Editorial - Spotniks
Como ocorre anualmente, a revista Forbes divulgou
há pouco tempo sua lista com os maiores bilionários brasileiros. Encabeçando a
lista está o suíço-brasileiro Jorge Paulo Lemann, da Ambev e das Lojas
Americanas, seguido por Joseph Safra, banqueiro cuja família de origem libanesa
atua no ramo há 200 anos. Assim como em outras ocasiões, a revista tornou a
lançar uma edição apenas com bilionários em reais – além da usual lista com
bilionários em dólares.
Na primeira, mais ampla, constatou-se que o
Brasil possui 160 bilionários, com uma fortuna de R$ 806,6 bilhões. À exceção da entrada
de novos bilionários, como a família Batista, herdeira do frigorífico JBS, a
lista continua essencialmente a mesma.
Não estaríamos errados se fizessemos da lista um
“jogo de adivinhação” para saber qual bilionário fundou qual banco. Quando
fazemos uma análise das 15 famílias mais ricas, vemos que nada menos que 1/3 da lista está ligado ao setor
bancário – são membros das famílias Villela e Setubal (Itaú), Safra (do banco
de mesmo nome), Moreira Salles (ex-Unibanco e atual Itaú), além da família
Aguiar (Bradesco). Um número impressionante, mas que espanta quando comparado a
outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, este número é de exatamente
zero, na Alemanha idem. O que então explica que um país com ativos bancários 15
vezes menores (quando incluímos aí os 51% do sistema bancário brasileiro
pertencente ao governo), possuir tão poucos bilionários na área?
Por que as famílias mais
ricas americanas estão ligadas à industria, à mídia e ao varejo em maior parte,
enquanto no Brasil, mais de 2/3 da lista é composta por banqueiros e
empreiteiros?
Responder a uma questão assim é menos fácil do
que parece. Não se pode negar, por exemplo, que a indústria americana e o seu
sistema financeiro pratiquem tanta pressão no governo por benefícios quanto os
industriais brasileiros (Hillary Clinton, por exemplo, a candidata mais cotada
para suceder Barack Obama, tem nos bancos os seus principais doadores de
campanha). Ou ainda, não se pode afirmar que os banqueiros brasileiros sejam
mais gananciosos do que seus pares americanos.
Altamente dependente do governo, o sistema financeiro brasileiro
está intimamente ligado às ações do governo ao longo da história. Muito antes
do Bradesco vir a ceder um de seus diretores para o cargo de ministro da
Fazenda (Joaquim Levy), o cargo já foi ocupado por proeminentes membros do
setor bancário. Em 1962, quando planejava realizar seu ajuste fiscal, João
Goulart, o Jango, pôs no Ministério da Fazenda ninguém menos que o fundador do
Unibanco, Walther Moreira Salles. A explicação? O governo precisava de
credibilidade junto ao mercado.
Nas décadas seguintes, o alinhamento do governo com o setor
bancário foi direto. O regime militar tratou de criar a reforma do sistema
bancário, além de bancos estatais que ampliassem o crédito e a poupança. Mais à
frente, a gastança desenfreada de Geisel viria a garantir um futuro brilhante
para o sistema bancário brasileiro. A hiperinflação que assolou o Brasil e nos
deu a década perdida foi possivelmente o maior motivo de concentração no setor
bancário do país. Segundo um estudo dos economistas Rubens Cysne e Mario
Henrique Simonsen (o ex-ministro da Fazenda que posteriormente teria ele mesmo
um banco), o setor bancário chegou a lucrar com a inflação, nada menos que 1% do PIB por ano, o que em valores atuais
equivaleria a R$ 60 bilhões. No mesmo período, a inflação significou o
crescimento da desigualdade na economia brasileira, além da desvalorização do
poder de compra do salário mínimo.
Em razão disto, o fim da inflação com o Plano Real significou a
quebra de inúmeros bancos, como o Bamerindus – que afinal, não continuou numa
boa. Banco do Brasil e Caixa tiveram grande prejuízo na época, com o BB
chegando inclusive a falir. Por conta disso, o governo FHC lançou o PROER, o programa de reestruturação
do sistema bancário, que tratou de emprestar 2,5% do PIB (R$ 30 bilhões na
época), para garantir que os bancos não quebrassem.
Apesar dos planos de ajuda, o governo FHC representou a maior
queda do lucro no sistema bancário em décadas. Os bancos deixaram de lucrar com
a inflação e foram obrigados a lucrar por meio de empréstimos e serviços. Nada
disso preocupou, de fato, nos anos seguintes – em especial no governo Lula, os
lucros cresceriam como nunca. Ninguém fez tão bem aos bancos quanto o governo
petista. O crescimento de quase 400% nominais na dívida pública brasileira e os
resgates a bancos como o Votorantim, da família Ermírio de Moraes (3ª família
mais rica do país, atrás apenas dos Safra e da família Marinho, dona da Globo),
representaram um período de ouro para o setor bancário brasileiro, e
consequentemente para os seus poucos membros.
Tal fato não foi esquecido. Como mostramos aqui, recentemente alguns dos
maiores banqueiros e empresários do país demonstraram confiança e apoio ao
governo Dilma. Apesar de ligado à imagem da candidata Marina Silva – apoiada
por uma das mais de 15 herdeiras do Itaú – o banco foi o maior doador da
campanha de Dilma Rousseff nas eleições de 2010.
