Felippe
Hermes
A cena é comum: um jornalista anuncia um novo dado econômico não
muito favorável ao governo e, na sua lista de contatos em sua rede social
favorita, não demora para aquele seu amigo governista se apressar em virar o
foco para o responsável pela notícia. Tal ideia esdrúxula de que a culpa pela
crise seja daquele que veicula as notícias, nos rendeu clichês hilários –
segundo o qual “não há crise, pois a produção de batatas em Minas Gerais bate
recorde” – e uma boa noção de como a economia parece coisa de outro mundo para
a maior parte das pessoas que supostamente se dispõem a ensinar. Nada pode ser
mais absurdo do que sugerir que o bom humor do jornalista influencia sua
capacidade de consumo ou suas escolhas de onde investir. No entanto, para
aliviar a culpa do governo nisso tudo, vale qualquer coisa.
Esta confusão, no entanto, decorre de um fato um pouco mais
complexo. No dicionário dos economistas, expressões como bem-estar, utilidade, ajuste ou expectativas,
não são expressões como as que usamos no cotidiano, mas um resumo de uma
bem embasada teoria econômica. Ao dizermos que as expectativas são parte
importante da economia, não estamos afirmando, portanto, que o mal humor de uma
jornalista num programa matinal levará ao cancelamento de um projeto bilionário
que terminaria por gerar milhares de empregos.
Grandes empresas e instituições financeiras necessitam estimar
seus mercados no futuro, e para isso investem em inúmeras pesquisas, quase
nunca precisas em valores, mas corretas em tendências. E são justamente as
tendências que nos levam a definir investimentos e consumo futuros. Para
descobri-las, é importante antes de tudo respeitar a complexidade do mercado,
aquele ser abstrato resultante das relações de escolha de cada um dos
indivíduos.
Inúmeros indicadores são utilizados para nos aproximarmos da
realidade. Por tentarem prever o ritmo ou o rumo da economia, são chamados de
“indicadores antecedentes”. Um bom exemplo é o papelão ondulado, que, por estar
presente em diversos processos industrias, é capaz de mostrar antecipadamente a
atividade industrial.
Com base em análises de indicadores antecedentes é possível
capturar tendências e se preparar melhor para o futuro. A partir disso,
selecionamos 9 indicadores que ajudarão você a entender em que estágio da crise
estamos e o que podemos esperar para os próximos anos.
EM QUE PÉ ESTAMOS?
1. O
DESEMPREGO CRESCEU EM 22 ESTADOS E JÁ SUPERA OS 10% NO NORDESTE.
Poucos temas são tão sensíveis para um governo quanto emprego e renda. Costuma-se dizer que
toda crise política é superável se o povo estiver empregado e consumindo. No
Brasil, o desemprego é, ao lado da inflação, o indicador mais latente de uma
crise.
Na propaganda oficial, todos os R$ 458 bilhões
dados em desonerações de impostos pelo governo, todos os bilhões destinados a
grandes empresas, todas as obras na América Latina financiadas
com o seu dinheiro, possuem uma justificativa clara: a manutenção do emprego.
Para o governo, tudo estava sob controle na medida em que ele
assegurava o emprego e a renda. O problema é exatamente o que já comentamos
aqui: o emprego e a renda não são deslocados da realidade. Pelo contrário, como
mostrou o Mercado Popular, a correlação entre o
crescimento e a geração de empregos é bastante precisa.
2.
A INFLAÇÃO ESTE ANO DEVE ATINGIR 9,46%.
Acostumados à época de hiperinflação, a maior parte dos
brasileiros saberia associar o crescimento da inflação à queda na sua renda de
uma forma que muitos economistas sequer sonham em entender. Ponto chave da
maior concentração de renda do plano, a inflação foi e ainda é o maior dos
temores dos brasileiros no campo econômico.
Por conta disso, ao longo dos últimos anos, o governo tratou de
esconder os efeitos na inflação de sua política expansionista por meio de uma
maquiagem de dados. Como já explicamos aqui, o governo utilizava dinheiro de
impostos para impedir aumentos de preços. Aumentos de preços entram no índice
de inflação, gastos com impostos (seja para pagar as concessionárias de
energia, de gás, combustível, etc), não entram.
Esta é essencialmente a razão para a inflação chegar ao mais alto
valor em 13 anos. Os preços anteriormente subsidiados pelo governo agora estão sendo reajustados.
3.
TEREMOS PELA PRIMEIRA VEZ EM 8 DÉCADAS UMA QUEDA NO PIB POR 2 ANOS SEGUIDOS.
O biênio 2015-16 deverá entrar para a história como o segundo pior período de crescimento econômico da economia
brasileira. O último resultado neste nível foi aquele registrado nos anos de
1930 e 1931, quando a economia brasileira ainda era essencialmente uma economia
dependente das exportações de café. A queda na cotação internacional levou o
país ao caos econômico.
