Fábio Góis
Nesta entrevista ao Congresso
em Foco, senador João Capiberibe (PSB-AP) faz duras críticas a
órgãos como o Tribunal de Contas da União (TCU), na sua opinião um “cabide
de ex-políticos”. “Não se pode dizer que os tribunais de contas tenham,
efetivamente, um papel importante no controle da corrupção. Ao contrário: a
maioria dos tribunais são tribunais de ‘faz de conta’. São cabides de
ex-políticos, ainda todos muito vinculados com tudo o que há de ruim. Mesmo os
legislativos exercem pouquíssimo essa função de fiscalização, ninguém quer se
indispor com ninguém na República”, atacou o parlamentar, para quem o órgão
agiu politicamente durante o julgamento das contas da presidenta Dilma Rousseff
referentes a 2014.
Confira a íntegra da entrevista:
Congresso em Foco: O senhor apresentou no Senado,
em 2003, o primeiro projeto sobre transparência. Ele só seria aprovado mais de
cinco anos depois. Por que a demora diante de um tema tão importante?
João Capiberibe: Olha, quando os projetos são de interesse da coletividade, da sociedade,
de uma forma pragmática eles são impedidos de tramitar, terminam ficando nas
gavetas. A tramitação desse tipo de projeto – de interesse da
coletividade, que ajuda a tornar transparente o uso dos recursos públicos – só
ocorre de ser aprovado quando acontece um escândalo. Diante do escândalo, em
que o Parlamento se vê na obrigação de dar satisfação para a sociedade, aí se
levantam os projetos de interesse da coletividade, projetos que podem ajudar no
controle da corrupção e do mau uso do dinheiro. Aí eles tramitam. Como é o caso
da Lei Complementar
131, de 2009 – como é que [o projeto da
transparência] se transforma em lei? Com um escândalo – o famoso escândalo das
passagens aéreas…
Que o Congresso em Foco revelou ao país, com
exclusividade, e ficou conhecido como “farra das
passagens”.
Exatamente. A partir daquele momento, a Frente
Parlamentar de Combate à Corrupção da Câmara se reuniu. A deputada federal
Janete Capiberibe, minha companheira, era membro da Frente. Eles escolheram os
projetos mais importantes, do ponto de vista do combate à corrupção, e aí minha
proposta vem como primeiro item da pauta. A partir desse escândalo das
passagens é que é retomada [a tramitação], depois de cinco anos engavetado [na
Câmara], e rapidamente ele termina sendo aprovado tal qual foi aprovado no
Senado, e vira lei – e uma lei que está construindo história.
De fato, a Lei da Transparência entrou em vigência
em 2009, pouco depois da repercussão gerada pela nossa série de reportagens. A
aplicação da legislação é satisfatória?
Não! Ainda falta muito, e é preciso aprimorar os
dispositivos da lei. Estamos tramitando agora um novo projeto – o PLS [Projeto
de Lei do Senado] 570, de 2015 – que estabelece penas mais duras para os
recalcitrantes, aqueles que insistem em não cumprir a Lei Complementar 131, a
Lei da Transparência. E, em outro mecanismo importante, vamos padronizar os
portais de transparência. Porque, hoje, há uma certa resistência ao cumprimento
da lei. Muitos entes públicos colocam seus portais de transparência, mas
dificultam o acesso do cidadão. Então, é a mesma coisa que as informações não
existirem. Há alguns passos a serem dados para que a lei possa ser cumprida na
sua plenitude. Mas nós demos um salto significativo; eu acho que, com a Lei da
Transparência, o Brasil se tornou, do ponto de vista de execução orçamentária e
financeira, um dos países mais transparentes do mundo. Agora, se você me
perguntar: isso acaba com a corrupção? Não. De maneira alguma. Continua. Só que
há um controle, um cuidado maior dos entes públicos para não se exporem de uma
forma tão aberta. Aí, os mecanismos de corrupção, de desvio de recursos também
vão ser refinados – à medida que você vai aprimorando a lei, os corruptos vão,
também, refinando a sua maneira de desviar recursos.
A punição mais rigorosa é a providência mais eficaz
para obrigar o gestor a aprimorar seus mecanismos de transparência?
Na verdade, estamos imputando o crime de
responsabilidade fiscal e de improbidade administrativa para quem deixar de
cumprir e atender aos preceitos da lei.
Ou seja, ensejando processos de cassação.
