecho de uma revolução, um filósofo e
político da Casa dos Comuns, Edmund Burke (1721-1797) foi capaz de prever as
mazelas e os horrores da Revolução Francesa.
Um ano
após a Revolução, quando ela ainda estava na sua primeira fase, Burke publicou
um valioso livro:Reflexões sobre A Revolução na França (1790).
Nesta obra, ele fez um trabalho semelhante ao de Alvin Toffler em O
Choque do Futuro, e de outros analistas de tendências contemporâneos.
Não se
trata de dispor de uma bola de cristal, nem de arriscar ousadas previsões
históricas, mas sim de avaliar cuidadosamente os fatores mais relevantes de uma
particular conjuntura e lançar hipóteses sobre seus prováveis desdobramentos.
E foi
exatamente isto que E. Burke fez, como podemos surpreender numa das melhores
passagens da referida obra:
“Posso
felicitar esta mesma nação pela sua liberdade? Pelo fato de a liberdade, no seu
sentido abstrato, dever ser incluída entre os bens do gênero humano, deverei
seriamente cumprimentar um louco furioso, que tivesse escapado da protetora e
salutar obscuridade do seu cárcere, pelo fato de ele ter recuperado a luz
e a liberdade? Deverei cumprimentar um salteador ou um assassino,
que tivessem rompido seus grilhões, pelo fato de um ou outro ter recuperado seu
direito natural? Isto seria renovar a cena dos remadores das galés e do seu
heroico libertador: o metafísico cavaleiro da triste figura. (Reflexões
sobre A Revolução na França).
“O
cavaleiro da triste figura” é Dom Quixote de La Mancha, tal como ele se autodenominou.
Após ter libertado os remadores prisioneiros de uma galé, eles não o
agradeceram como ele esperava: queriam comer seu fígado!
Burke tem
sido considerado o pai do conservadorismo e, por isso mesmo, não podia aprovar
uma revolução desejosa de virar o mundo de ponta à cabeça. Como todo bom
conservador, ele preconizava reformas mediante uma ação gradualista.
Como
membro da Casa dos Comuns e do Partido Conservador (Tory), ele seria
incoerente se fosse contra o regime monárquico constitucional vigente na
Inglaterra desde 1689, um ano após a Revolução Gloriosa.
Mas ele
não foi incoerente colocando-se contra uma revolução que queria derrubar uma
monarquia absolutista, a da Luís XVI, em nome de um regime que não se sabia
exatamente qual, e que após infindáveis atritos entre seus líderes, acabou
gerando o contragolpe dos jacobinos, o Reino do Terror de Robespierre cujo
lamentável desfecho foi o Diretório e em seguida a tirania de Napoleão
Bonaparte.
Burke não
podia ser a favor da Revolução Americana de 1776, como foi de fato seu
compatriota Tomas Paine (1737-1809), que participou ativamente da mesma. Como
membro da Casa dos Comuns, isto seria considerado um crime de traição, mas
Burke foi o político britânico mais sensato ao ouvir as reivindicações de
Benjamin Franklin, como representante diplomático das Treze Colônias.
Como
todos os Founding Fathers, em princípio, Franklin não desejava a
independência dos Estados Unidos. Queria permanecer como colônia do Império
Britânico, pedia apenas maior autonomia das Treze Colônias, a revogação de
impostos injustos e outras coisas da mesma natureza.
Se, mais
tarde, no Segundo Congresso Continental – assim se chamava a assembleia dos
representantes das colônias americanas – ele aderiu à guerra de independência,
foi somente após tentar três vezes uma conciliação com a Inglaterra e não
conseguir.
Embora
não apoiasse abertamente a independência dos Estados Unidos, Burke não só ouviu
com atenção as reivindicações de Franklin, como também enviou para a Casa dos
Comuns um projeto que elevava as Treze Colônias ao status de
Vice-Reino, tendo representantes americanos no Parlamento britânico.
O trágico
episódio da Revolução Francesa não são ensejou o crescimento do
conservadorismo, como também foi motivo de duas reações contrárias à Revolução,
que resultaram em dois tipos de conservadorismo.
Montesquieu,
Voltaire, Condorcet e outros pensadores nunca foram contra a monarquia em si
mesma, mas sim contra a monarquia absolutista francesa de Luís XV e Luís XVI.
Nunca pensaram em fazer uma revolução para depor o monarca, mas sim em
reformas, tais como a que revogasse uma monarquia absolutista e instaurasse uma
monarquia constitucional, como tinha feito a Inglaterra um século antes da
Revolução Francesa com a promulgação da Bill of Rights em
1689.
