Ivanildo Terceiro
Em segundos, José Carlos viu o seu esforço de quatro anos ser
posto em um caminhão da prefeitura e levado para um depósito que irá deixá-lo
para sempre longe do seu carrinho de churros. Cabisbaixo, ele se encolhe no
ônibus de volta para casa ao perceber que dois homens fazem um arrastão.
Ainda com um sorriso no rosto por ter escapado de mais um assalto,
José senta no banco do bar e pede um copo de cerveja para comemorar sua
sobrevivência no mundo urbano. Acomodado, pega o celular, aproveita os
últimos cinquenta centavos do seu pré-pago no 3G entrando no
facebook, vendo um vídeo de uma moça da sua cor falando para uns alunos brancos
que eles os devem “até a alma”. José ri. Com ou sem cotas, o único espaço que
ele já visitou e poderia estar na USP era o da portaria – seu emprego anterior
que não exigia ensino médio e foi responsável por lhe permitir o dinheiro
necessário para o carrinho.
José Carlos obviamente não existe. Mas sua história é um retrato
fiel de como vive um cidadão negro médio em nosso país – e como o movimento
negro é completamente desconexo da sua realidade.
Poliana Kamalu e seus amigos representam uma minoria dos negros
que completam o ensino médio antes dos dezenove anos e estudaram em escolas particulares,
sobretudo as que custam mais de 2 mil reais por mês.
A grande verdade é que o atual movimento negro
não tem a mínima ideia do que boa parte da população negra precisa e quer, e não se incomoda de usar a marca do
louvável antirracismo para avançarem em pautas estranhas às principais vítimas
do racismo. Não é de se espantar que sua bandeira mais alardeada seja uma
política que tem como beneficiados a mesma minoria entre a população negra –
isto é, cotas em universidades públicas e para aqueles que não tiveram
tantos problemas na vida e podem se dedicar ao estudo para passar em concursos públicos (como o resto dos
concurseiros).
Enquanto isso, os negros que formam mais da metade dos empreendedores do Brasil (boa parte deles por pura falta
de opção) se não estão completamente esquecidos por este movimento, os veem
apoiando coisas como mais impostos e burocracia para novos empreendimentos. Ou
o revoltante silêncio, e até mesmo oposição, do movimento negro à pautas como o
direito ao armamento civil (afinal, desde a experiência dos EUA,
sabemos que é vital que negros possam se armar e defender). Pautas que poderiam
frear o dito“genocídio da juventude negra“.
Nós precisamos de um novo movimento negro, um que compreenda que
uma instituição marcada pela disputa de poder e violência contra nosso povo não
pode nos servir. Que entenda que rechear os espaços de poder com negros não
resolve o problema, que pelo contrário, entenda que espaços de poder são o
problema. Um movimento negro que não seja racista.
O negro brasileiro, como qualquer outro indivíduo, só quer que o
governo lhe dê sossego. Está cansado de ter que pagar sua própria
universidade, e pagar para Poliana Kamalu brincar de revolução nas
universidades. De ser proibido pela polícia de ter acesso aos meios que
possibilitem a sua legítima defesa. De ser achincalhado pelas forças do
governo sempre que inicia um pequeno empreendimento. Algo
que figuras como Poliana dão de ombros.
Se Poliana quer tanto ver José Carlos nos bancos da sua
universidade, ela poderia começar por algo estupidamente simples: pare de
fingir que o representa, e entenda que é parte do problema.
Spotniks
Nenhum comentário:
Postar um comentário