E podendo levar à prisão, também. Cassação,
inelegibilidade, enfim, uma série de penas duras, muito mais duras do que as
que estão previstas na Lei da Transparência. E o importante, também, é que [o
PLS 570] completa o ciclo de aquisição da compra, ao introduzir a transparência
desde a demanda, dos objetos a serem comprados, dos contratos a serem
realizados com o Estado e com os entes públicos. Hoje, a gente fala só na nota
de empenho, na descrição do que é comprado, do que é contratado. Com o PLS 570,
nós pretendemos que, antes do pregão… Por exemplo, em uma demanda de compra,
essa demanda tem de estar exposta na internet, fazendo parte do processo de
gastos públicos. Agora vai ser completo mesmo, desde o nascimento da demanda
até o pagamento.
Qual é o principal problema da Lei de
Transparência, em sua opinião?
É a exposição das informações nos portais. A
diversidade, a diferença de um portal para outro, o que dificulta o acesso.
Esse me parece o principal problema, além da resistência ao cumprimento da lei.
Pelo menos 50% das prefeituras ainda não cumprem a lei. E as câmaras de
vereadores, então, estão longe disso: 80% não cumprem. Ficaria muito mais fácil
formar grupos, nos municípios, para fazer o controle sobre o cumprimento da
lei. Na hora em que se descobrir que [entes públicos] não a estão cumprindo, ir
ao promotor da cidade pedindo o imediato cumprimento.
Instituições como o Senado, depois de todos os
escândalos que protagonizaram, ainda produzem desmandos às escondidas – mesmo
em face da estrutura de fiscalização de que dispõe e em meio à era da
transparência. Trata-se de um câncer sem cura?
Tem cura, sim. Agora, essa cura depende muito da
capacidade da sociedade em se apoderar das informações. Porque o Senado, por
exemplo, é uma Casa muito transparente, as informações estão expostas. Falta
uma análise mais cuidadosa, que a imprensa faz. Mas a imprensa se ocupa de um
universo enorme de atividades. Então, é preciso que o cidadão também faça o
acompanhamento. Eu acredito que, com as redes sociais e com essas informações
disponíveis nos portais, se o cidadão estiver disposto é capaz de a gente fazer
uma revolução no país, organizando e sistematizando o controle desses gastos.
Tem solução? Tem. Na hora em que se descobrir uma conduta irregular na
Diretoria do Senado, por exemplo, temos de denunciar a quem de direito. Quem é
o fiscal da lei no país? O Ministério Público. Nós, aqui [no Senado], estamos
tomando essas medidas. Por exemplo: há alguns portais que não atendem aos
preceitos da lei. O que estamos fazendo? Encaminhando para o Ministério Público
para obrigar o ente a cumprir a lei. Não sei a que você se refere, mas deve ter
muita coisa por debaixo do tapete, ainda, por aqui. Inclusive dos próprios
senadores. As nossas despesas estão absolutamente claras, inclusive as notas
fiscais com gastos dos parlamentares estão na internet. Então, pode-se pegar
uma nota fiscal e verificar, na junta comercial, se aquela empresa existe, se
ela está dentro da lei, se não é uma nota fria, tudo isso dá, hoje, para o
próprio cidadão investigar.
O cidadão fazendo o que cabe às instituições
competentes?
Acredito muito no controle social, das pessoas, até
porque as instituições republicanas de controle fracassaram. Não se pode dizer
que os tribunais de contas tenham, efetivamente, um papel importante no
controle da corrupção. Ao contrário: a maioria dos tribunais são tribunais de
“faz de conta”. São cabides de ex-políticos, ainda todos muito vinculados com
tudo o que há de ruim. Mesmo os legislativos exercem pouquíssimo essa função de
fiscalização, ninguém quer se indispor com ninguém na República.
A despeito das estruturas, das comissões de
fiscalização e controle…
Isso é papel inerente ao Parlamento. Mas os
parlamentares não querem se indispor – fiscalizar significa contrariar interesses,
acompanhar, requerer informação, denunciar. O Brasil tem um conceito equivocado
da política – o de que política é a arte de se compor para que todo mundo
conviva em harmonia. Isso está errado. Acho que o papel legislador e fiscalizar
do político tem que ser efetivo. Há que levantar, procurar se informar e, na
hora da necessidade, também denunciar.
Como o senhor vê a atuação do Tribunal de Contas da
União no que concerne às contas presidenciais de 2014?
Acho que o que está acontecendo no TCU é uma tomada
de posição política, porque essas trapalhadas [pedaladas fiscais] não são de
agora. Elas são costumeiras, frequentes. O TCU só se manifesta quando o leite
está derramado, aí não tem mais jeito. É interessante que os procedimentos do
TCU levam de dez a 15 anos. Ora, dez, 15 anos depois não tem mais importância.