Burke,
por sua vez, pensava o mesmo que os supramencionados iluministas franceses e,
por isso mesmo, colocou-se contra a Revolução, mas a favor de uma reforma do
trono francês no sentido de uma monarquia constitucional.
No
entanto, após a Revolução, pensadores como Joseph De Maistre (1753-1821)
queriam uma restauração do trono absolutista. Ele, De Bonald e outros eram
conservadores retrógrados, pois queriam o retorno de uma forma monárquica
absolutista destruída pela Revolução Francesa.
Mas Burke
era conservador do status quo vigente há um século na
Inglaterra e vigente até hoje. Neste sentido, Burke rejeitava a Revolução
Francesa assim como rejeitava também a restauração proposta por De Maistre e De
Bonald.
Ambos os
conservadorismos, o inglês e o francês, tinham um ponto em comum: a conservação
do status quo, com a diferença de que o primeiro queria conservar
um status quo de um estado de direito democrático – o
parlamentarismo britânico – mas o segundo queria conservar um status
quo tirânico – o absolutismo do ancien régime.
Creio que
o conservadorismo francês é que foi o responsável por essa caricatura do
conservador como alguém retrógrado, antiquado, avesso às mudanças de costumes e
políticas.
E embora
o conservadorismo de Burke tenha se disseminado por monarquias constitucionais
posteriores – a da Holanda, da Bélgica, dos países escandinavos – à exceção da
Finlândia, que é uma república parlamentarista – ambos os conservadorismos
continuaram tendo seus adeptos ao longo da História.
Em
Portugal, por exemplo, após o fim da Revolução dos Cravos (e Espinhos), de
1974, havia dois partidos monarquistas: um monárquico-constitucional e outro
monárquico-absolutista, e isto, pasmem!, em pleno século XX!
Mas o
conservadorismo, embora tenha nascido na monarquia constitucional britânica,
não é uma concepção atrelada à monarquia constitucional, pois nada impede que
ele exista numa forma republicana, como de fato existe, não como um partido,
como o Conservative Party (Tory) do Reino Unido, mas
como uma facção política bastante influente, como por exemplo o Tea
Party americano.
[A
palavra “party” é ambígua, pois tanto pode significar “partido” como pode
significar “festa”, mas no caso do Tea Party, trata-se da Festa
do Chá em alusão a um episódio marcante ocorrido em Boston, pouco
antes da Revolução Americana e que influenciou os revolucionários da guerra de
independência].
Além da
preferência pelas reformas e pelo gradualismo, em vez de mudanças bruscas e
radicais como são as revoluções, o conservadorismo se caracteriza grande apreço
pela experiência histórica e pelas tradições de um povo, pela cautela e
moderação na atividade política. Pode-se dizer que Sir Winston Churchill foi a
encarnação do conservadorismo britânico.
É mais
uma postura ética diante da política do que uma filosofia política, mas carece
de uma posição própria em relação à Economia Política, o que leva alguns
conservadores a adotar o liberalismo, como são os casos de Churchill e da
grande líder pós-guerra do Partido Conservador (Tory): Margaret Thatcher
– The Iron Lady, como costumava chamá-la Leônid Brejnev, o Primeiro-Ministro
da extinta URSS.
Além
disso, o conservadorismo considera algo impensável a dissociação de ética e
política ocorrida na História graças a influência de Maquiavel. Até a
publicação de O Príncipe em 1532, o pensamento dominante na
civilização ocidental era a visão aristotélica, segundo a qual a política era
uma extensão da ética no domínio público.
Não só o
caso de Thatcher, mas também do atual Primeiro-Ministro David Cameron (Tory),
que governa o Reino Unido numa coligação com o Partido Liberal do
vice-Primeiro-Ministro Nick Clegg.
Coisa
surpreendente é que encontramos a melhor caracterização do conservadorismo num
indivíduo não voltado para a vida e/ou a teoria política: “Senhor, dai-me
forças para modificar o que deve ser modificado, aceitar o que não pode ser
modificado, e saber reconhecer a diferença entre ambos” (São Francisco de
Assis).
Não é
preciso ser católico, nem mesmo cristão, nem mesmo religioso, para reconhecer a
grande sensatez dessas palavras.
Mario Guerreiro
Doutor em Filosofia pela UFRJ.
A Voz do Cidadão
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