Graças a um trimestre positivo em 2014, porém, escapamos de ter o
maior período recessivo da história. Nosso crescimento nulo, no entanto, não
eliminou a tendência de queda registrada há alguns semestres – como ficamos
sabendo recentemente, o resultado foi fortemente impactado pelo medo da
presidente de que ajustar a economia lhe custasse a reeleição.
Mais do que o valor exato do PIB, a economia aponta a tendência –
e o que a rejeição dos membros do governo ao ajuste deixa transparecer é que pouco ou nada mudará depois de sanados os
maiores problemas.
4.
O CÂMBIO ESTÁ NO SEU MAIOR VALOR HISTÓRICO?
Como já comentamos anteriormente, o câmbio é uma
variável importantíssima no dia a dia de qualquer país, até mesmo de países
como o Brasil que possuem a menor relação de comércio exterior no mundo, menor
até que a de Cuba, que sofre um embargo econômico.
Desde que lançamos nosso guia para entender o dólar, porém, inúmeras
perguntas surgiram a respeito. Será este o maior valor histórico do dólar
até então?
A pergunta é de fato absurda. Custa a acreditar que alguém
comemore o fato de possivelmente já termos estado pior quando vemos notícias
como sobre o aumento no custo de vida da população. A correção do dólar pelo seu valor real é uma
prática comum no mercado. De fato, não estamos no pior momento da história. O
que vemos, porém, é uma constante trajetória de declínio do poder da nossa
moeda, a segunda que mais perdeu valor no mundo.
O resultado é o prejuízo de mais de R$ 70
bilhões tido pelo Banco Central com contratos de compra e venda do dólar.
Sim, R$350 para cada cidadão brasileiro perdidos em poucos meses apenas pelo
custo do governo em manter o dólar. Com isto é certo: apesar de já ter estado
mais caro antes, em nenhum momento o dólar nos deu tantos prejuízos.
E O GOVERNO, COMO ESTÁ E COMO ESPERA
ESTAR NOS PRÓXIMOS ANOS?
5.
O GOVERNO CORTOU AS METAS DO AJUSTE FISCAL EM QUASE 80%, MAS PROMETEU NÃO
INVENTAR NÚMEROS PARA OS ANOS SEGUINTES.
O ajuste fiscal, a tentativa do governo de equilibrar suas contas,
possui alguns objetivos não explícitos além daqueles expostos. O primeiro e
mais claro deles é equilibrar despesa e receita e fazer o governo economizar
dinheiro no chamado superávit primário. Em janeiro, quando Joaquim Levy
assumiu, a meta era de 1,2% para este ano. Hoje encontra-se em 0,15%.
Outro aspecto pretendido por Levy era desarmar a bomba criada pelo
controle de preços. Neste aspecto, o governo parece mais bem sucedido. Às
custas de milhares de empregos perdidos, uma queda abissal no consumo e algumas
centenas de bilhões a mais em juros da dívida pública, o governo parece ter
colocado a inflação de volta ao rumo. Em agosto tivemos uma alta de 0,22% –
apesar disso, o mercado ainda projeta uma inflação acima de 9% este ano e conta
com um índice de 5,87% no próximo ano.
As metas dos próximos anos, apesar de mais modestas, ainda
permitem ao governo ser realista. Temos gastos não financeiros superiores a
receitas não financeiras (déficit primário), projetado pela primeira vez na
história. A premissa do governo parece ser a de que o melhor remédio é a
verdade. Uma tática nova e ousada: tudo indica que após anos de contas
maquiadas possa ser positivo.
6.
A DÍVIDA PÚBLICA ATINGIU R$ 3,685 TRILHÕES (64,6% DO PIB), E DEVE CHEGAR A
69,6% EM 2018.
Possivelmente você já leu ou ouviu alguém dizer que a dívida
brasileira é baixa em relação a inúmeros países. Não é incomum lermos
comentários espantados com a dívida americana atingindo 100% do seu PIB,
ou então a respeito dos 200% da dívida japonesa. A confusão é comum e decorre
de um erro simples. Apesar de imensas, as dívidas públicas destes países
costumam ser bem menores quando olhamos o total de patrimônio e poupança
disponível nestes países.
Como mostrou em sua palestra recente Gustavo Franco, ex-presidente
do Banco Central, a dívida americana equivale a 1/5 de toda a poupança
disponível no país, enquanto a brasileira é equivalente a 2/3. Tanto americanos
quanto japoneses possuem uma capacidade relativamente alta de se
financiar, podem pagar juros próximos de zero, enquanto pagamos no Brasil os maiores
juros do mundo. Essa é a razão pela qual a dívida brasileira é um problema
maior. Quando olhamos o nosso resultado fiscal total, considerando os juros da
dívida, vemos déficit no valor de 8,81% do PIB. O valor é maior que o de países como EUA
(5,5%), França (4,8%) e Espanha (5,7%).