Em
2014, Dilma
recebeu aproximadamente R$ 16 milhões do setor bancário, contra R$ 6 milhões de
Marina e Aécio somados.
Nem só de bancos vivem os bilionários brasileiros, é verdade. O
setor de empreiteiras e concessionárias de serviços públicos também possui
grande expressão – tendo 3 nomes dentre as 15 famílias mais ricas do país. As
discretas irmãs herdeiras da Camargo Correa ficam em 5º, contra o 8º lugar de
Marcelo Odebrecht e sua família, além da família Penido, que ocupa o 14º lugar,
em boa parte graças à CCR, concessionária de rodovias.
A história da família Camargo começa ainda na década de 1920,
quando o empresário Sebastião Camargo transportava areia para construção de
estradas no interior paulista. Foi literalmente em Brasília, porém, que a
empresa encontrou seu rumo. A Camargo Corrêa é uma das principais empreiteiras
que atuaram na construção da capital federal. Durante o regime militar, a
empresa se tornou a maior empreiteira do país, com participação expressiva em
obras como a hidrelétrica de Itaipu. É mais recente, porém, o envolvimento da
Camargo Correa com o financiamento da nossa democracia. Entre 2002 e 2014 a
empresa ampliou de R$ 1,8 milhões para para R$ 36 milhões suas doações de
campanha. Recentemente, a Camargo Correa reconheceu estar envolvida em um
cartel para lucrar em obras da Petrobras, concordando em devolver R$ 700 milhões.
O setor de empreiteiras é naturalmente ligado ao Estado, mas
poucas empresas no mundo conseguem fazer desta ligação algo tão natural quanto
a Odebrecht. Responsável por
mais de 70% dos serviços de engenharia financiados pelo BNDES no exterior, a
Odebrecht, além de sócia da Petrobrás na Braskem, é responsável por executar
obras como o porto de Mariel, em Cuba, além de seguir vigorosamente o governo.
Nos últimos anos, a empresa criou subsidiárias para operar as
concessões de VLT’s, aeroportos e portos concedidos pelo governo, criou uma
empresa na área de etanol, criou uma empresa de defesa para construir o
submarino nuclear brasileiro, e ampliou sua atuação no setor de petróleo,
tornando-se grande fornecedora da Petrobras. Em resumo, Lula pensa, Marcelo
Odebrecht realiza – com a ajuda natural do BNDES. Para a Odebrecht, as ideias
de Lula são realmente importantes. A empresa é uma dentre as que pagaram por
palestras do ex-presidente, nas quais ele teria recebido R$ 13 mil por minuto palestrado.
A família mais rica do país, porém, tem a origem do seu patrimônio
em outro setor, a mídia. Recentemente, a família Marinho lançou seu editorial em
apoio à presidente Dilma. Sua história de apoio a governos diversos,
entretanto, vem de longa data. Como reconheceu em editorial, a Globo apoiou o regime
militar, se beneficiando disso, além de apoiar a eleição de Collor (como Boni
reconhece em sua biografia). Até se tornar uma das mais bem avaliadas empresas
do país para o mercado financeiro, a Globo passou por mudanças radicais na
gestão. Com a morte de Roberto Marinho, seus três filhos herdaram a empresa,
que há décadas monopoliza o mercado publicitário e a audiência da
televisão aberta.
A Globo é hoje uma das mais ricas empresas do país, gerando 5 vezes mais recursos do que o
necessário para investir (para efeito de comparação, na Petrobras essa relação
está em 1 pra 1). A boa gestão dos irmãos Marinho se soma aos quase R$ 6,2 bilhões em publicidade federal na
última década. O valor recebido pela Globo é superior à soma de seus 3
principais concorrentes (Band, Record e SBT). Deixando de lado investimentos
mal sucedidos em operadoras de tv por assinatura e outras áreas, a família
Marinho concentrou-se na Rede Globo, que hoje responde por mais de 90% da
fortuna de R$ 72 bilhões detida pelos três irmãos. Enquanto a militância brada
palavras de ordens, a Globo lucra e mantem-se firme, apoiando mais um governo
na história.
A relação entre grandes empresários e o governo é antiga e
conhecida no mundo inteiro. Em alguns casos se desenrola a chamada “teoria da
captura”, segundo a qual, agências reguladoras e orgãos públicos passam a ser
utilizados com o intuito de garantir privilégios e maior renda a certos
empresários, contrariando o livre mercado. Esta ideia é bastante comum nos
Estados Unidos, mas em poucos lugares do mundo atingiu um tamanho tão
desproporcional como no Brasil. Enquanto sua base de apoio apressasse em culpar
Joaquim Levy pelo ajuste, Dilma promove o maior plano de privatização da
história brasileira, tudo definido previamente de acordo com empresários, além
de manter uma política de subsídios que
repassará às grandes empresas centenas de bilhões em subsídios por meio do
BNDES.
Todo o conluio entre empresários e governo segue embalado por um
discurso em favor dos pobres – não há problema em uma gestão que causou
prejuízos bilionários em estatais como a Petrobras, pois o governo investe
em educação parte do lucro da empresa. Não há problema em subsidiar grandes
empresários em R$ 184 bilhões, pois temos mais empregos. E assim, no Brasil,
pelo bem de seus próprios bolsos, enquanto os políticos condenam o capitalismo,
os grandes capitalistas anticapitalistas seguem desempenhando aquilo que
sabem fazer de melhor: defendendo o governo.
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