sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Impeachment branco

Eliane Cantanhêde

Podem anotar aí: a próxima etapa da “reforma ministerial” do Lula é limar o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Lula demorou a exercer seu domínio sobre a pupila Dilma Rousseff, que esperneou o quanto pôde, mas, agora, ele não vai parar mais. A intervenção no governo, ou o impeachment branco, vai longe.

A estratégia e o cronograma do ataque a Levy, cada vez mais estranho no ninho, já está claríssima: deixar que ele faça o “trabalho sujo” e depois jogá-lo às traças, ou de volta aos bancos. Como “trabalho sujo”, entenda-se a correção de rumos, o ajuste fiscal, o aumento de impostos, o corte de gastos.

Depois, põe-se a culpa nele por tudo o que der errado, aponta-se Levy como o “inimigo do povo, o algoz dos pobres, o neoliberal, o que manchou os ideais do PT” e parte-se para uma política a la Lula: muito crédito barato, consumo, populismo e oba-oba.

Embevecido com os seus oito anos, movidos pelos ventos externos, pelo efetivo processo de inclusão social e por sua inegável capacidade política, Lula acha que pode recuperar a deificação perdida e voltar nos braços do povo em 2018. Mas as coisas mudaram e mudaram muitíssimo, dentro e fora do País.

Os sinais da estratégia e da cronologia do ataque de Lula a Levy estão aí na praça, a céu aberto. Começaram com declarações daqui e dali de lulistas empedernidos, foram formalizados pela Fundação Perseu Abramo, viraram conversa animada no Congresso e disseminaram-se pelos restaurantes onde a pauta é “como salvar a pátria”. Leia-se: como salvar Lula e o PT.

Dilma não decide mais nada. E quem decide - Lula e os seus - imagina que a reforma ministerial, com o corte de 39 para “só” 31 ministérios, a dança de cadeiras e a invasão desenfreada do PMDB, vai resolver dois problemas imediatos: arquivar os processos de impeachment e possibilitar o aumento de receita, seja com a CPMF ou com outras ideias engenhosas do tipo.

Dois fatores são fundamentais. Eduardo Cunha não vale mais um tostão furado, seu destino aponta para a renúncia ou a cassação. E Lula acaba de ganhar um substituto não só à altura de Gilberto Carvalho, mas muito, muito, muito mais hábil como seus olhos, ouvidos e voz no gabinete presidencial: o carioca-baiano Jaques Wagner. Malandro, cheio de lábia, Wagner é o único grão petista que consegue ser, ao mesmo tempo, lulista e dilmista. Haja competência política! Que ele vai exercitar com a “base aliada”.

Depois do Congresso amansado, com o leão Cunha desdentado e a raposa Wagner botando as unhas de fora, o passo seguinte é “cuidar da economia”. Não interessa o custo para o País e o futuro, o que realmente importa é tomar um rumo que garanta a recuperação da popularidade esgarçada e o reencontro do PT com suas bases. Com Levy é que não seria.

“É a economia, estúpido!”, lembram-se? Depois de dar carne às feras aliadas, será a vez de dar sangue às bases e aos eleitores. Não pode ser o de Dilma, que precisa manter a cadeira para evitar que o vice Michel Temer puxe o PSDB de volta ao Planalto. E muito menos pode ser o de Lula, que é o eixo de tudo e um sobrevivente por natureza.

Logo, o próximo a ser estraçalhado e jogado à opinião pública será Levy. Quem vai levantar um dedo para defendê-lo no Planalto, no governo, no PT, na Fundação Perseu Abramo, no MST, na UNE, no MTST? Viv´alma. Se foi fácil desfazer-se até dos ícones José Dirceu e José Genoíno, será facílimo desvencilhar-se de Levy, como culpado número um.

Só tem aquele probleminha: todo mundo sabe que a tragédia da economia começou com Dilma1, que as soluções populistas serão um novo desastre e que, apesar de Lula estar mandando e desmandando, a Lava Jato vai continuar firme e forte com ou sem Levy, com ou sem José Eduardo Cardozo. Eles saem, os problemas ficam. E tendem a piorar muito, inclusive para Lula.

Eliane Cantanhêde

Estadão. 04/10/15.



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