Mas como a dívida aumentou se o governo reduziu os gastos? A
resposta está na outra ponta. O custo com juros deve crescer de R$ 311 bilhões
em 2014 para mais de R$ 480 bilhões em 2015, graças ao aumento do governo com
juros, influenciados pela alta da SELIC. Outro fatores que influencia no
aumento da dívida é exatamente o custo para controlar o dólar, que superou os R$
70 bilhões.
E O QUE PODEMOS ESPERAR DOS
PRÓXIMOS ANOS?
7.
TRANSPARÊNCIA MAS NEM TANTO.
Baseados nas expectativas do próprio governo, os economistas Vilma
Conceição Pinto e Lívio Ribeiro, do Instituto Brasileiro de Economia
(Ibre/FVG), projetaram os resultados mais prováveis para os próximos anos. O
resultado? Um descompasso de R$ 200 bilhões. Este é o dinheiro que precisaria
entrar em receitas não recorrentes, como as privatizações que Dilma promete
fazer. Considerando as otimistas projeções do mercado para os próximos anos, os
dois economistas acreditam que a tendência é de que a dívida pública chegue a
elevados 69,6%, um aumento de quase 15 pontos percentuais em uma década.
Como a história nos mostra, os governos brasileiros enfrentam
enorme dificuldade entre manter-se firme na realização de um ajuste de contas e
às tentações de incorrer em gastos que gerem aumento na popularidade. Para os
próximos anos devem entrar em vigor cortes vigorosos na previdência, como no
seguro desemprego, aprovados este ano. Além de redução nos contratos do Minha Casa Minha Vida, anulação de novos concursos
públicos, fim de reajustes de servidores, fim do Ciências Sem Fronteiras e, no que depender do
governo, novos impostos.
8.
A ECONOMIA IRÁ MELHORAR, DIFÍCIL É SABER QUANDO.
Para economistas como Eduardo Giannetti da Fonseca, conselheiro de
Marina Silva nas últimas eleições e um dos maiores autores brasileiros na área
de economia, os próximos 5 anos seguem incertos – o mais plausível é que
teremos 5 anos bastante difíceis.
Para Giannetti, a soma de uma carga tributária de 36% e um déficit
nominal de 8%, que nos colocaria em um gasto público da ordem de 44%, o maior
do mundo entre os países de mesma renda que o Brasil, demonstra uma falência do
modelo de expansão fiscal para saciar as necessidades do governo. A
consequência é um esmagamento ainda maior do setor privado, que deverá arcar
com este expansionismo público.
Setores como construção civil e automotivos, ambos fortemente
afetados pela expansão econômica, preveem melhoras começando apenas em 2017. E
as causas são fáceis de serem citadas: o nível de confiança do consumidor é o
menor da história, nunca antes os consumidores brasileiros estiveram tão
receosos de consumir quanto hoje, o que ajuda a nos levar ao menor índice de confiança da indústria na história e
assim por diante em uma espiral negativa.
Com os anúncios do governo de que reduzirá os financiamentos
imobiliários do Minha Casa Minha Vida,
além de ser mais rigoroso em liberar novos créditos, a expectativa é de que a
economia entre um marcha lenta por alguns anos. Não perto de uma década perdida
como em 1980, mas ainda assim uma bela de uma oportunidade perdida para o
populismo dos anos recentes.
9.
A INFLAÇÃO DEVE CAIR, MAS OS BANCOS NUNCA ESTÃO CERTOS MESMO…
Apesar de estarem em alta há 8 semanas, as previsões para a
inflação seguem otimistas, com uma previsão de que o índice chegue a 5,87% em
2016. As causas são simples. Os preços administrados pelo governo, que devem
subir 15,5% este ano, em 2016 subirão menos de 6%. É o que acredita o mercado.
A relação entre expectativas e realidade aqui são, no
mínimo, curiosas. Quem não se lembra da analista do Santander demitida
após prever uma piora da economia com a reeleição de Dilma? Costuma-se dizer
que nenhum banco arrisca acertar a previsão de inflação no início do ano. Se o
banco prever uma inflação maior que aquela atingida de fato, ele estará sendo
“pessimista”, se prever uma menor, então ele é só o banco, e como bem sabemos,
bancos estão sempre errados e dispostos a nos trapacear, não é mesmo? Ao menos
esta é a conclusão que se tem ao analisar os boletins com opiniões de dezenas
de instituições. Nenhuma sequer consegue prever câmbio, inflação ou juros com
exatidão.
Se o mercado passa a anunciar com maior certeza o que ocorrerá,
temos aí uma profecia auto-realizada nos lançando em uma espiral negativa. No
fundo, toda previsão é um eterno cabo de guerra. Vencer uma previsão e ganhar
dinheiro com erros alheios nunca é bem visto – que o digam os gestores que
lucraram bilhões em 2008 prevendo que os bancos americanos estavam emprestando
para quem era incapaz de pagar suas hipotecas. Ninguém gosta de espertinhos que
nos tirem a ilusão de poder acertar sem precisar de sacrifícios.
Spotniks
Nenhum comentário:
Postar um comentário