Temos de ter mais mecanismos. Por exemplo: muito mais efetivo que o TCU e a CGU
[Controladoria-Geral da União]. Esta, sim, faz prevenção.
E está ameaçada…
Está ameaçada de extinção, porque se fatiar a CGU,
extingue. Ela enfraquece, perde a coesão que exatamente lhe permite fazer as
fiscalizações, antecipar-se, inclusive, à corrupção.
Um dos propósitos da Comissão de Transparência e
Governança Pública, criada em 2 de setembro, é padronizar os portais Brasil
afora. Diante da infinidade de carências em nível municipal, como isso seria
possível?
Hoje, essa é uma tecnologia barata. Os custos são
baixíssimos para se colocar um portal de transparência, um site. Uma página no
Facebook, todo mundo tem. Não há como alegar custos para cumprir aquilo que a
lei determina. E alguns estados, inclusive, abrem seus portais para alojar as
páginas de transparência dos municípios. Tem vários estados que promovem isso.
A própria CGU estimula que isso seja feito dessa forma. Não há custo. O que
falta é vontade política. O que há por trás disso aí é o desejo de esconder e
evitar o olho do dono do dinheiro – porque não tem ninguém, no mundo, que
fiscalize melhor do que o dono do dinheiro, que somos todos nós. Carga
tributária elevadíssima: em 2013, nós chegamos a 35,95% do PIB [Produto Interno
Bruto] para imposto. São quase cinco meses, por ano, que nós todos trabalhamos
para entregar na mão do Estado. E esse dinheiro, há até bem pouco tempo, até
antes da Lei Complementar 131, ninguém sabia como ele era gasto. Agora, não.
Temos uma boa noção de como o dinheiro é gasto. E, às vezes, termina evitando
que o dinheiro seja gasto. Recentemente, teve o caso da compra de baixelas de
prata, garfos e facas, rechauds [recipientes
em que são dispostos alimentos, muito comuns nos cafés da manhã em hotéis] para
servir comida. Para se ter uma ideia, a Presidência da República estava
comprando um garfo por 780 reais. Aí, veio a denúncia, está lá no Portal da
Transparência, e paralisou-se a compra. O mais importante é não deixar o leite
derramar, impedir que o leite derrame. Ou seja, quando se emite a nota de
empenho, é ali que o cidadão tem de fiscalizar, porque ele pode bloquear a
compra.
Evitar que o leite derrame…
Quando nós construímos o projeto de lei, foi
pensando na prevenção. Para evitar que aconteça o desvio do recurso, o
superfaturamento, a compra sem critério. Eu conheço casos absurdos de compras
exageradas e desnecessárias, em que nunca o ente público vai usar aquilo tudo.
Mas eles compram. Fazem estoque e, depois, jogam no lixo.
Coincidentemente, hoje [a entrevista foi feita em
1º de outubro] o Ministério Público abriu ação de
improbidade contra o presidente do Senado, Renan Calheiros. A
ação diz que Renan ignorou, por anos afio, pedidos de informação do próprio MP,
em investigação sobre supostas irregularidades sobre cargos de confiança. Trata-se
do clássico mau exemplo que vem do andar de cima?
Péssimo. Me surpreende que o presidente Renan não
tenha dado essas informações. O dinheiro é público, toda a atividade tem de ser
transparente. O objetivo é que quem sustente o Estado seja o contribuinte, o
que paga imposto. Então, não podemos esconder isso do cidadão. Se o presidente
se negou a fornecer essas informações, isso é um erro gravíssimo. Ele não tem o
direito de negar. E, me parece, são questões que não têm a ver com a gestão
dele, segundo o que você está colocando…
Mas como o grupo de Renan comanda há tanto tempo o
Senado…
Exatamente. De qualquer maneira, ele teria de
entregar [as informações] imediatamente. Pediu a informação, tem de entregar a
informação.
Passa ao povo a sensação de que o Senado não
aprendeu com os recentes escândalos, que paralisaram a Casa pouco tempo atrás –
como o caso dos atos secretos, em 2009?
Mas é isso o que falei: não é só o Senado. São
vários entes públicos, inclusive os próprios tribunais de contas, que não cumprem
a Lei da Transparência com rigor. É preciso que o Ministério Público aja. O
Ministério Público tem inteira razão. É por isso que temos de endurecer a lei,
que é um pouco branda do ponto de vista das penas. O PLS 570 está avançando no
endurecimento da lei para que se dê possibilidade ao Ministério Público,
inclusive, de ter prioridade em todo procedimento com base no descumprimento da
Lei da Transparência – ao “bater” no Judiciário, o projeto de lei prevê
prioridade para julgamento.
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